Palestra proferida no Ludwig von Mises
Institute em 19 de outubro de 2002.
Por
"natureza benevolente do capitalismo" refiro-me ao fato de que ele promove a vida
humana e o bem-estar, e o faz para todos.
Inúmeras observações desse tipo — as quais foram desenvolvidas ao longo
de mais de três séculos — foram feitas por uma série de grandes pensadores,
indo desde John Locke até Ludwig von Mises e Ayn Rand. Eu apresento o máximo possível delas no meu
livro Capitalism.
Irei
aqui discutir brevemente apenas treze dessas observações que considero serem as
mais importantes, e as quais acredito — quando tomadas juntas — serem capazes
de tornar a argumentação em favor do capitalismo irresistível. Irei discuti-las aproximadamente na mesma
sequência em que aparecem no meu livro.
Apenas peço desculpas pela brevidade e concisão. Cada uma dessas observações por si sós
requereriam uma discussão muito maior do que todo o tempo que me foi alocado
para palestrar hoje. Felizmente posso
valer-me do fato de que, ao menos em meu livro, creio tê-las apresentado nos
detalhes que merecem.
E
agora, permitam-me começar.
1) A liberdade individual — uma
característica essencial do capitalismo — é a base da segurança, no sentido tanto da segurança pessoal quanto da
segurança econômica. Liberdade significa
a ausência de iniciação de força física. Quando um indivíduo é livre, ele está seguro
— protegido — dos crimes comuns, pois ele está livre exatamente de atos como
assalto e agressão, roubo, estupro e assassinato, todos os quais representam
iniciação de força física. Ainda mais
importante, obviamente, é o fato de que, quando um indivíduo é livre, ele está
livre da iniciação de força física oriunda do governo, a qual é potencialmente muito mais mortífera que qualquer força
oriunda de uma gangue privada qualquer.
(A Gestapo e o KGB, por exemplo, com seus métodos de escravização e o
assassinato de milhões de cidadãos, fazem com que criminosos comuns pareçam
indivíduos quase que afáveis em comparação.)
O
fato de a liberdade ser sinônimo de ausência de iniciação de força física
também significa que a paz é um corolário da liberdade. Onde há liberdade, há paz, pois não há nenhum
uso da força: na medida em que a força não é iniciada por ninguém, o uso da
força como meio de defesa ou de retaliação não é requerido.
A
segurança econômica fornecida pela
liberdade deriva-se do fato de que, sob a liberdade, qualquer um pode escolher
fazer aquilo que julga ser o melhor para seu próprio interesse, sem medo de ser
impedido pela força física de qualquer outro, desde que ele próprio não inicie
o uso da força física. Isso significa, por
exemplo, que ele pode escolher o mais bem remunerado trabalho que encontrar e
comprar produtos dos ofertantes mais competitivos que houver; ao mesmo tempo,
ele pode manter toda a renda que auferir e poupar o tanto que quiser,
investindo sua poupança da maneira mais lucrativa que conseguir. A única coisa que ele não pode fazer é iniciar
força contra terceiros. Com o uso da
força proibido, a única maneira de um indivíduo aumentar a quantidade de
dinheiro que ganha é utilizando seu raciocínio para descobrir como oferecer às
outras pessoas mais ou melhores bens e serviços pelo mesmo valor monetário
vigente, uma vez que essa é a maneira de induzi-las a voluntariamente gastar
mais de seus fundos para comprar dele os mesmos bens e serviços que poderiam
adquirir de seus concorrentes. Assim, a
liberdade é a base para que todos sejam tão economicamente seguros quanto o
exercício de seu raciocínio e o raciocínio de seus fornecedores possam
permitir.
2) Um
aumento contínuo na oferta de recursos naturais acessíveis e economicamente
utilizáveis torna-se possível na medida em que o homem torna-se capaz de converter
uma maior parcela dessa virtual infinitude que é a natureza em bens e riqueza
econômica. Para tal ele se baseia tanto
no crescente conhecimento que adquire sobre a natureza quanto no crescente
poder físico capaz de exercer sobre ela.
(Para uma elaboração desse ponto importante, por favor vejam o capítulo
3 do meu livro, ou o meu ensaio "O
ambientalismo à luz de Menger e Mises").
3) A produção e a atividade econômica,
por sua própria natureza, servem para melhorar
o ambiente do homem. Isso porque, do
ponto de vista da física e da química, toda a produção e toda a atividade econômica
consistem em rearranjar, em combinações distintas, os elementos químicos
fornecidos pela natureza, e transportá-los para diferentes localidades
geográficas. O propósito que norteia
esse rearranjo e transportação é essencialmente fazer com que os elementos
químicos possibilitem um aprimoramento da relação entre a vida humana e o
bem-estar. Tal procedimento coloca os
elementos químicos em combinações e localidades nas quais eles podem fornecer uma
maior utilidade e um maior benefício aos seres humanos.
Por
exemplo, a relação dos elementos químicos ferro e cobre com a vida e o
bem-estar do homem é enormemente melhorada quando ambos são extraídos de
debaixo da terra e utilizados para fabricar produtos como automóveis,
geladeiras e cabos elétricos. Da mesma
forma, a relação de elementos químicos como carbono, hidrogênio, oxigênio e
nitrogênio com a vida e o bem-estar do homem é aperfeiçoada quando eles podem
ser combinados para produzir energia e luz elétrica. A relação de um pedaço de terra com a vida e
o bem-estar do homem é aprimorada quando, ao invés de ter dormir sobre ela
dentro de um saco de dormir e ter de tomar precauções contra cobras, escorpiões
e animais selvagens, ele pode dormir dentro de uma moderna e bem construída
casa erigida sobre esse pedaço de terra, com todos os utensílios e confortos
que já consideramos rotineiros.
