segunda-feira, 6 jan 2020
Começo com uma premissa: um salário mínimo
artificialmente alto imposto pelo governo é uma prática desumana, pois proíbe
os mais pobres e menos produtivos de serem legalmente empregados.
E já emendo com outra premissa: quem defende a
imposição de um salário mínimo alto simplesmente odeia seu semelhante.
Agora, antes que os mais sensíveis tenham tempo de
protestar e apontar minha "desumanidade", vou apenas colocar esta sensacional
notícia, divulgada
pela Bloomberg:
A
Comissão de Taxis e Limusines da Cidade de Nova York (TLC, na sigla em inglês)
votou na terça-feira para estabelecer um salário mínimo para os motoristas da
Uber e da Lyft. Esta é a primeira vez que um governo nos EUA impõe normas
salariais a empresas de transporte particular.
De
acordo com as novas regras, que entrarão em vigência em janeiro, as empresas
devem pagar aos motoristas US$ 26,51 brutos por hora, ou US$ 17,22 após
despesas.
É
um valor um pouco mais alto que o salário mínimo de US$ 15 que a prefeitura
exigiu que todos os empregadores adotem até o final do ano que vem, mas é
considerado equivalente porque os motoristas são trabalhadores independentes.
Cerca
de 85 por cento dos motoristas de transporte particular atualmente ganham menos
que o mínimo, segundo análise independente encomendada pela TLC. Para esses
motoristas, os novos salários constituirão um aumento médio do salário anual de
mais de US$ 6.300. [...]
A
criação de um piso salarial cria um nível de segurança financeira que não
existia na economia dos bicos. [...]
Isto
dá à TLC de Nova York mais poder para regular o transporte particular do que a
maioria das cidades.
Os
motoristas de Nova York também estão excepcionalmente bem organizados. Dois
grupos — New York Taxi Workers Alliance e Independent Drivers Guild — vinham
pressionando a TLC para que implementasse normas salariais, após campanhas para
obrigar as operadoras de transporte particular a permitir gorjetas e limitar o
número de veículos de transporte particular que operam na cidade.
"Mais
uma vez, Nova York aprova regulamentações históricas para proteger os
trabalhadores na ingovernável economia dos bicos", disse Bhairavi Desai,
diretora executiva da NYTWA, em comunicado enviado por e-mail.
Agora vamos desenhar o que a notícia simplesmente
deixou implícito: taxistas fizeram lobby perante o governo e conseguiram impor
um salário mínimo para todos os motoristas da Uber. Atenção: os taxistas não pediram salário mínimo para eles
próprios, mas sim para os motoristas da Uber. Que bondosos e altruístas,
não?
Agora vamos colorir o desenho: a imposição de um
salário mínimo está sendo explicitamente utilizada para retirar motoristas da Uber do mercado. A intenção dos taxistas é
encarecer artificialmente a mão-de-obra dos motoristas da Uber, inviabilizando
sua permanência no mercado, e com isso reduzir substantivamente a concorrência
e garantir uma reserva de mercado para os taxistas.
Eis aí uma simples atitude que confirma
cristalinamente todo um enorme arcabouço teórico. Quem defende que a imposição
de um salário mínimo alto é algo humano e compassivo tem de explicar por que os
taxistas estão exigindo salário mínimo para motoristas da Uber e não para eles
próprios. Seria excesso de amor ao próximo?
Ao agirem assim, os taxistas de Nova York demonstraram
dominar a teoria econômica muito mais profundamente do que até mesmo
economistas acadêmicos, que seguem na crença de que um salário mínimo alto é
algo positivo, pois "gera maior capacidade de consumo". Como é que algo que causa
desemprego pode gerar maior capacidade de consumo?
A
história é antiga
Quem conhece o básico da teoria econômica sabe que a
imposição de um salário mínimo nada mais é do que uma barreira ao emprego dos
menos produtivos.
Por exemplo, se um jovem
pobre, sem instrução e sem habilidades, possui uma produtividade capaz de gerar
apenas R$ 700 por mês a um eventual empregador, o que acontecerá se o governo
aprovar uma lei exigindo que a este jovem sejam pagos no mínimo $ 1.000 por mês
é que ele simplesmente não será contratado, e estará condenado ao desemprego.
E é realmente simples e cristalino assim: um salário
mínimo alto condenará ao desemprego e ao desespero todos aqueles trabalhadores
que produzem um valor inferior a este custo mínimo estipulado pelo governo.
No entanto, o histórico do salário mínimo é ainda
mais escabroso. Está fora do escopo deste artigo, mas hoje já são bem
conhecidas as raízes eugênicas do salário mínimo, que foi originalmente criado
para manter
negros e mulheres fora do mercado de trabalho. (Ver também aqui e aqui).
Atualmente, na Europa, as leis do salário mínimo estão sendo utilizadas para excluir
os imigrantes do mercado formal.
Portanto, essa postura dos taxistas de Nova York
realmente não deveria causar surpresa nenhuma: o salário mínimo serve para
bloquear a concorrência e só é aplicado sobre aqueles a quem realmente odiamos.
No
Brasil
No Brasil, o salário mínimo sozinho não é o maior
dos males; ele não é o principal obstáculo ao emprego dos menos produtivos. O problema
é que ele vem acompanhado de encargos
sociais e trabalhistas, os quais acentuam ainda mais os custos do salário mínimo.
