segunda-feira, 5 mar 2018
"Livre comércio só é bom quando é para ambos [os
países envolvidos numa relação bilateral de comércio]".
Esta afirmação, que tem repercutido nas mídias
sociais e sido objeto de fervorosas polêmicas, seria verdadeira?
Frequentemente, as pessoas no Brasil optam por
comprar componentes eletrônicos, automóveis, eletrodomésticos, telefones e
outras mercadorias de pessoas que produziram essas coisas na Coreia do Sul. Em
2016, o valor das vendas dos coreanos para os brasileiros superou os US$
5 bilhões.
É tão forte a preferência nacional por esses produtos
sul-coreanos, seja pela sua qualidade, preço, ou uma combinação de ambos, que,
para comprá-los, os brasileiros concordam em submeter-se a tarifas, cotas, barreiras
e exigências kafkianas impostas por políticos e burocratas brazucas.
E fazem isso repetidamente, de livre e espontânea
vontade, ano após ano, mesmo havendo uma infinidade de alternativas de
mercadorias similares, produzidas no Brasil mesmo e também ao redor do mundo.
Só pode ser porque muitos brasileiros têm confirmado, por experiência própria,
repetidas vezes, que saem ganhando quando escolhem comprar dos coreanos.
Não fosse essa preferência claramente demonstrada
pelos brasileiros, não haveria tantos produtos sul-coreanos em nosso mercado. Questão
de lógica.
As pessoas na Coreia do Sul, da mesma forma, ao
continuarem se dando ao trabalho, por anos a fio, de fabricar, vender,
transportar para o outro lado do mundo e aturar as idiossincrasias tupiniquins
também demonstram que vender para os brasileiros lhes é vantajoso.
Os indivíduos envolvidos, tanto os que vivem no
hemisfério oriental quanto os que habitam o hemisfério ocidental, demonstram
reiteradamente sua satisfação com esse arranjo.
E
se fosse unilateral?
Imagine agora um mundo hipotético, no qual o comércio
exterior fosse totalmente aberto no Brasil, mas fechado na Coreia do Sul para
os produtos brasileiros. Suponha que políticos e burocratas brasileiros,
iluminados pelas ideias liberais (sonho...), tenham suspendido unilateralmente
todas as tarifas e barreiras à importação de produtos.
No entanto, nesse mundo imaginário, os coreanos não
compram nenhum produto feito em território brasileiro. Nada. Zero. Os políticos
e burocratas da Coreia do Sul, por qualquer razão que seja, resolveram privar totalmente
os cidadãos sob seu jugo do acesso às nossas commodities.
Esqueça os quase 3 bilhões de dólares em minério de
ferro, farelo de soja, milho, etanol e outras mercadorias que os empreendedores
e trabalhadores brasileiros vendem para o mercado coreano. Faça de conta que esses
51 milhões de sul-coreanos não compram por aqui 80% do frango que importam.
Sendo assim, as pessoas no Brasil, para conseguir os
dólares com os quais comprar os cobiçados produtos de marcas como Samsung, Kia,
LG e Hyundai, terão de se contentar em vender os frutos de seu trabalho somente
para o restinho da população mundial, aquelas cerca de 7,5 bilhões de pessoas
que vivem fora da península coreana.
Será que, nesse mundo de faz de conta, em que o
mercado é totalmente aberto aqui e totalmente fechado na Coreia do Sul para nós,
seria menor a satisfação dos consumidores brasileiros ao abrir a embalagem de
um reluzente smartphone Galaxy S8, ao sentir
o cheirinho de novo do seu SUV Sportage, ao
ver a Copa do Mundo na LG Smart TV 4K? Óbvio
que não.
Será que, por sua vez, os coreanos que produziram e
venderam seus produtos aos brasileiros considerarão essa venda mais vantajosa só
porque estão privados pelos seus governantes de comprar a nossa soja e minério?
É óbvio que também não.
Note: mesmo nesse mundo hipotético de livre comércio
perneta, de um só e não de "para ambos", muita gente sai ganhando. Lá e aqui.
Livre comércio só é bom quando é para ambos? Não.
"Ah, mas nesse mundo hipotético a Coreia faria com
que mais empregos fossem gerados em seu território, pois estaria se
aproveitando do mercado brasileiro sem perder seu próprio mercado para a
concorrência brasileira", alguns argumentam.