A
totalidade dos elementos químicos constitui o ambiente externo material do
homem, e é precisamente para aprimorar essa relação que servem a produção e a
atividade econômica.
4) A divisão do trabalho — uma
característica dominante do capitalismo e cujo desenvolvimento pleno pode
existir apenas sob o sistema capitalista — proporciona, entre outros
benefícios, enormes ganhos para todos.
Isso ocorre por meio da multiplicação da quantidade de conhecimento que
entra no processo produtivo, fenômeno esse que gera, como consequência, um
aumento contínuo e progressivo da própria quantidade de conhecimento.
Apenas
considere isso: cada ocupação distinta, cada sub-ocupação, possui seu próprio e
único corpo de conhecimento (a soma de todo o conhecimento em uma dada
especialidade). Em uma sociedade
capitalista, baseada na divisão do trabalho, a quantidade de corpos de
conhecimento distintos entrando no processo de produção é proporcional à
quantidade de empregos existentes. A
totalidade desse conhecimento opera em benefício de cada indivíduo consumidor,
quando este compra os produtos produzidos por outros — sendo que o mesmo é
válido para o indivíduo produtor, na medida em que sua produção é auxiliada
pelo uso de bens de capital previamente produzido por outros.
Assim,
imagine um determinado indivíduo que trabalha como carpinteiro. Seu corpo de conhecimento é a
carpintaria. Porém, enquanto consumidor,
ele se beneficia de todas as outras ocupações distintas que existem no sistema
econômico. A existência de um corpo de
conhecimento tão extenso e disperso é essencial para a existência de uma
infinidade de produtos — sendo que cada produto requer em seu processo de
produção mais conhecimento do que qualquer indivíduo — ou um pequeno número de
indivíduos — pode ter. Dentre tais
produtos, é claro, temos o maquinário, algo que não poderia ser produzido na
ausência de uma divisão do trabalho extremamente ampla e do vasto corpo de
conhecimento que isso gera.
Ademais,
em uma sociedade capitalista, baseada na divisão do trabalho, uma grande
proporção dos membros mais inteligentes e ambiciosos da sociedade — tais como
os gênios e outros indivíduos de grande talento — escolhem sua especialização
exatamente nas áreas que têm o efeito de melhorar e aumentar progressivamente o
volume de conhecimento que é aplicado na produção. Este é o efeito gerado quando tais indivíduos
se especializam em áreas como ciência, invenção e negócios.
5) Pelo menos desde a época de Adam
Smith e David Ricardo já se sabe que a economia capitalista gera uma tendência
à equalização da taxa de retorno do capital (taxa de lucro) em todos os ramos
do sistema econômico. Por exemplo, se em
uma determinada área as taxas de retorno estão acima da média, isso fornecerá
um incentivo — bem como os meios — para se aumentar o investimento naquela área,
o que gerará mais produção e oferta, o que consequentemente provocará uma
redução nos preços e na taxa de retorno.
Inversamente, se as taxas de retorno estão abaixo da média, o resultado será
uma redução no investimento e uma redução na produção e na oferta, seguidas de
um aumento nos lucros e na taxa de retorno.
Dessa forma, taxas de lucro altas caem e taxas baixas sobem.
O
funcionamento desse princípio serve não apenas para manter as diferentes áreas
de uma economia capitalista em equilíbrio adequado entre si, mas também para
dar aos consumidores o poder de determinar o tamanho relativo das várias
indústrias, algo que pode ser feito por meio de seus hábitos de compra ou de
abstinência de compra, para usar as palavras de von Mises. Onde os consumidores gastam mais, os lucros
sobem, e onde os consumidores gastam menos, os lucros caem. Em resposta aos lucros maiores, o
investimento e a produção aumentam; e em resposta aos lucros menores ou aos
prejuízos, o investimento e a produção diminuem. Assim, o padrão de investimento e produção é
forçado a seguir o padrão de gastos do consumidor.
Talvez
ainda mais importante, essa tendência à uniformização da taxa de retorno sobre
o capital investido serve para criar um padrão de progressivo aperfeiçoamento
nos produtos e métodos de produção.
Qualquer empreendimento poderá auferir uma taxa de retorno acima da
média caso introduza um produto novo ou aprimorado que os consumidores queiram
comprar, ou um método mais eficiente e de mais baixo custo de se produzir um
produto já existente. Porém, o alto
lucro que esse empreendimento desfrutar irá atrair novos concorrentes, fazendo
com que essa inovação seja amplamente adotada.
E assim que isso ocorrer — isto é, a concorrência do setor aumentar e a
inovação for amplamente adotada —, os altos lucros desaparecerão, sendo que o
resultado final é que foram os consumidores que ganharam todo o benefício da
inovação. Eles acabaram ganhando
melhores produtos e pagando preços mais baixos.
Se
a empresa que fez a inovação quiser continuar obtendo uma taxa de lucro
excepcional, ela terá de introduzir outras inovações, as quais acabarão gerando
os mesmos resultados. Obter uma alta
taxa de lucro por um longo período de tempo requer a introdução de uma série contínua de inovações, com os
consumidores obtendo o total benefício de todas elas, desde a primeira até as
mais recentes.