Por exemplo, se você contratar uma doméstica por R$
1.000 (que será o valor do salário mínimo
em 2019), você gastará ao todo R$
1.200 por mês (8% de INSS patronal, 8% de FGTS, 3,2% de Antecipação da
Multa de 40% do FGTS, e 0,8% de Seguro Acidente de Trabalho).
E a doméstica receberá, efetivamente, R$ 920. (Clique
aqui e digite R$ 920 no campo "salário líquido").
Portanto, o empregador pagou R$ 1.200 (um ágio de
20% sobre o valor estipulado do salário mínimo) e o empregado recebeu
efetivamente R$ 920 (desconto de 8%). A diferença de R$ 280 foi abiscoitada
pelo governo.
Em suma: no Brasil, o custo do salário mínimo para o
empregador é aumentado em 20% pelos encargos, sendo este o custo total do salário mínimo. Mas piora: o empregado não apenas não fica com nada destes
20% de custo adicional, como ainda recebe menos que o valor do mínimo.
E todo esse arranjo é defendido como humanitário e
compassivo.
O que nos leva ao principal ponto
A
glória de mandar
Por mais sólidos que sejam os argumentos econômicos contra
o salário mínimo, eles ainda ignoram um ponto crucial: quem defende a imposição
de um salário mínimo, em conjunto com seus encargos sociais e trabalhistas, está
simplesmente partindo da premissa de que detém
total poder sobre o corpo e sobre o trabalho de outros indivíduos.
Explico: a pessoa que está vendendo sua mão-de-obra
é dona do próprio corpo. Ela é soberana. E ninguém tem o direito de anular
isso. Sendo dona do próprio corpo, ela está dotada do direito natural de
determinar qual o preço que quer receber pelo serviço prestado pela sua mão-de-obra.
Ninguém pode anular esta sua soberania.
De novo: o vendedor da mão-de-obra — ou seja, a
pessoa que está à procura de emprego — é o dono daquilo que está à venda (sua mão-de-obra).
Ele é a única pessoa que tem o direito de
determinar qual deve ser o preço mínimo da sua mão-de-obra. Nenhum observador
externo tem o direito de sobrepujar esta soberania do vendedor e especificar o
que ele pode e não pode fazer.
Ninguém precisa de leis de salário mínimo para
exercitar este básico direito à auto-propriedade. O indivíduo, sendo o único proprietário
do seu corpo, tem o direito estipular o próprio salário mínimo sem essas leis.
Por isso, leis de salário mínimo são necessárias exatamente
quando você quer impedir que outras
pessoas se ofereçam para trabalhar por salários menores que o seu — algo que
elas deveriam ter todo o direito de fazer na condição de donas de seu próprio corpo
e de sua mão-de-obra.
E há outro detalhe também crucial: o salário mínimo e
seus encargos não apenas podem representar a diferença entre ter e não ter um
emprego, como também impedem que pessoas trabalhando por um salário acima do mínimo
em um emprego possam ter um segundo
emprego a um salário abaixo do mínimo, algo que aumentaria sua renda e
poderia lhes trazer novas habilidades, permitindo que, no futuro, elas possam
progredir para uma diferente linha de trabalho que pague melhor.
Acima
de tudo, é imoral
Ser o dono da própria mão-de-obra significa ser o
dono do próprio corpo. Em termos muito práticos, o trabalho é o meio de sobrevivência.
Consequentemente, se você reivindica o direito de determinar o preço mínimo da mão-de-obra
de outra pessoa, você está reivindicando ser o dono do corpo e da vida dela.
Por isso, o melhor argumento contra o salário mínimo
e seus encargos nem é econômico, mas sim ético e moral.
Infelizmente, na arena dos debates, afetações de
indignação tendem a sobrepujar argumentos técnicos e racionais, de modo que a
discussão sobre salário mínimo nunca ganhou tração, pois ele é realmente visto
como a linha divisória entre a civilização e a barbárie.
Os defensores do salário mínimo e de todos os seus
concomitantes encargos sociais e trabalhistas concentram toda a sua atenção nos
empregadores (isto é, nos compradores dos serviços de mão-de-obra). Nenhuma atenção
é efetivamente dada aos vendedores de sua mão-de-obra. Em sua ânsia de restringir
os direitos dos patrões, eles atropelam os direitos dos empregados, jamais
perguntando quem realmente é o proprietário da mão-de-obra em jogo.
Eles ignoram que há pessoas cujas vidas poderiam
melhorar acentuadamente caso pudessem vender sua mão-de-obra a um preço abaixo
do mínimo estipulado por políticos.
Daí a importância desta notícia envolvendo taxistas
e motoristas da Uber. Em uma daquelas impagáveis "jogadas do destino", a
realidade não apenas fez o favor de tornar cristalina toda esta teoria, como
ainda comprovou algo que os historiadores econômicos sempre demonstraram: sem
nenhum exagero, quem defende a imposição de um salário mínimo alto odeia seu
semelhante.
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Nota do Editor
Este artigo foi originalmente publicado em dezembro de 2018. Em julho de 2019, as corridas de Uber e Lyft na cidade já haviam desabado em decorrência deste aumento dos custos, que provocaram um forte aumento das tarifas. Exatamente como queriam os taxistas. Nada mais do que a teoria econômica na prática.
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