segunda-feira, 21 jun 2010
N. do T.: A crise financeira que engolfou os países da Europa, e
que
vem obrigando seus governos a cortar gastos, aparentemente excitou os
inúmeros
comentaristas keynesianos que infestam os jornais mundiais. O "senso
comum" é que cortes nos gastos do
governo representam justamente aquilo que não deve ser feito de maneira
alguma em
momentos de recessão. A justificativa prática
contra o equilíbrio orçamentário a que recorrem é famosa: em 1937, ainda
durante a Grande Depressão americana, o governo Roosevelt havia
concordado em
reduzir o déficit do governo americano. Como consequência, dizem eles, a
economia
apresentou uma contração e o desemprego subiu de 14 para 19%.
O presente artigo, além de fazer um vigoroso e completo
relato das políticas destrutivas adotadas durante a Grande Depressão —
políticas
essas que serviram apenas para prolongar por uma década uma recessão que
poderia ter sido resolvida em dois anos —, mostra por que a redução do
déficit
governamental durante apenas um ano não pode ser responsabilizada pelo
agravamento da recessão: havia outros fatores em jogo, outras políticas
intervencionistas
que foram implantadas e que ajudaram a agravar o cenário econômico —
muitas
das quais seguem sendo advogadas até hoje.
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Embora a Grande Depressão tenha engolido o mundo há muitos anos, ela
ainda permanece viva como um pesadelo na memória dos indivíduos velhos o
bastante para se lembrar dela e como um espectro assustador nos livros-texto da
atual juventude.
Treze milhões de americanos - 25% da força de trabalho - ficaram
desempregados, "não desejados" no processo de produção. Um em cada quatro trabalhadores vagueava
pelas ruas, na penúria e no desespero.
Milhares de bancos, centenas de milhares de empreendimentos e milhões de
agricultores foram à falência ou encerraram suas operações definitivamente.
Praticamente todas as pessoas sofreram dolorosas perdas de renda e
riqueza.
Até hoje muitos ainda acreditam que a Grande Depressão refletiu o colapso
de uma velha ordem econômica que se baseava em mercados desimpedidos,
concorrência desenfreada, especulação, direitos de propriedade e a simples
busca pelo lucro. De acordo com eles, a
Grande Depressão comprovou a inevitabilidade de uma nova ordem baseada na
intervenção estatal, nos controles burocrático e político, nos direitos humanos
e no assistencialismo governamental.
Tais pessoas, sob a influência de Keynes, afirmam que os culpados pelas
depressões são os empreendedores, pois estes se recusam egoisticamente a gastar
dinheiro suficiente para manter ou mesmo melhorar o poder de compra das
pessoas. É por isso que eles advogam
vastos gastos governamentais e, sobretudo, déficits orçamentários - o que
resulta em uma era de inflação monetária e expansão do crédito.
Os economistas clássicos aprenderam uma lição diferente. Em sua visão, a Grande Depressão consistiu em
quatro depressões consecutivas que acabaram formando uma só. As causas de cada fase são distintas, mas as
consequências foram as mesmas: estagnação econômica e desemprego.
Os ciclos
econômicos
A primeira fase foi um período de expansão seguida de recessão, exatamente
como os outros ciclos econômicos que já haviam atormentado a economia americana
nos períodos 1819-1820, 1839-1843, 1857-1860, 1873-1878, 1893-1897 e
1920-1921. Em cada um desses casos, o
governo americano havia provocado uma expansão econômica por meio da expansão
monetária - via sistema bancário de reservas fracionárias - e do crédito
fácil. Essa expansão era rapidamente
seguida da inevitável contração e recessão.
Já o espetacular colapso de 1929 veio depois de cinco anos de uma
temerária expansão creditícia gerada pelo Federal Reserve System (o Banco
Central americano) sob a administração do presidente Calvin Coolidge. Em 1924, após uma acentuada queda na
atividade econômica, os bancos americanos que pertenciam ao sistema da Reserva
Federal [daí o nome em inglês de Federal
Reserve System; são bancos sob controle direto do Fed] criaram
repentinamente US$500 milhões em crédito novo, o que, por meio das reservas
fracionárias, levou a uma expansão creditícia total de mais US$ 4 bilhões em
menos de um ano.