6) Como von Mises demonstrou, em uma
economia de mercado — que é o que o capitalismo é —, a propriedade privada dos
meios de produção traz benefícios para todos, tanto para seus proprietários
quanto para os não-proprietários. Os
não-proprietários se beneficiam dos meios de produção pertencentes a outras
pessoas. Eles obtêm esse benefício ao
comprarem os produtos fabricados por aqueles meios de produção. Para que eu possa me beneficiar com as
fábricas e equipamentos de uma montadora de automóveis, ou com os campos
petrolíferos, oleodutos e refinarias de uma empresa de petróleo, eu não preciso
ser acionista dessas empresas. Tudo o
que eu tenho de fazer é ter a capacidade de comprar o automóvel ou a gasolina
ou qualquer coisa que elas produzam.
Ademais,
graças ao aspecto dinâmico e progressivo do princípio da
uniformidade-da-taxa-de-lucro ou taxa-de-retorno que expliquei acima, o
benefício geral trazido pelos meios de produção privados aos não-proprietários aumenta
continuamente, uma vez que eles podem comprar cada vez mais e melhores produtos
a preços reais progressivamente decrescentes.
Não se pode deixar de enfatizar que esses ganhos progressivos, e o
padrão de vida crescente que proporcionam, dependem primordialmente das
instituições capitalistas da propriedade privada dos meios de produção, da
busca pelo lucro, e da concorrência econômica — sem as quais não seriam
possíveis. São essas instituições que
fundamentam uma motivada e efetiva iniciativa individual, que consequentemente
faz aumentar o padrão de vida.
7) Um corolário do benefício geral
criado pela propriedade privada dos meios de produção é o benefício para a sociedade gerado pela instituição da herança. Não apenas os herdeiros mas também os
não-herdeiros se beneficiam de sua existência.
Os não herdeiros se beneficiam porque a instituição da herança estimula
a poupança e a acumulação de capital, no sentido de que leva as pessoas a
acumular e manter capital para ser transmitido a seus herdeiros. O resultado da existência desse capital
adicional acumulado é a existência de mais meios de produção produzindo para o
mercado, gerando mais e melhores produtos para que todos possam comprar.
O
efeito desse capital adicional, obviamente, é a criação de uma demanda
adicional por mão-de-obra e, consequentemente, por maiores salários. A demanda por mão-de-obra — já deveria estar
claro — é uma forma fundamental por meio da qual todos os meios de produção em
mãos privadas operam para o benefício dos não-proprietários. O capital é a base tanto da demanda por mão-de-obra
quanto da oferta de produtos.
8) No capitalismo, não apenas o ganho
de um indivíduo não significa uma
perda para outro — desde que esse ganho advenha de um aumento na produção total
—, como também — nos casos mais importantes como, por exemplo, naqueles em que
grandes fortunas industriais são construídas — o ganho de um homem gera
positivamente ganhos para outros
homens. Isso advém do fato de que os
simples requisitos aritméticos para se construir uma grande fortuna são: obter
uma alta taxa de lucro sobre o capital por um prolongado período de tempo, e
poupar e reinvestir a grande parte desses lucros obtidos, ano após ano.
Como
já vimos, a obtenção de uma alta taxa de lucro durante um prolongado período de
tempo, frente à concorrência, requer a introdução de uma série de inovações
significativas. Essas inovações
representam produtos melhores e mais baratos para os consumidores. A poupança e o reinvestimento dos lucros
obtidos nas inovações constituem a acumulação dos meios de produção, o que
também é benéfico para os consumidores.
Assim, tanto em sua origem — nos altos lucros — como em seu destino — a
acumulação de capital —, as grandes fortunas industriais representam benefícios
correspondentes para o público consumidor em geral. Por exemplo, o velho Henry Ford iniciando seu
empreendimento com um capital de US$25.000 em 1903 e terminando com um capital
de US$1 bilhão em 1946 foi apenas um lado de uma moeda em cujo outro lado
estava o cidadão comum, que passou a poder comprar um automóvel muito melhor e
mais eficientemente produzido — produzido em larga escala nas fábricas que
representavam o bilhão de Ford.
9) Como von Mises demonstrou, a
competição econômica que ocorre sob o capitalismo é radicalmente diferente da
competição biológica que prevalece no reino animal. Com efeito, seu caráter é diametralmente oposto.
As espécies animais têm de lidar com meios de subsistência escassos e
naturais, cuja quantidade eles não podem aumentar. Já o homem, em virtude de possuir a razão e a
inteligência, pode aumentar a oferta de todas as coisas das quais dependem sua
sobrevivência e bem-estar. Assim, ao
invés da competição biológica de animais brigando entre si para arrebatar uma
fatia de quantidades limitadas de recursos naturais, com os fortes triunfando e
os fracos perecendo, a competição econômica sob o capitalismo é uma disputa
para ver quem mais consegue aumentar a quantidade de bens existentes, sendo que
o resultado prático de tal competição é fazer com que todos vivam melhor e mais
longevamente.
De
maneira completamente distinta aos leões numa selva, que precisam competir por
uma oferta limitada de animais como zebras e gazelas, por meio do poder de seus
sentidos e membros, os produtores no capitalismo competem por uma quantidade
limitada de dinheiro que está nas
mãos dos consumidores, pelo qual competem oferecendo os melhores e mais
econômicos produtos que suas mentes são
capazes de conceber. Dado que tal competição é do tipo que visa à
criação positiva de riqueza nova e adicional, não há perdedores reais no longo
prazo. Há apenas ganhadores.
