Um indivíduo que ganha mais dinheiro por mês obviamente pode gastar mais com
bens de consumo do que um indivíduo que ganha menos dinheiro por mês. Por exemplo, um homem que ganha $1.000 por
mês pode gastar $1.000 por mês, ao passo que um homem que ganha apenas $900 por
mês pode gastar apenas $900 por mês. (Em
prol da simplicidade, estamos ignorando algumas possibilidades, como o sujeito
se endividar ou usar parte de sua poupança, e estamos assumindo que ambos os
indivíduos querem viver dentro de suas rendas).
Quando há desemprego e economistas pró-livre mercado recomendam com
veemência que haja a liberdade de os salários serem reduzidos - pois isso seria
uma maneira de se eliminar o desemprego -, muitas pessoas pensam no exemplo
dado acima e concluem que essa solução de livre mercado iria apenas piorar as
coisas. Eles, com efeito, raciocinam
que, como agora os trabalhadores que antes recebiam $1.000 passaram a receber
apenas $900, isso vai fazer com que os gastos sejam reduzidos para apenas $900
por mês ao invés de $1.000 por mês, como ocorria anteriormente.
Generalizando esse exemplo para reduções salariais de qualquer amplitude, e
seus consequentes efeitos sobre todo o sistema econômico, as pessoas concluem
que reduções salariais causam reduções no nível geral de gastos em consumo, e
que, portanto, tal medida certamente irá piorar o desemprego, ao invés de diminuí-lo. Desta forma, quase sempre sendo apresentada
sob o nome de keynesianismo, essa é de longe a doutrina predominante nessa
questão, e é por causa dela que reduções salariais raramente - senão nunca -
são defendidas como meio de se reduzir o desemprego no mundo atual.
Entretanto, façamos agora uma abordagem da situação não do ponto de vista de
um assalariado individual, mas tendo em mente o sistema econômico como um todo,
essencialmente como Henry Hazlitt fez em seu brilhante Economia
Numa Única Lição.
No sistema econômico como um todo, em qualquer ano, as empresas incorrem em
uma determinada quantia total de despesa com folha de pagamento - isto é, há
uma determinada quantia total de gastos com pagamento de salários. Da mesma forma, também há uma determinada
quantia total de gastos em consumo que ocorre nesse mesmo ano. Já que sempre é essencial pensarmos em termos
numéricos quando estamos lidando com tais questões, suponhamos que no sistema
econômico como um todo, o gasto total com o pagamento de salários em um ano
seja de 400 unidades de dinheiro. (Certamente
esse é um número muito pequeno de unidades, porém cada unidade pode ser
entendida como representativa de muitos bilhões ou de dezenas de bilhões da
unidade monetária do seu país. Pensar em
termos numéricos pequenos nos permite poupar um valioso espaço cerebral que
seria consumido se incluíssemos carreiras de zeros desnecessários em nosso
raciocínio).
Suponhamos também que o gasto anual total com a compra de bens de consumo
nesse sistema econômico seja de 500 unidades de dinheiro, sendo que cada
unidade representa muitos bilhões ou dezenas de bilhões da unidade monetária do
país, assim como as 400 unidades de dinheiro que foram pagas como salários.
Portanto, eis o que temos: 400 unidades de dinheiro é o total gasto com o
pagamento de salários e 500 unidades de dinheiro é o total gasto na compra de
bens consumo nesse nosso hipotético sistema econômico.
Podemos assumir que 400 dos 500 gastos em consumo representam os gastos em
consumo dos assalariados, uma vez que a renda salarial destes foi de 400. Os 100 remanescentes representam o consumo
dos empreendedores e capitalistas, consumo esse advindo dos lucros, juros e
dividendos, e/ou do capital previamente acumulado por eles.
Agora imagine que nesse hipotético sistema econômico haja um desemprego de
10%. Isso significa também que há 90% de
emprego. Sair desse desemprego de 10% e
ir para o pleno emprego significa aumentar o emprego em uma razão de 10 para 9.
Assim, já deve estar claro que, se o total gasto com o pagamento de salários
for mantido, uma redução de 10% nos salários individuais garantiria o pleno
emprego. Afinal, para uma mesma massa
salarial, salários individuais menores permitem o pagamento de mais salários
para mais pessoas. Isso significa que
teríamos agora 10/9 trabalhadores empregados recebendo salários equivalentes a
9/10 do salário médio anterior. Nessas
circunstâncias, também deve estar claro que os gastos em consumo iriam se
manter constantes. Afinal, 10/9
trabalhadores estão gastando um salário equivalente a 9/10 do salário anterior.