Embora os efeitos imediatos dessa nova e poderosa expansão do dinheiro e
do crédito tivessem sido aparentemente benéficos, iniciando um novo período de
expansão econômica e ofuscando o declínio de 1924, o resultado final foi
desastroso. Foi o início de uma política
monetária que levou ao crash da bolsa de valores em 1929 e à consequente
depressão. Com efeito, a expansão
creditícia comandada pelo Fed em 1924 constituiu aquilo que Benjamin Anderson
em seu grande tratado sobre a recente história econômica (Economics and the
Public Welfare, D. Van Nostrand, 1949) chamou de "o início do New Deal".
Essa expansão creditícia do Fed iniciada em 1924 tinha também a intenção
de auxiliar o Bank of England em seu declarado desejo de manter a taxa cambial
da libra no mesmo nível em que estava antes da Primeira Guerra Mundial. O forte dólar americano e a fraca libra
esterlina deveriam ser reajustados às condições pré-guerra por meio de uma
política de inflação nos EUA e de deflação na Grã-Bretanha.
Em 1927, o Fed incorreu em mais um surto inflacionário, cujo resultado foi
fazer com que o total de dinheiro fora dos bancos mais os depósitos à vista e a
prazo aumentassem de $44,51 bilhões, no final de junho de 1924, para $55,17
bilhões em 1929. O volume das hipotecas
agrícolas e urbanas expandiu de $16,8 bilhões em 1921 para $27,1 bilhões em
1929. Aumentos similares ocorreram no
endividamento industrial, financeiro e dos governos municipais e
estaduais. Essa expansão do dinheiro e
do crédito foi acompanhada de um aumento veloz nos preços das ações e dos
imóveis. Os preços dos títulos emitidos
por indústrias, de acordo com o índice da Standard & Poor's, aumentou de
59,4 em junho de 1922 para 195,2 em setembro de 1929. As ações das empresas ferroviárias aumentaram
de 189,2 para 446,0, ao passo as empresas de utilidade pública subiram de 82
para 375,1.
Uma série de
sinais falsos
A maciça expansão monetária e creditícia praticada pelo governo Coolidge
fez com que a crise de 1929 fosse inevitável.
A inflação monetária e a expansão do crédito sempre provocam na economia
desajustes e maus investimentos que, mais tarde, inevitavelmente terão de ser
liquidados. A expansão monetária reduz
artificialmente - isto é, falsifica - as taxas de juros, enviando sinais
equivocados aos empreendedores em relação a como e em que eles devem
investir. Na crença de que taxas de
juros em queda representam um aumento na oferta de capital poupado - algo que
só acontece num mercado genuinamente livre, isto é, sem manipulações dos juros
por alguma autoridade monetária -, os empreendedores embarcam em novos projetos
de produção. A criação de dinheiro
origina uma expansão econômica. Ela faz
com que os preços subam, principalmente os preços dos bens de capital
utilizados para a expansão dos empreendimentos.
Mas esses preços constituem custos empresariais. Eles vão continuar subindo até o momento em
que os empreendimentos deixarem de ser lucrativos. Nesse ponto começa o declínio. A fim de prolongar a expansão econômica, as
autoridades monetárias podem continuar injetando dinheiro novo no sistema
econômico. Porém, haverá um momento em
que, assustadas com as perspectivas de um surto inflacionário, essa injeção
será ou interrompida ou reduzida. Com
isso, os juros subirão. E a expansão
econômica que foi sustentada pela areia movediça da inflação chega a um fim
repentino.
A recessão que se segue é um período de reparação e reajuste. Os preços e os custos se reajustam às
escolhas e preferências dos consumidores.
E, principalmente, as taxas de juros se reajustam de modo a refletirem
novamente a real oferta e demanda de poupança genuína. Os investimentos feitos na esteira da
expansão econômica artificial, e que por isso acabam se revelando errôneos e
mal concebidos, são abandonados ou sofrem uma redução no valor contábil de seus
ativos. Os custos empresariais,
principalmente os custos trabalhistas, são reduzidos por meio de uma maior
produtividade da mão-de-obra e de uma maior eficiência administrativa. Isso vai ocorrer até que os empreendimentos voltem
a ser lucrativamente geridos, os investimentos em capital voltem a dar retorno
e a economia de mercado volte a funcionar harmoniosamente.