A
competição dos agricultores e dos fabricantes de equipamentos agrícolas permite
que os famintos e os fracos possam se alimentar e crescer saudáveis; a
competição dos fabricantes de produtos farmacêuticos permite que os doentes
possam recuperar sua saúde; a competição dos fabricantes de óculos, lentes de
contato e aparelhos auditivos permite que muitas pessoas que de outra forma não
poderiam ver ou ouvir, agora o possam.
Longe de ser uma competição cujo resultado é "a sobrevivência do mais
forte", a competição no capitalismo é mais acuradamente descrita como uma
competição cujo resultado é a sobrevivência de todos, ou pelo menos de um
número cada vez maior de pessoas, proporcionando maior longevidade e melhores
condições de vida. O único sentido no
qual é correto dizer que no capitalismo somente o mais "forte" ou mais "apto" sobrevive
é quando se pensa nos produtos
criados: apenas os produtos mais
aptos e os mais sólidos métodos de
produção sobrevivem, até que sejam substituídos por produtos e métodos de
produção ainda mais aptos, gerando os efeitos sobre a sobrevivência humana
acima descritos.
Como
von Mises também já demonstrou, ao desenvolver a lei das vantagens comparativas
de David Ricardo e extrapolá-las até a lei da associação, existe espaço para
todos na competição do capitalismo.
Mesmo aqueles que são menos capazes que os outros, em todos os sentidos,
ainda têm seu lugar. Com efeito, em
grande medida, a competição sob o capitalismo, longe de ser uma questão de
conflito entre seres humanos, é um processo que organiza harmoniosamente aquele
grande sistema de cooperação social
conhecido como divisão do trabalho. Ela
decide até que ponto cada indivíduo, dentro desse abrangente sistema de
cooperação social, irá dar sua contribuição específica — quem, por exemplo, e
por quanto tempo, será o presidente de uma indústria, quem será o zelador e
quem irá preencher todas as posições intermediárias.
Nessa
competição, cada indivíduo, por mais limitadas que sejam suas habilidades, pode
superar todos os demais — sem se importar com o quão mais talentosos estes são
— na busca de seu nicho produtivo.
Literalmente, e sendo este um acontecimento diário e banal, aqueles
cujas habilidades não são maiores do que as necessárias para ser um zelador são
capazes de superar, sem qualquer dificuldade, os maiores gênios produtivos do
mundo — para obter um emprego de zelador. Por exemplo, Bill Gates pode ser um indivíduo
tão superior que, além de ser capaz de revolucionar a indústria de software,
ele também é capaz de limpar cinco vezes tantos metros quadrados de um
escritório na mesma duração de tempo que qualquer zelador do planeta, e ainda
fazer um serviço melhor. Mas Gates pode
ganhar um milhão de dólares por hora administrando a Microsoft, e os zeladores
podem estar dispostos a trabalhar por, digamos, $10 a hora, sendo que essa
propensão deles para executar o mesmo serviço a um centésimo de milésimo do
salário que Gates cobraria supera enormemente a menor habilidade que possuem,
de modo que são eles agora que estão em clara preferência e vantagem na
situação.
Ao
mesmo tempo, pelo fato de os gênios produtivos serem livres para revolucionar
com sucesso produtos e métodos de produção, aqueles indivíduos cujas
habilidades não são maiores do que as requeridas para serem zeladores poderão,
como consequência do trabalho dos gênios, usufruir não apenas alimentos, roupas
e abrigo, mas também produtos como automóveis, televisões e computadores,
produtos cuja própria existência eles provavelmente jamais poderiam conceber
por conta própria.
Os
prejuízos associados à competição são, em sua maioria, apenas perdas de curto
prazo. Por exemplo, assim que os
ferreiros e criadores de cavalo que perderam seus negócios por causa da
invenção do automóvel encontraram outras linhas de trabalho de mesmo nível, o
único efeito duradouro do automóvel sobre eles é que, como consumidores, eles
passaram a poder desfrutar as vantagens do automóvel em relação ao cavalo. Similarmente, os fazendeiros que utilizavam
mulas, e que foram desalojados do mercado pela concorrência dos fazendeiros que
utilizavam tratores, não morreram de inanição — eles simplesmente tiveram de
mudar sua linha de trabalho; e quando o fizeram, passaram a usufruir, junto com
todo o resto, uma oferta muito mais abundante de comida e de outros produtos,
os quais puderam ser produzidos precisamente porque utilizaram a mão-de-obra
liberada pela agricultura.
Mesmo
naqueles casos em que uma concorrência isolada resulta em um indivíduo tendo de
passar o resto de sua vida em uma situação econômica inferior àquela que
desfrutava antes, como por exemplo o dono de uma fábrica de chicotes de cavalo
tendo de viver o resto de sua vida como um assalariado comum após ter ido à
falência por causa da invenção do automóvel — mesmo ele não pode alegar sensatamente
que a competição o prejudicou. O máximo
que ele pode razoavelmente alegar é que, de agora em diante, os formidáveis
benefícios que a concorrência lhe traz são menores do que os ganhos ainda mais
formidáveis que ele dela obtinha anteriormente.
Pois é a concorrência que sustenta a produção e a oferta de tudo que ele
continua apto a comprar e é ela a responsável pelo poder de compra de cada
unidade monetária de sua renda e da renda de todos. E, é claro, é a concorrência também que faz
aumentar sua renda real, retirando-a do nível para o qual havia caído.