(Caso o exemplo anterior ainda esteja
obscuro, utilizemos esse: em um universo de 100 trabalhadores, 90 estão
empregados e 10 estão desempregados. Dos
90 empregados, cada um recebe um salário de 100 reais. Assim, o gasto total com o pagamento de
salários é de 90x100=9.000 reais. Os 10
desempregados não recebem nada. Para
atingir o pleno emprego, os 10 desempregados precisariam ser empregados. Se o salário fosse reduzido para 90 reais, e o
gasto total com o pagamento de salários fosse mantido constante (9.000 reais),
os 10 desempregados poderiam agora ser empregados. Teríamos assim 100 empregados e cada um
recebendo 90 reais, fazendo com que o gasto total com salários continue sendo
de 9.000 reais. Embora cada trabalhador
irá agora consumir menos, o total de gastos em consumo irá se manter
constante. Afinal, 90 trabalhadores
gastando 100 reais é o mesmo que 100 trabalhadores gastando 90 reais).
Mais ainda: se o produto por trabalhador - isto é, sua produtividade -
permanecer o mesmo, também fica claro que o gasto total em consumo de 500
unidades de dinheiro seria suficiente para comprar 10/9 bens a 9/10 dos
preços. Afinal, se a produtividade por
trabalhador se mantém constante, mais trabalhadores empregados significa mais
bens produzidos. E quanto mais bens
produzidos - isto é, quanto maior a oferta de bens - menor o preço de cada
bem.
Da mesma forma, o lucro total do sistema econômico, e, por consequência, a
taxa média de lucro, seria a mesma, apesar da queda nos preços. (O lucro total continuaria essencialmente a
ser de 500 unidades de dinheiro na forma de gastos em consumo menos 400
unidades de dinheiro na forma de pagamentos salariais).
(Se cada trabalhador produz 10 bens,
90 trabalhadores produzem 900 bens. E
100 trabalhadores produzem 1.000 bens.
Logo, o aumento do emprego de 90 para 100 trabalhadores faz com que haja
um acréscimo de 100 bens (de 900 para 1.000) no sistema econômico, sem qualquer
despesa extra para os empregadores. Se o
preço total dos 900 bens fosse 10.000 reais, os 1.000 bens que agora estão no
mercado continuarão sendo vendidos por 10.000 reais, o que faz com que o preço
de cada bem seja menor e o lucro permaneça o mesmo. Compare essa receita com os gastos salariais
no parênteses acima e verá que o lucro se manteve constante).
E os salários reais? Se os preços e
salários caem na mesma proporção, os salários reais permanecem
inalterados. Com efeito, é muito
provável que os salários líquidos na verdade aumentem, pois a redução do
desemprego faria com que os assalariados não mais tivessem que sustentar - via
auxílio-desemprego, por exemplo - os desempregados, que agora estariam
trabalhando e sustentando a si próprios.
E observe também a grande possibilidade de os salários reais aumentarem
continuamente caso a mão-de-obra se torne cada vez mais produtiva, o que
aumentaria progressivamente a oferta de bens de consumo em relação à oferta de
mão-de-obra (que sempre é
naturalmente escassa), levando a uma redução cada vez maior dos preços em
relação aos salários.
Esse exemplo, de 400 unidades de dinheiro para pagamento salarial e 500
unidades para gastos em consumo, é um descrição do mundo econômico em termos de
seus princípios básicos. Mises chamaria
isso de construção imaginária. É algo
altamente simplificado. Entretanto,
trata-se de uma construção extremamente fértil em implicações para o
emprego/desemprego, para os salários reais, para os lucros e juros, e muito
mais.
Quem começar a pensar mais profundamente nesse exemplo terá muitas outras
perguntas, sendo que as respostas obviamente não caberiam em um artigo tão breve
quanto este. As perguntas podem envolver
coisas como os efeitos de se incluir a compra e a venda de bens de capital, os
efeitos de se considerar alterações na quantia de gastos no sistema econômico,
bem como alterações na relação entre os diferentes tipos de gastos, e muito
mais.
Respostas para todas essas questões podem ser encontradas em meu livro Capitalism: A
Treatise on Economics. Lá o leitor encontrará não apenas todas as
respostas que esteja procurando, mas também muitas perguntas que ainda não pensou
em fazer, junto com as respostas para essas mesmas perguntas.