N. do T.: o artigo a seguir é original de agosto de
1963.
Da maneira como a
popular filosofia do homem comum vê o mundo, a riqueza e o bem-estar humano são
produtos da cooperação entre dois fatores primordiais: a natureza e o trabalho
humano. Todas as coisas que permitem ao
homem viver e desfrutar a vida são fornecidas ou pela natureza ou pelo trabalho
ou por uma combinação entre o trabalho humano e as oportunidades dadas pela natureza. Como a natureza distribui seus bens
gratuitamente, conclui-se - sempre de acordo com esse raciocínio - que todos os
frutos finais da produção, os bens de consumo, devem ser repartidos
exclusivamente entre os trabalhadores cujo labor os criou.
Mas infelizmente,
neste mundo pecaminoso, as condições são outras. Aqui, a classe "predatória" dos
"exploradores" quer colher os frutos mesmo sem tê-los semeado. Os proprietários de terra, os capitalistas e
os empreendedores se apropriam daquilo que, por direito, pertence aos
trabalhadores que o produziram. Todos os
malefícios do mundo são o efeito inevitável desse pecado original.
Tais são as ideias
que dominam o pensamento da maioria de nossos contemporâneos. Os socialistas e os sindicalistas concluem que,
no intuito de tornar as relações humanas mais satisfatórias, é necessário
eliminar inteiramente todos aqueles que são por eles classificados como "barões
ladrões" - isto é, os empreendedores, os capitalistas e os proprietários de
terra. A conduta de todas as relações de
produção deve ser entregue ao aparato social de compulsão e coerção - isto é,
ao estado (que na terminologia marxista é chamado de Sociedade) - ou aos homens
empregados nas indústrias e nos ramos individuais de produção.
Já outras pessoas são
mais ponderadas em seu ardor reformista.
Elas não tencionam expropriar inteiramente aqueles a quem chamam de
"classe ociosa". Elas querem confiscar-lhes
apenas o necessário para promover "mais igualdade" na "distribuição" de riqueza
e renda.
Mas ambos os grupos,
tanto os socialistas radicais quanto os reformistas mais cautelosos, concordam
quanto à doutrina básica: lucro e juros são rendas "imerecidas" e, portanto,
moralmente repreensíveis. Ambos os
grupos concordam que o lucro e os juros são a causa da miséria da esmagadora maioria
dos trabalhadores honestos e suas famílias, e que, em uma sociedade decente e
satisfatoriamente organizada, lucro e juros devem ser severamente reprimidos,
quando não completamente abolidos.
Entretanto, toda essa
interpretação das condições humanas é falaciosa. As políticas produzidas por ela são
perniciosas não importa por qual ponto de vista as julguemos. A civilização ocidental está condenada caso
não tenhamos êxito em substituir rapidamente por métodos racionais os atuais e desastrosos
métodos de lidar com problemas econômicos.
Três fatores de produção
O trabalho puro e
simples - isto é, o esforço não guiado por um plano racional e não auxiliado
pelo emprego de ferramentas e produtos intermediários - produz muito pouco para
a melhora da condição do trabalhador.
Tal tipo de trabalho não é um recurso especificamente humano. Ele representa aquilo que o homem tem em
comum com todos os outros animais. É o
equivalente a agir instintivamente e utilizar as próprias mãos para coletar
qualquer coisa comestível e potável que possa ser encontrada e apossada.
O esforço físico torna-se um
fator de produção humana apenas quando é guiado pela razão e direcionado a um
fim definido, utilizando nessa empreitada ferramentas e produtos intermediários
previamente produzidos. A mente - a
razão - é o mais importante equipamento do homem. Na esfera humana, o trabalho é apenas um item dentre uma combinação que
envolve recursos naturais, bens de capital e trabalho; todos esses três fatores
são empregados - de acordo com um determinado plano delineado pela razão -
visando à realização de um fim escolhido.
O trabalho, no sentido no qual este termo é utilizado em se tratando de
relações humanas, é somente um dentre vários fatores de produção.
O entendimento desse
fato desmonta inteiramente todas as teses e alegações da popular doutrina da
exploração. Aqueles que poupam - e que
portanto acumulam bens de capital - e aqueles que se abstêm de consumir os bens
de capital previamente acumulados contribuem para o resultado do processo de
produção. Igualmente indispensável no
processo é o papel desempenhado pela mente humana. O julgamento empreendedorial direciona o
labor dos trabalhadores e o emprego dos bens de capital para o objetivo supremo
do processo de produção: a satisfação das necessidades e desejos dos
consumidores.