Pra
dizer a verdade, sob o capitalismo a concorrência eleva o padrão de vida do
assalariado médio para níveis maiores até mesmo do que aqueles desfrutados
pelas pessoas mais ricas do mundo, que viveram algumas gerações atrás. (Hoje, por exemplo, um assalariado médio em
um país capitalista possui um padrão de vida maior até mesmo que o da Rainha
Vitória em provavelmente todos os aspectos, exceto na capacidade de contratar
servos).
10) E agora — mais uma vez créditos
para Mises —, longe de representar o caos sem planejamento e a "anarquia da
produção" alegada pelos marxistas, o capitalismo é na realidade um sistema
econômico tão inteiramente e racionalmente planejado quanto é humanamente
possível. O planejamento que ocorre no
capitalismo, sem ser reconhecido como tal, é o planejamento feito por cada participante individual do sistema
econômico. Qualquer indivíduo que pense
em praticar uma atividade econômica que irá lhe beneficiar, e em como desenvolvê-la,
está incorrendo em um planejamento econômico.
Indivíduos planejam comprar
casas, automóveis, eletrodomésticos e principalmente alimentos. Planejam
para quais trabalhos treinar e onde oferecer e aplicar as habilidades que
possuem. As empresas planejam a introdução de novos produtos
ou a interrupção da produção de alguns já existentes; elas planejam mudar seus métodos de produção ou continuar aplicando os
métodos que utilizam presentemente; planejam
abrir filiais ou fechar filiais; planejam
contratar novos empregados ou demitir os que atualmente empregam; planejam incrementar seus estoques ou
reduzi-los.
Vários
outros exemplos de planejamento econômico diário e rotineiro incorrido por
indivíduos e empresas podem ser encontrados.
O planejamento econômico privado está em todo lugar à nossa volta e
todas as pessoas o praticam. Porém, para
todos, exceto os estudiosos de Mises, ele é invisível. Para aqueles que ignoram os ensinamentos de
Mises, planejamento econômico é jurisdição exclusiva do governo.
Um
imenso e difuso planejamento econômico não apenas existe no âmbito privado como
também é totalmente coordenado, integrado
e harmonizado de modo a produzir um sistema econômico coesivamente
planejado. O meio que possibilita essa
ocorrência é o sistema de preços. Todo o planejamento econômico dos indivíduos
e das empresas privadas ocorre tendo por base uma consideração sobre os preços
— preços que constituem custos e também receita ou renda. Indivíduos que planejam comprar bens ou
serviços de qualquer tipo estão sempre considerando os preços desses bens ou
serviços e estão preparados para alterar seus planos em decorrência de uma
mudança nos preços.
Os
indivíduos que planejam vender bens ou serviços sempre levam em consideração os
preços que podem esperar por eles, e estão também preparados para mudar seus
planos caso haja uma mudança nos preços.
As empresas, obviamente, baseiam seus planos em uma consideração tanto
das receitas de venda quanto dos custos — portanto, dos respectivos preços que
constituem ambos — e estão preparadas para alterar seus planos em resposta a
mudanças na lucratividade.
Desta
forma, quando minha esposa e eu nos mudamos para a Califórnia, por exemplo,
nosso plano de vida era comprar uma casa em uma montanha com vista para o Oceano
Pacífico. Porém, após vermos os preços
de tais casas, rapidamente decidimos que era necessário rever nosso plano e
procurar uma casa vários quilômetros no interior. Desta forma, fomos levados a alterar nosso
plano de moradia de uma forma que harmonizava com os planos das outras pessoas,
as quais também haviam planejado comprar o mesmo tipo de casa que minha esposa
e eu queríamos comprar, mas que estavam mais dispostas e podiam destinar mais
dinheiro aos seus planos do que nós podíamos.
As ofertas mais altas das outras pessoas e a nossa consideração dessas
ofertas geraram uma harmonização do nosso plano de moradia com o delas.
Similarmente,
um ingênuo aspirante a universitário pode ter um plano de carreira que o
levaria a se especializar em literatura francesa medieval ou em poesia da
Renascença. Mas em algum momento antes
do final de seu ensino médio, ele chega à conclusão que, caso persista nesse
plano de carreira, a probabilidade de passar o resta da vida esfomeado em um
sótão é muito alta. Por outro lado, se
ele mudar seu plano de carreira e se especializar em uma área como
contabilidade ou engenharia, ele pode esperar um padrão de vida muito
confortável. E, ato contínuo, ele muda
seu plano de carreira e sua especialização.
Ao mudar seu plano de carreira baseando-se em uma consideração sobre sua
renda futura esperada, o estudante está fazendo uma mudança que gera maior
harmonia com os planos das outras pessoas no sistema econômico — pois a
execução dos planos dessas outras pessoas irá requerer muito mais os serviços
de contadores e engenheiros do que de especialistas em literatura.
Um
último exemplo: quando os consumidores mudam seus planos de dieta — e passam a
comer, digamos, mais peixe e frango e menos carne vermelha —, isso resulta em
uma correspondente mudança nos seus padrões de compra e abstenção de compra. Assim, a fim de manter sua lucratividade, os
supermercados e restaurantes precisam planejar mudanças em suas ofertas, isto
é, aumentar as quantidades de peixe e frango, bem como as de refeições baseadas
em peixe e frango, e diminuir as quantidades de carne vermelha nas prateleiras
e nas refeições. Essas alterações de
planos, e a correspondente alteração de compras, que elas induzem nos
supermercados e restaurantes resultam em subsequentes alterações nos planos e
nas compras dos fornecedores dos supermercados e restaurantes, bem como nos
planos e nas compras dos fornecedores desses fornecedores, e assim sucessivamente
até que todo o sistema econômico tenha sido suficientemente replanejado de
acordo com as mudanças ocorridas inicialmente nos planos e nas compras dos
consumidores.