Após uma tentativa de estabilização abortada no primeiro semestre de 1928,
o Fed finalmente abandonou sua política de credito fácil no início de
1929. Ele começou a vender títulos do
governo em volume maior do que comprava, e com isso interrompeu a expansão do
crédito bancário. A taxa de redesconto
foi aumentada para 6% em agosto de 1929. Os títulos comerciais seguiram a tendência e
também subiram para 6%. Já os
empréstimos resgatáveis a qualquer momento tiveram sua devolução imediata
exigida pelos bancos, a uma taxa de 15 a 20% superior à média de até
então. A economia americana estava
começando a se reajustar. Em junho de
1929, a atividade econômica começou a recuar.
Os preços das commodities começaram sua retração em julho.
O mercado de títulos privados atingiu seu pico em 19 de setembro, e então,
sob a pressão das vendas maciças, começou a declinar lentamente. Entretanto, durante mais cinco semanas, o
público seguiu comprando pesadamente à medida que os preços continuavam
caindo. Mais de 100 milhões de ações
foram comercializadas na Bolsa de Valores de Nova York em setembro. Finalmente foi ficando
claro para um número cada vez maior de acionistas que a tendência havia de fato
mudado. Começando em 24 de outubro de
1929, milhares correram para vender seus papeis imediatamente e a qualquer
preço. As avalanches de vendas
realizadas pelo público inundaram o registrador de cotações da Bolsa. Os preços desabaram espetacularmente.
Liquidação e
ajuste
O colapso da bolsa de valores sinalizou o início de um processo de
reajuste que já era para ter se iniciado há mais tempo. Deveria ter sido um processo de liquidação e
ajuste ordeiro, seguido por uma recuperação normal. Afinal, a estrutura financeira das empresas
era muito forte. Os custos fixos eram
baixos, uma vez que as empresas já haviam restituído a maior parte do dinheiro
adquirido por meio da venda de títulos e haviam utilizado o dinheiro da venda
de ações para reduzir suas dívidas junto aos bancos. Nos meses seguintes, as receitas da maioria
das empresas estavam razoavelmente robustas.
O desemprego em 1930 apresentou uma média menor que 4 milhões de pessoas,
ou 7,8% da força de trabalho.
Na terminologia moderna, a economia americana de 1930 havia entrado em uma
suave recessão. Na ausência de novas
causas para a depressão, o ano seguinte já deveria ter trazido uma recuperação,
assim como houve nas depressões anteriores.
Na depressão de
1921-1922, por exemplo, a economia americana recuperou-se totalmente em
menos de um ano. O que, então,
precipitou o abismal colapso após 1929?
O que impediu os ajustes de preços e custos e, consequentemente, levou à
segunda fase da Grande Depressão?
Desintegração
da economia mundial
O governo Hoover, empossado em 1929, se opôs a qualquer reajuste via
mercado. Sob a influência da "nova
economia", que preconizava o planejamento central, o presidente incitou
empresários a não cortar seus preços
e a não reduzir salários. Particularmente, Hoover estipulou que eles
aumentassem as despesas com capital, aumentassem os salários e intensificassem
todos os outros gastos, tudo sob a crença de que isso estaria mantendo o poder
de compra.
Não fosse o suficiente, Hoover embarcou em uma política de déficits
orçamentários e apelou aos governos locais para que estes se endividassem mais
e gastassem seus empréstimos em mais obras públicas. Por meio da Comissão da Agricultura, que
Hoover havia organizado no segundo semestre de 1929, o governo federal tentou
incansavelmente sustentar os preços do trigo, do algodão e de outros produtos
agrícolas. A tradição do velho Partido
Republicano, que defendia a restrição de importações, foi invocada com afinco.
A tarifa Smoot-Hawley, aprovada em junho de 1930, elevou as tarifas de
importação a níveis sem precedentes, o que praticamente fechou as fronteiras
dos EUA para os produtos estrangeiros.
De acordo com a maioria dos historiadores econômicos, esta foi a loucura
suprema de todo o período que vai de 1920 a 1933, e início da real
depressão. "Assim que aumentamos nossas
tarifas", escreveu Benjamin Anderson,
Iniciou-se uma irrefreável marcha ao redor do mundo para se elevar tarifas
e erigir outras barreiras comerciais, incluindo-se aí as quotas. O protecionismo irrompeu-se
descontroladamente por todo o mundo. Os
mercados foram interrompidos. As linhas
de comércio foram restringidas. O
desemprego nas indústrias exportadoras de todo o mundo cresceu
celeremente. Os preços dos produtos
agrícolas nos EUA haviam caído acentuadamente durante o ano de 1930, porém a
mais rápida taxa de declínio veio após a aprovação da tarifa.