O que distingue as
atuais condições de vida nos países da civilização ocidental daquelas condições
que prevaleceram durante as décadas anteriores - e que ainda existem para a grande
parte dos cidadãos do resto do mundo - não é o aumento da mão-de-obra ou das
habilidades dos trabalhadores. Tampouco
é a familiaridade com as façanhas da ciência pura e sua utilização pelas
ciências aplicadas, pela tecnologia. O
que distingue as condições de vida entre essas duas épocas é a quantidade de capital acumulado. A questão tem sido intencionalmente
obscurecida pela verbosidade empregada pelas agências governamentais nacionais
e internacionais ao lidarem com aquilo que se convencionou chamar de ajuda
externa aos países subdesenvolvidos. Sim,
esses países pobres precisam adotar métodos de produção em massa que satisfaçam
os desejos de seus cidadãos. Mas como
fazer isso? A questão premente não é adquirir
informações sobre o "como fazer". Afinal,
não há segredo quanto aos métodos tecnológicos.
Estes são ensinados nas escolas técnicas e são acuradamente descritos
nos livros-texto, nos manuais e nos periódicos.
Ademais, há muitos especialistas experientes e disponíveis para a
execução de todo e qualquer projeto que seja viável nesses países
atrasados.
O que impede um país
como a Índia de adotar os métodos industriais americanos é a escassez de sua
oferta de bens de capital. Como as
políticas confiscatórias do governo indiano estão dissuadindo os capitalistas
estrangeiros de investir na Índia, e como seu fanatismo pró-socialismo segue
sabotando a acumulação doméstica de capital, o país depende das esmolas que as
nações ocidentais lhe dão.
Os consumidores determinam a utilização do capital
Os bens de capital
surgem da poupança. Uma parte dos bens
produzidos é poupada - isto é, não é consumida imediatamente - e empregada em
processos cujos produtos estarão prontos apenas em uma data posterior. Toda a civilização material baseia-se nessa
abordagem "capitalista" do processo produtivo.
Os "métodos indiretos
de produção", como Böhm-Bawerk
os chamava, são escolhidos porque geram um maior produto por unidade de
insumo. Os homens primitivos viviam de
mão a boca, tendo apenas o indispensável à sua sobrevivência. Já o homem civilizado produz ferramentas e
produtos intermediários que possibilitam a implantação de projetos de longo
alcance, os quais são capazes de produzir bens que os métodos diretos e menos
demorados jamais poderiam fazer - ou até poderiam, mas à custa de gastos
incomparavelmente maiores com mão-de-obra e fatores materiais.
Aqueles que poupam -
isto é, que consomem menos que a sua parcela dos bens produzidos - inauguram o
progresso em direção à prosperidade geral.
As sementes que eles semearam enriquecem não apenas eles próprios, mas
também todas as outras camadas da sociedade.
Sua poupança beneficia os consumidores.
Os bens de capital são,
para seu proprietário, um fundo morto, um passivo ao invés de um ativo, caso
não sejam utilizados para produzir, da melhor e mais barata maneira possível,
os bens e serviços que os consumidores estão demandando com mais urgência. Na economia de mercado, os proprietários dos
bens de capital são obrigados a empregar sua propriedade como se esta fosse
confiada a eles pelos consumidores sob a estipulação de que eles, os
proprietários, invistam-na naquelas linhas de produção que melhor vai servir
aos consumidores. Os capitalistas são
virtualmente os representantes dos consumidores, incondicionalmente limitados a
satisfazer seus desejos.
A fim de atender as
ordens expedidas pelos consumidores, seus verdadeiros patrões, os capitalistas
têm apenas duas opções: ou eles próprios fazem os investimentos e conduzem os
negócios, ou - caso não estejam preparados para tais atividades
empreendedoriais ou desconfiem de suas próprias habilidades - entregam seus
fundos para homens que considerem melhor capacitados para tal função. Qualquer que seja a alternativa escolhida, a
supremacia dos consumidores permanece intacta.
Não importa qual seja a estrutura financeira da firma ou da companhia, o
empreendedor que opera com o dinheiro de terceiros vai depender do mercado - isto
é, dos consumidores - tanto quanto o empreendedor que é o genuíno proprietário
de sua empresa.
Não há outra maneira
de fazer os salários subirem que não seja por meio do investimento em mais
capital por trabalhador. Mais
investimento em capital significa dar ao trabalhador ferramentas mais eficientes. Com o auxílio de melhores ferramentas e
máquinas, a quantidade dos produtos aumenta e sua qualidade melhora. Assim, o empregador consequentemente estará
em posição de obter dos consumidores um valor maior do que aquele que o
empregado consumiu em uma hora de trabalho.