O
sistema de preços, e as considerações de custos e receitas que ele permite aos
indivíduos, faz com que o sistema econômico esteja sendo continuamente
replanejado em resposta às mudanças na demanda e na oferta, de modo a maximizar
os ganhos e a minimizar as perdas e a garantir que cada processo individual de
produção seja feito de modo a colaborar ao máximo com a produção de todo o
resto do sistema econômico.
Por
exemplo, como resultado de um decréscimo na oferta de petróleo, haverá um
aumento em seus preços e nos preços dos produtos derivados do petróleo. Todos os compradores individuais levarão em
consideração esses preços mais altos em relação às suas próprias circunstâncias
específicas — no caso dos consumidores, suas próprias necessidades e desejos;
no caso das empresas, sua capacidade de transmitir o aumento de preços para os
consumidores. E todos eles irão
considerar as alternativas existentes ao petróleo e aos produtos derivados do
petróleo em cada caso particular.
Desta
forma, com base em seu pensamento individual e em seu planejamento, cada um dos
participantes irá reduzir sua demanda por esses itens da maneira que menos venha
a prejudicar seu bem-estar. E assim, o
pensamento e o planejamento de todos os participantes do sistema econômico que
utilizam petróleo ou produtos derivados do petróleo irão determinar — como
resposta ao aumento de preços — onde e em que quantidade o montante demandado
desses produtos irá diminuir.
Esse
é claramente um exemplo de resposta que tenta minimizar os efeitos de uma queda
na oferta. A redução na oferta será
seguida de uma equivalente redução de seu emprego naquelas atividades menos
importantes para as quais a oferta anterior era suficiente.
Similarmente,
o sistema de preços e o pensamento e planejamento individual de todos os
participantes levam a uma maximização dos ganhos quando ocorre um aumento na
oferta de qualquer fator de produção escasso.
A quantidade adicional é absorvida naquelas aplicações em que ela é mais
altamente valorizada, isto é, naqueles em que a oferta adicional pode ser
absorvida sem que isso provoque grandes reduções nos preços.
Ironicamente,
ao passo que o capitalismo é um sistema econômico extensa e racionalmente
planejado e continuamente replanejado em resposta às mudanças nas condições
econômicas, o socialismo, como Mises já demonstrou, é incapaz de fazer um
planejamento econômico racional. Ao
destruir o sistema de preços e suas fundações — a saber, a propriedade privada
dos meios de produção, a busca pelo lucro e a concorrência —, o socialismo
destroi a divisão intelectual do trabalho que é essencial para o planejamento
econômico racional. Ele exige a tarefa
impossível de fazer com que o planejamento de todo o sistema econômico seja
executado por uma única mente, como se fosse um todo indivisível, algo que
apenas uma divindade onisciente poderia fazer.
O
que o socialismo representa é algo tão distante de um planejamento econômico racional que na verdade ele constitui o exato oposto: a proibição do planejamento econômico
racional. Em primeira instância, por sua
própria natureza, o socialismo consiste na proibição do planejamento econômico
feito por todas as pessoas da sociedade, excetuando-se o ditador e os outros
membros do comitê de planejamento central.
Eles desfrutam o privilégio monopolístico do planejamento pois seguem a
crença absurda e virtualmente insana de que seus cérebros podem alcançar as
mesmas capacidades totalmente perceptivas e conhecedoras das divindades
oniscientes. Mas não podem. Consequentemente, o socialismo na realidade
representa uma tentativa de substituir o pensamento e o planejamento de dezenas
e centenas de milhões, ou mesmo bilhões, de pessoas pelo pensamento e planejamento
de apenas um homem, ou no máximo de um punhado deles. Por sua própria natureza, essa tentativa de
fazer com que os cérebros de alguns poucos supram as necessidades e desejos de muitos
tem tão pouca possibilidade de êxito quanto teria uma tentativa de fazer com
que as pernas de poucos fossem um veículo para transportar o peso de muitos.
Para
que haja um planejamento econômico racional, é necessário que o planejamento e
o pensamento de todos os indivíduos sejam independentes, operando em um
ambiente em que haja propriedade privada dos meios de produção e um livre
sistema de preços — ou seja, no capitalismo.
11) Volto-me agora para a questão do monopólio. O socialismo é o sistema do monopólio. O capitalismo é o sistema da liberdade e da
livre concorrência.
Como Mises demonstrou, os
requerimentos essenciais dados pela natureza para a vida humana, como água
potável, terra arável e os suprimentos acessíveis de praticamente todos os
minerais, existem em quantidades tão grandes que nem todas as fontes disponíveis
podem ser exploradas. A mão-de-obra que
seria necessária para tal empreendimento não está disponível. Ela está empregada em pedaços de terra e em
depósitos minerais que são mais produtivos ou nas numerosas operações de
manufatura e comércio, onde, por meio dos preços de mercado, seu emprego
demonstra ser mais importante do que na produção de quantias adicionais de
minerais ou de commodities agrícolas.