Quando o presidente Hoover anunciou que ele aprovaria o projeto de lei da
tarifa, as ações industriais despencaram 20 pontos em um dia. O mercado de ações corretamente pressentiu a
depressão.
Os protecionistas jamais aprenderam que a restrição de importações
inevitavelmente gera uma obstrução das exportações. Mesmo que os países estrangeiros não retaliem
imediatamente essa restrição às suas exportações, as importações desses países
são limitadas pela sua capacidade de vender produtos no exterior. Se um país não consegue exportar, ele não vai
conseguir divisas para fazer suas importações.
Logo, um país que restringe suas importações está fadado a não conseguir
exportar também.
É por isso que a tarifa Smoot-Hawley, que fechou a fronteira americana
para os produtos de fora, também levou a um fechamento dos mercados externos
para os produtos americanos. As
exportações americanas caíram de $5,5 bilhões em 1929 para $1,7 bilhão em
1932. A agricultura americana
habitualmente exportava mais de 20% de seu trigo, 55% de seu algodão, 40% de
seu tabaco e de sua banha de porco, e vários outros produtos. Quando o comércio internacional foi
interrompido, a agricultura americana desmoronou. Na realidade, as crescentes e rápidas
restrições comerciais, incluindo tarifas, quotas, controles cambiais e outros
artifícios, estavam gerando uma depressão mundial.
Os preços das commodities agrícolas, que antes da crise estavam bem acima
do nível 1926, despencaram para uma mínima de 47 já em meados de 1932. Os novos preços, tais como $2,50 por cem
libras de porco de engorda, $3,28 para gado de corte e 32¢ para um alqueire de
trigo levaram centenas de milhares de agricultares a falência. Hipotecas agrícolas foram executadas até que
vários estados aprovaram leis de moratória, fazendo com que a falência fosse
transferida para inúmeros credores.
Bancos rurais
em apuros
Os principais credores dos agricultores americanos eram, obviamente, os
bancos rurais. Quando a agricultura
entrou em colapso, os bancos fecharam suas portas. Algo como 2.000 bancos, com depósitos que
totalizavam mais de $1.5 bilhão, suspenderam suas operações entre agosto de
1931 e fevereiro de 1932. Os bancos que
permaneceram abertos foram obrigados a restringir suas operações
acentuadamente. Eles liquidaram os
empréstimos contraídos via venda de títulos, encurtaram os empréstimos
imobiliários, pressionaram pelo pagamento de empréstimos antigos e se recusaram
a conceder novos. Finalmente, eles
tiveram de vender seus títulos mais comercializáveis, jogando-os em um mercado
já deprimido. O pânico que engoliu a
agricultura americana também tragou o sistema bancário e seus milhões de
clientes.
A crise bancária americana foi agravada por uma série de eventos
envolvendo a Europa. Quando a economia
mundial começou a se desintegrar e o nacionalismo tornou-se desenfreado, os
países europeus devedores repentinamente se viram em uma precária
situação. Com isso eles começaram a dar
calote. A Áustria e a Alemanha
cancelaram seus pagamentos externos e congelaram enormes quantias de crédito
recebido dos ingleses e dos americanos; quando a Inglaterra finalmente
suspendeu os pagamentos em ouro em setembro de 1931, a crise se espalhou para
os EUA. A queda nos valores dos títulos
estrangeiros desencadeou um colapso no mercado geral de títulos, o que atingiu
os bancos americanos em seu ponto mais fraco - suas carteiras de investimentos.
A Depressão
expandida
O ano de 1931 foi trágico. Não apenas
os EUA, mas todo o mundo caiu no cataclisma do desespero e da depressão. O desemprego americano pulou para mais de 8
milhões e continuou subindo. A
administração Hoover, rejeitando sumariamente a ideia de que ela havia causado
o desastre, trabalhou diligentemente para colocar a culpa nos especuladores e
nos empresários americanos. O presidente
Hoover convocou todos os líderes industriais do país e os incitou a adotar seu
programa de manter os salários artificialmente altos e expandir os programas de
construção. Ele enviou um telegrama para
todos os governadores, solicitando urgência na expansão cooperativa de todos os
programas de obras públicas. Ele
expandiu as obras públicas federais e concedeu subsídios para a construção de
navios. E para beneficiar os
agricultores em destituição, várias agências federais adotaram políticas de
estabilização de preços que geraram safras e excedentes cada vez maiores, o que
acabou por depreciar ainda mais os preços dos produtos agrícolas. As condições econômicas mudaram de ruins para
péssimas, e o desemprego em 1932 atingiu uma média de 12,4 milhões de pessoas.