Em primeiro lugar, é necessário dar nome aos bois: a
"Coreia" não "faria" nada. Quem "faria" alguma coisa seriam seus políticos e
burocratas: restringir pela força o acesso dos cidadãos sob seu domínio às commodities que estes desejam comprar
dos brasileiros.
Mas isso ainda é o de menos.
Digamos que a restrição em questão
seja sobre a carne bovina. Se os brasileiros são mais produtivos na pecuária,
ao restringir o acesso da população sul-coreana à carne produzida no Brasil, os
políticos e burocratas orientais de fato criarão empregos adicionais entre os
pecuaristas sob a sua proteção. Isso será relativamente fácil de ver, de
mensurar. Será possível mostrar na TV os sorridentes rostos dos trabalhadores rurais
orientais, protegidos pelos governantes da concorrência brasileira, com seus
novos empregos nos abatedouros.
Frédéric Bastiat, no entanto, nos ensinou que é
preciso ater-se também ao
que não se vê: a carne bovina ficará mais cara nos mercados sul-coreanos. As
pessoas por lá, ao gastarem mais com carne, terão menos renda disponível para consumir
outras mercadorias e serviços. Consequentemente, a demanda por outros bens e serviços
será fatalmente reduzida, causando diminuição de investimentos e empregos em
todos estes outros setores.
E no Brasil? Qual a consequência da restrição
coreana à carne brasileira? Provavelmente, redução de empregos na pecuária
local, rostos chorosos de desempregados na TV, vítimas da discricionariedade
violenta dos políticos e burocratas coreanos.
E o que não se veria? Os brasileiros, ao agora
poderem comprar telefones, TVs e carros mais baratos (pois as tarifas de importação foram zeradas), teriam mais dinheiro
sobrando para consumir mais de outros tipos de mercadorias e serviços. Com maior
poder de compra há mais demanda, o que exige investimentos para saciar esta
demanda. Investimentos geram mais empregos e produção em vários outros setores
da economia.
Ou seja: mesmo nesse livre comércio perneta, os
brasileiros teriam acesso a produtos mais baratos, o que aumentaria a renda disponível
e, consequentemente, a demanda. Haveria mais investimentos e também mais
empregos. A oferta de bens em nosso mercado seria maior. Nosso padrão de vida
seria maior. Por outro lado, os sul-coreanos teriam carne mais cara e menos
empregos.
E isso não é apenas uma questão de teoria,
não. A própria empiria confirma isso. O quadro abaixo, elaborado pelo
economista argentino Iván
Carrino, mostra os países que têm a maior abertura comercial de acordo com
a pontuação (de 0 a 100) — estabelecida pelo Índice de Liberdade Econômica
da Heritage Foundation — e a taxa de desemprego de cada um
deles para o ano de 2015.

À exceção da Bulgária — que nunca foi um exemplo de
país historicamente estável ou de economia livre —, a conclusão a partir dos
dados é clara: o desemprego nada tem a ver com a abertura econômica. Como
mostram os quatro primeiros países, quanto mais aberto ao
comércio, menor a taxa de desemprego.
Conclusão
Há duas pessoas em uma canoa, uma de cada lado. Uma
delas comete o insano ato de dar um tiro na sua própria extremidade da canoa,
abrindo um buraco no chão da embarcação, a qual começa a afundar. Quão
inteligente seria se a outra pessoa retaliasse dando um tiro na sua própria extremidade
da canoa?
É exatamente isso o que defendem os proponentes da retaliação
comercial.
Qual seria então a reação apropriada à injustiça
cometida com aqueles que perderam seus empregos na pecuária brasileira em razão
da intervenção violenta dos políticos e burocratas coreanos? Se você disser "restringir
a entrada de produtos da Coreia do Sul no Brasil, em retaliação", estará defendendo
dois buracos na canoa.
Encarecer artificialmente os componentes eletrônicos, as máquinas, as TVs,
os smartphones e os carros para todos os brasileiros em nada irá ajudar os
desempregados da pecuária. Ao contrário: tende só a aumentar seu contingente. Pior: diminuirá substantivamente o padrão de vida de toda a população (especialmente a dos desempregados).
Por outro lado, se você reagir denunciando a
injustiça dos governantes da Coreia do Sul cometida lá e aqui contra indivíduos
inocentes, e pressionar pela a abertura do mercado coreano, estará de fato combatendo o bom combate.
Livre comércio não é bom só quando é para ambos — mas, sem dúvida nenhuma, é ainda melhor.
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