Nessas condições, e na
ausência de interferência governamental, o fator necessário para permitir que
qualquer produtor (ou combinação de produtores) se torne o único ofertante de
qualquer bem é que o preço que ele venha a cobrar seja tão baixo que faça não
valer a pena para outros ofertantes em potencial entrarem nessa atividade. A posição de ofertante único é assegurada
pelo baixo preço praticado, sendo que tal prática não provê uma base para se
impor futuramente um preço elevado.
O mesmo ponto essencial
se aplica aos casos em que a necessidade de se investir grandes somas de
capital limita severamente o número de ofertantes. Aqui, um grande capital é necessário para que
seja possível obter baixos custos de produção, que são necessários para que
seja lucrativo vender a preços baixos.
Monopólio é na prática o
resultado da intervenção do governo. Especificamente,
trata-se da limitação de um mercado ou de parte de um mercado para um ou mais
ofertantes por meio da iniciação de força física. Concessões exclusivas dadas pelo governo,
tarifas protecionistas e leis de licenciamento para diversas atividades são
alguns exemplos.
12) O capitalismo é um sistema que permite que os salários reais cresçam
progressivamente, que as horas de trabalho sejam encurtadas e que as condições
de trabalho melhorem constantemente. Ao
contrário do que ensinaram Karl Marx e Adam Smith, empresários e capitalistas
(os detentores do capital) não deduzem seus lucros daquele montante que
supostamente era, em sua origem, salários completos para os trabalhadores — ou
o que naturalmente ou por justiça deveriam ser salários completos dos
trabalhadores. A forma original e
primária de renda é o lucro, e não os
salários.
Os trabalhadores manuais
que produziam e vendiam produtos, seja no "estado original e rude da sociedade"
de Adam Smith ou na "circulação simples" de Karl Marx, não ganhavam salários,
mas sim receitas de vendas. Quando um
indivíduo vende um pão ou um par de sapatos ou qualquer outro produto, esse
indivíduo não recebe como pagamento um salário, mas sim uma receita de
venda. E exatamente porque aqueles
trabalhadores manuais não se comportavam como capitalistas — isto é, não
compravam com o intuito de vender posteriormente, mas sim apenas na qualidade
de meros consumidores —, eles não faziam gastos a fim de produzir quaisquer
bens que poderiam ser vendidos. Portanto,
eles não incorriam em nenhum custo monetário que deveria ser deduzido de suas
receitas de venda; ou seja, o valor total de suas receitas de venda era lucro,
e não salários. O lucro, portanto, é a
forma original e primária de renda do trabalho.
Contradizendo Adam Smith
e Karl Marx, é somente com a chegada dos capitalistas e com a acumulação de
capital que o fenômeno dos salários tem seu surgimento, junto com a demanda por
bens de capital. Tanto os salários
quanto os gastos com bens de capital aparecem como custos monetários de
produção que precisam ser deduzidos das receitas de venda. Quanto mais capitalista é o sistema econômico
— no sentido de que há um maior volume de compras de capital com o propósito de
obter maiores receitas de venda —, maiores são os salários e outros custos
relativos às receitas de venda; e, portanto, menores são os lucros em relação
tanto às receitas de venda quanto aos salários.
Em outras palavras, os
capitalistas são responsáveis não pela criação do fenômeno do lucro e sua obtenção
da dedução dos salários, mas sim pela criação dos fenômenos dos salários e dos
custos monetários, e a dedução destes das receitas de vendas, as quais
originalmente eram lucro em sua totalidade.
Os capitalistas são responsáveis pela criação dos salários, que são
retirados das receitas de vendas. Se
dessas receitas não fossem subtraídas uma fatia para o pagamento de salários,
elas representariam o lucro total.
Quanto mais numerosos e ricos são os capitalistas, maiores são os
salários em relação aos lucros.
O fato de que
assalariados podem estar dispostos a trabalhar em troca de um mínimo para a
subsistência, na ausência de qualquer alternativa melhor, e que os empresários
e capitalistas, como quaisquer outros compradores, preferem pagar menos e não
mais, são proposições corretas em si, porém completamente irrelevantes para a
determinação dos salários que os assalariados devem de fato aceitar. Esses salários são determinados pela
concorrência entre os empregadores pela aquisição de mão-de-obra — a qual, além
de ser fundamentalmente o elemento mais útil no sistema econômico, é
intrinsecamente escassa.
Nessa concorrência, vai
contra o próprio interesse de qualquer empregador permitir que os salários
caiam abaixo do ponto que corresponde ao pleno emprego do tipo de trabalho em
questão, na localidade geográfica em questão.
Tais baixos salários significam que a quantidade de mão-de-obra
demandada excede a oferta disponível, isto é, existe uma escassez da mão-de-obra em questão.
Uma escassez de mão-de-obra é comparável a um leilão no qual ainda há
dois ou mais licitantes que competem pelo mesmo bem. A única maneira de o licitante que mais quer
o bem — no caso, a mão-de-obra de alguém — poder obtê-lo, é superando as
propostas feitas por seus competidores e, dessa forma, tornando o bem tão caro
para eles que não lhes restará outra alternativa que não sair de cena e
permitir que o licitante mais empenhado garanta para si o bem em questão.
No mercado de trabalho
pode haver dezenas ou mesmo centenas de milhões de trabalhadores. Mas a escassez de mão-de-obra significa que
há empregos em potencial para um número muito maior que esse. O fato de que cada um de nós gostaria de se
beneficiar da mão-de-obra de pelo menos dez outras pessoas pode ser visto como
um indicador da magnitude da escassez de mão-de-obra.