Nesse momento sombrio da penúria e do sofrimento humano, o governo federal
americano deu o golpe final. O Revenue
Act [Decreto da Receita] de 1932
duplicou o imposto de renda, se transformando no mais agudo aumento da carga
tributária federal na história dos EUA.
As isenções foram diminuídas e os créditos tributários restituíveis
foram eliminados. As alíquotas de
impostos comuns foram aumentadas, saindo de uma faixa que variava de 1,5 a 5%
para uma faixa que variava de 4 a 8%. Já
as sobretaxas pularam de 20% para um máximo de 55%. O imposto de renda corporativo pulou de 12% para
13,75% e 14,5%. Os impostos sobre a
propriedade foram elevados. Impostos
sobre a doação de bens foram criados, com alíquotas que variavam de 0,75% a
33,5%. Uma taxa de 10% sobre a gasolina
foi imposta, mais outra taxa de 3% sobre automóveis, e mais taxas sobre telefones
e telégrafos, um taxa de 2¢ sobre o cheque, e várias outros impostos sobre o
consumo. E, por fim, o governo elevou as
tarifas postais substancialmente.
Quando os governos estaduais e locais se depararam com uma forte queda em
suas receitas, eles também recorreram ao exemplo do governo federal e impuseram
novos tributos. As alíquotas dos
impostos já existentes sobre a renda e as empresas foram aumentadas, e novos
tributos foram criados sobre a renda comercial, a propriedade, as vendas, o
tabaco, as bebidas e outros produtos.
Murray Rothbard, em seu impositivo trabalho America's Great Depression,
estima que a carga fiscal imposta pelos governos federal, estaduais e locais
praticamente dobrou durante o período, saindo de 16% do produto privado líquido
para 29%. Esse golpe, sozinho, seria
capaz de colocar qualquer economia de joelhos, e estilhaçar a ignorante
alegação de que a Grande Depressão foi uma consequência da liberdade econômica.
O New Deal da
NRA e do AAA
Um dos grandes atributos do sistema de mercado baseado na propriedade
privada é sua inerente capacidade de superar praticamente qualquer
obstáculo. Por meio de reajustes nos
preços e nos custos, por meio da eficiência administrativa e da produtividade
da mão-de-obra, e por meio de mais poupança e investimentos, a economia de
mercado tende a readquirir seu equilíbrio e retomar seus serviços aos
consumidores. Sem dúvidas ela teria se
recuperado rapidamente das intervenções de Hoover caso não ocorressem novas
intromissões estatais.
Entretanto, quando Franklin Delano Roosevelt assumiu a presidência, ele
também lutou contra a economia durante todo o seu mandato. Em seus primeiros 100 dias, ele golpeou
pesadamente a ordem de mercado. Ao invés
de remover as barreiras à prosperidade erigidas por seus predecessores, ele
construiu outras novas por conta própria.
Ele atacou de todas as formas imagináveis a integridade do dólar
americano, aumentando sua quantidade e deteriorando sua qualidade. Ele confiscou o ouro em posse dos cidadãos e
subsequentemente desvalorizou o dólar em 40%.
Com quase um terço dos trabalhadores industriais desempregados, o
presidente Roosevelt se aventurou em radical reorganização industrial. Ele persuadiu o Congresso a aprovar o
National Industrial Recovery Act (NIRA) [Decreto
da Recuperação Industrial Nacional], que criou a National Recovery
Administration (NRA) [Administração da
Recuperação Nacional]. Seu propósito
era fazer com que as empresas fizessem um conluio entre si, incentivando a
cartelização da economia e criando tabelas de preços, salários, horas e
condições de trabalho. O Acordo de
Re-Emprego implementava um salário mínimo de 40¢ a hora ($12 a $15 por semana
em comunidades menores), uma jornada semanal de 35 horas para os trabalhadores
industriais e de 40 horas para os trabalhadores em funções administrativas, e a
proibição de todo o trabalho adolescente.
Essa foi uma tentativa ingênua de "aumentar o poder de compra" via aumento
das folhas de pagamentos. Porém, o
imenso aumento nos custos empresariais gerado pelas menores horas de trabalho e
maiores salários funcionou não surpreendentemente como uma medida antirrecuperação. Após a aprovação do decreto, o desemprego
subiu para quase 13 milhões. Os estados
do sul dos EUA, em especial, sofreram severamente com as novas cláusulas do
salário-mínimo. O decreto empurrou
500.000 negros para o desemprego.