Somente assim o empregador poderá - e, devido à concorrência com outros
empregadores, será forçado a - pagar maiores salários pelo trabalho do seu
empregado.
Intervenção e desemprego
Da maneira como a
doutrina sindical vê a questão, os aumentos salariais que eles estão obtendo
por meio daquilo que é eufemisticamente chamado de "negociação coletiva" não
devem ser um fardo para os compradores dos produtos; ao contrário, o ônus deve
ser absorvido pelos empregadores. Esses
devem cortar aquilo que, na visão dos comunistas, é chamado de "renda
imerecida", isto é, juros sobre o capital investido e lucros derivados do
sucesso de se atender eficazmente os desejos dos consumidores - desejos estes
que até então permaneciam não atendidos.
Com isso os sindicatos esperam retirar passo a passo toda essa suposta
"renda imerecida" dos bolsos dos capitalistas e empreendedores e transferi-la
para os bolsos dos empregados.
Entretanto, o que
realmente acontece no mercado é algo muito diferente. Quando o bem B estava em seu preço de mercado P, todos aqueles que estavam preparados para pagar P por uma unidade de B poderiam comprar o tanto quanto
quisessem. A quantidade total de B produzida e ofertada para venda era Q.
A quantidade não poderia ser maior do que Q pois, se a quantia ofertada fosse muito grande, o preço, a fim de
equilibrar o mercado, iria cair para baixo de P, logo para P-. Porém, a esse preço de P-, os produtores com os maiores custos de produção iriam ter
prejuízos e seriam forçados a parar de produzir B. Da mesma maneira, esses
produtores marginais irão sofrer prejuízos e serão obrigados a interromper a
produção de B caso o aumento
salarial impingido pelos sindicatos (ou por um salário mínimo decretado pelo
governo) provoque um aumento nos custos de produção que não seja compensado por
um aumento no preço, de P para P+.
Essa consequente restrição da produção irá exigir uma redução da força
de trabalho. O resultado da "vitória" do
sindicato será o desemprego de uma série de trabalhadores.
O resultado será o
mesmo caso os empregadores estejam em posição de repassar o aumento nos custos
de produção totalmente para os consumidores, sem diminuir a quantidade de B produzida e vendida. Se os consumidores estão gastando mais com a
compra de B, então eles terão de
cortar seus gastos em alguma outra mercadoria M. E então a demanda por M irá cair e gerar desemprego para uma
parcela de homens que até então estava produzindo M.
A doutrina sindical
classifica os juros recebidos pelos proprietários do capital investido no
empreendimento como "imerecidos", e conclui que eles deveriam ser inteiramente
abolidos ou consideravelmente reduzidos sem qualquer prejuízo para os
empregados e consumidores. Portanto, o aumento
nos custos de produção causado pelos aumentos salariais poderia, segundo esse
raciocínio, ser sustentado por uma redução do lucro líquido da empresa e por
uma correspondente redução dos dividendos pagos aos acionistas. A mesma ideia está no cerne da alegação
sindical de que todo aumento naquilo que eles chamam de produtividade da
mão-de-obra (isto é, a soma dos preços recebidos pela produção total dividida
pelo número de homens-hora gastos na produção) deveria ser acrescentada aos
salários.
Ambos os métodos
significam confiscar, para o benefício dos empregados, a totalidade - ou pelo
menos uma parte considerável - dos retornos sobre o capital criado pela
poupança dos capitalistas. Mas o que o
induz os capitalistas a se absterem de consumir seu capital e a aumentá-lo por
meio de mais poupança é o fato de que essa contenção é contrabalançada pelos
rendimentos gerados por seus investimentos.
Se os capitalistas forem destituídos desses rendimentos, o único uso que
eles poderão fazer do capital que possuem é consumi-lo. E isso levará a um progressivo empobrecimento
geral.
A única política sensata
O que faz com que os
salários pagos aos trabalhadores americanos sejam superiores àqueles pagos no
resto do mundo é o fato de que o investimento de capital por trabalhador é
maior nos EUA do que em qualquer outro país.
A poupança, a acumulação de capital, criou e preservou até o momento o
alto padrão de vida do trabalhador médio americano.
Todos os métodos
através dos quais o governo federal e os governos estaduais, os partidos
políticos e os sindicatos, estão tentando melhorar as condições daquelas
pessoas que estão ansiosas para ganhar salários não apenas são vãos, como
também são diretamente perniciosos. Há
somente um tipo de política que pode efetivamente beneficiar os empregados: uma
política que se abstenha de pôr quaisquer obstáculos à formação de poupança e à
acumulação de capital.
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Para uma explicação
mais detalhada sobre esse essencial assunto da poupança, veja este artigo