Tampouco o presidente Roosevelt ignorou o desastre que havia se abatido
sobre a agricultura americana. Ele
atacou o problema aprovando o Farm Relief and Inflation Act [Decreto da Inflação e Alívio Agrícola],
popularmente conhecido como o First Agricultural Adjustment Act (AAA) [Primeiro Decreto de Ajuste da Agricultura]. O objetivo era aumentar a renda agrícola por
meio de uma redução da área plantada ou da destruição de safras, pagando aos
agricultores para não plantarem nada,
e da organização de acordos de mercado para melhorar a distribuição. O programa rapidamente passou a cobrir não
somente o algodão, mas também toda a produção de cereais e carne, bem como
todos os principais cultivos comerciais.
As despesas do programa deveriam ser cobertas por um novo "imposto sobre
o processamento de produtos", incidente sobre um já deprimido setor industrial.
As tabelas de preços implantadas pela NRA e os impostos sobre o
processamento de produtos implantados pelo AAA apareceram em julho e agosto de
1933. Novamente, a produção econômica,
que havia conseguido respirar brevemente antes dessa imposição, voltou a se
retrair fortemente. Segundo dados do
Fed, a produção despencou de 100, em julho, para 72, em novembro de 1933.
As gastanças
Quando os planejadores econômicos viram seus planos dando errado, eles
simplesmente receitaram doses adicionais de gastos governamentais. Em seu discurso sobre o orçamento do governo,
em janeiro de 1934, Roosevelt prometeu gastos de $10 bilhões, sendo que as
receitas esperadas eram de $3 bilhões.
Entretanto, a recessão seguiu incólume; o índice que mede as condições
financeiras subiu para 86 em maio de 1934, mas voltou a cair para 71 já em setembro. Ademais, o programa de
gastos provocou um pânico no mercado de títulos, o que gerou ainda mais dúvidas
sobre o sistema monetário e bancário dos EUA.
A legislação orçamentária de 1933 aumentou acentuadamente as alíquotas
mais altas do imposto de renda e impôs uma taxa de 5% sobre os dividendos
corporativos. Os impostos voltaram a
subir em 1934. Os impostos federais
sobre propriedade foram elevados ao mais alto nível do mundo. Em 1935, os impostos federais de renda e da
propriedade aumentaram mais uma vez, não obstante a receita adicional tivesse
sido insignificante. As alíquotas
claramente visavam a redistribuição de riqueza.
De acordo com
Benjamin Anderson,
O impacto de
todas essas numerosas medidas - industriais, agrícolas, financeiras, monetárias
e outras - sobre uma desnorteada comunidade industrial e financeira foi
extraordinariamente pesado. É preciso
também acrescentar o efeito das contínuas e inquietantes declarações feitas
pelo presidente. Ele repreendeu
violentamente os banqueiros em seu discurso inaugural. Ele fez uma comparação caluniosa entre os
banqueiros britânicos e americanos em um discurso em meados de 1934. . . Que a iniciativa privada tenha sobrevivido e
se recuperado em meio a tamanha desordem é uma demonstração assombrosa de sua
vitalidade.
E então o alívio veio
de cantos inesperados. Os "nove velhos"
da Suprema Corte, por decisão unânime, declaram ilegais a NRA em 1935 e o AAA
em 1936. A Corte afirmou que o poder
legislativo federal havia sido inconstitucionalmente delegado e os direitos dos
estados, violados.
Essas duas decisões
removeram alguns obstáculos medonhos sob os quais a economia estava
labutando. A NRA, em particular, era um
pesadelo, com suas regras e regulamentações em contínuas mudanças, sob o
comando de um exército de burocratas estatais.
Acima de tudo, a anulação do decreto levou a uma imediata redução dos
custos da mão-de-obra e a um aumento da produtividade, uma vez que permitiu que
o mercado de trabalho se ajustasse. A
morte do AAA reduziu a carga tributária da agricultura e interrompeu a chocante
destruição das safras agrícolas. O
desemprego começou a declinar. Em 1935
ele caiu para 9,5 milhões, ou 18,4% da força de trabalho, e em 1936 caiu para
apenas 7,6 milhões, ou 14,5%.
Um New Deal para a mão-de-obra
A terceira fase da
Grande Depressão estava, assim, se aproximando do fim. Mas houve pouco tempo para festejos, pois o
cenário estava sendo preparado para outro colapso em 1937 e, com ele, uma
prolongada depressão que duraria até o dia do ataque japonês a Pearl
Harbor. Mais de 10 milhões de americanos
ficaram desempregados em 1938, em mais de 9 milhões em 1939.
O alívio concedido
pela Suprema Corte foi meramente temporário.
Os planejadores de Washington eram incapazes de deixar a economia a sós;
eles precisavam ganhar o apoio das organizações sindicais, algo vital para a
reeleição em 1936.
O Wagner Act, de 5
julho de 1935, angariou a gratidão eterna dos sindicatos. Essa lei revolucionou as relações
trabalhistas americanas. Ela retirou as
disputas trabalhistas da alçada dos tribunais e as levou para uma
recém-inaugurada agência federal, o National Labor Relations Board [Conselho Nacional das Relações Trabalhistas],
o qual se tornou o promotor, o juiz e o júri - ao mesmo tempo. Aqueles membros do Conselho que eram
simpatizantes dos sindicatos conseguiram corromper ainda mais uma lei que já
garantia imunidades legais e privilégios para os sindicatos. A partir daí os EUA abandonaram uma grande
conquista de civilização ocidental: igualdade perante a lei.
O Wagner Act, também
conhecido como Decreto Nacional das Relações Trabalhistas, foi aprovado em
reação à invalidação da NRA e seus códigos trabalhistas. Ele visava esmagar toda e qualquer
resistência patronal aos sindicatos.
Tudo o que um empregador pudesse fazer em defesa própria tornou-se
"prática trabalhista desleal", punível pelo Conselho. Não apenas a lei obrigava os empregadores a
lidar e a barganhar com os sindicatos escolhidos para ser representantes dos
empregados, como também decisões posteriores do Conselho tornaram ilegal
resistir às exigências dos líderes sindicais.
Após as eleições de
1936, os sindicatos começaram a fazer amplo uso de seus novos poderes. Por meio de ameaças, boicotes, greves,
confisco de instalações e violência aberta cometida sob inviolabilidade
jurídica, eles coagiram milhões de trabalhadores a se tornarem membros. Consequentemente, a produtividade da
mão-de-obra declinou e os salários foram forçados para cima. Os distúrbios e os conflitos trabalhistas
aumentaram freneticamente. Greves
maciças deixaram centenas de fábricas inoperantes. Nos meses seguintes, a atividade econômica
começou a declinar e o desemprego novamente subiu para acima do marco de 10
milhões.
Mas o Wagner Act não
foi a única fonte da crise em 1937. Caso
tivesse logrado êxito a surpreendente tentativa do presidente Roosevelt de
aparelhar a Suprema Corte, tal feito teria subordinado o judiciário ao
executivo. No Congresso, os poderes do
presidente eram incontestados. Uma forte
maioria democrata na Câmara e no Senado, perplexa e assustada com a Grande
Depressão, cegamente seguia seu líder.
Mas quando o presidente aspirou a assumir o controle do judiciário, a
nação americana se uniu contra ele, e ele perdeu sua primeira batalha política
nos corredores do Congresso.
Também houve sua
tentativa de controlar a bolsa de valores por meio de um número crescente de
regulamentações e investigações pela Securities and Exchange Commission (SEC) [a CVM americana]. O insider
trading [o "crime" da informação
privilegiada] foi proibido, a margem requerida para os contratos de futuros
foi aumentada e tornada mais inflexível, e as vendas a descoberto foram
restringidas, em grande parte para impedir a repetição do crash de 1929. Contudo, o mercado caiu aproximadamente 50%
entre agosto de 1937 e março de 1938. A
economia americana novamente foi submetida a uma punição respeitável.
Outros impostos e controles
Entretanto outros
fatores contribuíram para esse novo e, até hoje, mais rápido colapso econômico
na história dos EUA. O Imposto sobre
Lucros Não Distribuídos, criado em 1936, foi um golpe pesado sobre os lucros
retidos para uso nas empresas. Não
contente em destruir a riqueza dos ricos por meio de uma tributação
confiscatória da renda e da propriedade, o governo obrigou as empresas a
distribuírem sua poupança corporativa como dividendos passíveis de altas
alíquotas tributárias. Embora a alíquota
máxima imposta sobre os lucros não distribuídos tenha sido de "apenas" 27%,
esse novo tributo obteve êxito em fazer com que a poupança corporativa, que
normalmente seria utilizada no emprego e na produção, fosse utilizada para
pagar dividendos.
Em meio a essa nova
estagnação e desemprego, o presidente e o Congresso adotaram mais uma perigosa
legislação do New Deal: o Decreto dos Salários e das Horas - ou Decreto das
Práticas Justas de Trabalho - em 1938. A
lei aumentou o salário mínimo e reduziu a jornada semanal de trabalho em
etapas: para 44, 42 e finalmente 40 horas.
A lei impôs também um adicional de 50% para todo o trabalho acima das 40
horas semanais e regulou outras condições trabalhistas. Novamente, o governo federal, agindo dessa
forma, reduziu a produtividade da mão-de-obra e aumentou os custos trabalhistas
- medidas férteis para mais depressão e desemprego.
Por todo esse
período, o governo federal, através do seu braço monetário, o Fed, esforçou-se
para reflacionar a economia. A expansão
monetária ocorrida entre 1934 e 1941 atingiu proporções estonteantes. O ouro monetário da Europa, fugindo das
nuvens negras das reviravoltas políticas daquele continente, buscou refúgio nos
EUA, impulsionando as reservas bancárias americanas a níveis inauditos. As reservas subiram de $2,9 bilhões em
janeiro de 1934 para $14,4 bilhões em janeiro de 1941. E com esse aumento das reservas, as taxas de
juros declinaram para níveis fantasticamente baixos. Os títulos comerciais frequentemente rendiam
menos de 1%, e os aceites bancários estavam entre 0,125% e 0,25%. As Letras do Tesouro caíram para 0,1% e os
Bônus do Tesouro, para 2%. Os
empréstimos resgatáveis a qualquer momento estavam fixados em 1% e os
empréstimos para os clientes prime
estavam em 1,5%. O mercado financeiro
estava inundado e as taxas de juros dificilmente poderiam diminuir.
As causas enraizadas
A economia americana
simplesmente não podia se recuperar desses furiosos e sucessivos ataques
promovidos primeiramente pelos republicanos e depois pelos democratas. A iniciativa privada, a mola mestra da
criação de riqueza e renda, não teve a menor chance.
A calamidade da
Grande Depressão finalmente deu passagem para o holocausto da Segunda Guerra
Mundial. Quando mais de 10 milhões de
homens saudáveis e capacitados foram recrutados para as forças armadas, o
desemprego deixou de ser um problema econômico.
E quando o poder de compra do dólar havia caído à metade em decorrência
de enormes déficits orçamentários e inflação monetária, as empresas americanas
ainda assim conseguiram se ajustar aos opressivos custos dos "New Deals" da
dupla Hoover-Roosevelt. A radical
inflação na realidade acabou por reduzir os custos reais da mão-de-obra,
gerando assim novos empregos no período pós-guerra.
Nada seria mais
insensato do que selecionar apenas alguns homens como os responsáveis por esses
perniciosos anos e condená-los por todo o mal causado. As raízes supremas da Grande Depressão
estavam nos corações e mentes do povo americano. É verdade que eles detestaram os dolorosos
sintomas do grande dilema. Mas a grande
maioria apoiou e votou nas políticas que tornaram o desastre inevitável:
inflação e expansão do crédito, tarifas protecionistas, leis trabalhistas que
aumentavam salários e leis agrícolas que aumentavam preços, impostos crescentes
sobre os ricos e a redistribuição de sua riqueza. As sementes da Grande Depressão foram
plantadas pelos intelectuais e professores da década de 1920 e, mais cedo,
quando as ideologias socioeconômicas hostis à tradicional ordem da propriedade
privada e da livre iniciativa, tão caras aos americanos, conquistaram suas
faculdades e universidades. Os
professores daqueles anos foram tão culpados pela tragédia quanto os líderes
políticos da década de 1930.
O declínio econômico
e social sempre é facilitado pela decadência moral. Certamente a Grande Depressão seria
inimaginável sem o crescimento do rancor e da inveja em relação às grandes
riquezas e rendas individuais, e do desejo crescente por favores e
assistencialismos estatais. Seria
inimaginável sem o fatídico declínio da independência individual e da
autoconfiança.
Pode acontecer de
novo? As inexoráveis leis econômicas
garantem que irá acontecer novamente sempre que forem repetidos os apavorantes
erros que geraram a Grande Depressão.
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Leia também:
O New Deal ridicularizado (novamente)
Como Franklin Roosevelt piorou a Depressão