Quando o salário de um
determinado tipo de trabalho cai para um nível menor do que aquele que
corresponde ao pleno emprego, os empregadores que não podiam ou não estavam
dispostos a pagar aquele nível mais alto agora poderão contratar mão-de-obra; e
tudo em detrimento daqueles outros empregadores que podiam e estavam dispostos
a pagar o nível de salário mais alto. A
situação é exatamente a mesma que ocorreria em um leilão caso o licitante mais
poderoso perdesse o item que ele quer para um outro licitante menos
poderoso. A maneira do licitante mais
poderoso assegurar a mão-de-obra de que precisa é elevando seu preço de oferta
e, com isso, derrotando a concorrência dos empregadores menos poderosos.
Agora, dado o nível monetário
dos salários — o qual, como vimos, é determinado pela concorrência entre
empregadores por mão-de-obra escassa —, o que determina os salários reais, isto é, os bens e serviços que os
assalariados podem comprar com o dinheiro que ganham, são os preços.
Os salários reais sobem apenas quando os preços caem em relação aos
salários.
O que faz os preços
caírem em relação aos salários é um aumento na produtividade da mão-de-obra,
isto é, do produto por unidade de trabalho.
Um aumento na produtividade da mão-de-obra significa uma maior oferta de
bens de consumo em relação à oferta de mão-de-obra, e, consequentemente, preços
menores dos bens de consumo em relação aos salários. Se pudéssemos de alguma maneira mensurar a
oferta de bens de consumo, uma duplicação da produtividade da mão-de-obra iria
gerar uma duplicação da oferta de bens de consumo em relação à oferta de
mão-de-obra e, dado o mesmo gasto global com bens de consumo e mão-de-obra, o
resultado seria uma queda dos preços dos bens de consumo pela metade, sendo que
os salários globais continuariam no mesmo nível. Em outras palavras, isso iria dobrar os
salários reais.
O aumento na
produtividade da mão-de-obra é sempre o elemento essencial na elevação dos
salários reais. É o que possibilita que
aumentos na quantidade de dinheiro e no volume de gastos, que são responsáveis
por níveis médios maiores nos salários monetários (nominais), sejam
acompanhados por preços que não aumentam ou que pelo menos não aumentam na
mesma medida que os salários.
E o que é responsável
pelo aumento na produtividade da mão-de-obra são as atividades dos empresários
e capitalistas. Suas inovações
progressivas e a acumulação de capital que praticam permitem o aumento da
produtividade da mão-de-obra; e, consequentemente, dos salários reais.
13) Finalmente, meu último ponto: um sistema monetário com reservas de
100% (para depósitos em conta-corrente) e tendo por lastro algum metal precioso
tornaria uma sociedade capitalista à prova de inflação e de deflação/depressão. O aumento modesto na oferta de metais
preciosos, e consequentemente o modesto incremento no volume de gastos que isso
ocasiona, não seria capaz de elevar os preços por causa da vigorosa taxa a que
a produção e a oferta de praticamente todos os bens que não sejam metais
preciosos aumentam no capitalismo. Os
preços muito provavelmente tenderiam a cair, como ocorreu nos EUA durante o
século XIX.
Já preços em queda devido
a um aumento na produção, por sua vez, não constituem deflação. Eles não implicam qualquer redução na taxa
média de lucro, isto é, da taxa média de retorno sobre o capital
investido. Tampouco implicam maiores
dificuldades na quitação de dívidas.
Entretanto, uma queda nos lucros e um súbito aumento na dificuldade de
se pagar as dívidas são sintomas essenciais de deflação/depressão.
Com efeito, como mostro
em meu livro, o modesto aumento na quantidade de dinheiro e no consequente
volume de gastos que ocorre sob um sistema monetário com
100% de reservas e baseado em metais preciosos serve para acrescentar um
componente positivo para a taxa de retorno e fazer com que o pagamento de
dívidas ligeiramente mais fácil, não mais difícil. A queda de preços causada por um aumento na
produção não interfere nisso. Quando os
preços caem devido ao fato de o aumento da produção ser maior que o aumento na
quantidade de dinheiro e no volume de gastos, o vendedor comum passa a ter uma
quantidade de bens para vender que é proporcionalmente maior do que a queda nos
preços, o que o permite ganhar mais dinheiro, e não menos.
A genuína deflação,
aquela que acompanha uma depressão, é a contração financeira — isto é, uma
diminuição na quantidade de dinheiro e no volume de gastos. É isso que aniquila a lucratividade e faz com
que a quitação de dívidas seja mais difícil.
Mas tal contração é exatamente o que um sistema monetário com 100% de
reservas e baseado em metais preciosos impede.
Ele a impede porque, assim que o dinheiro baseado em metais preciosos
surge, ele não pode desaparecer subitamente, como ocorre com a atual moeda
escritural criada do nada pelos bancos: quando os bancos quebram, o dinheiro
some e há uma contração da oferta monetária.
E como a taxa de aumento dos metais preciosos é modesta, ela não gera
uma redução substancial e artificial na demanda por dinheiro (para fins
pessoais ou empresariais), redução essa que rapidamente se reverteria quando o
aumento na quantidade de moeda fosse interrompido ou se desacelerasse.
Tampouco o contínuo
aumento da poupança e da acumulação de capital que ocorre sob o capitalismo faz
reduzir a taxa de retorno sobre o capital.
A poupança nominal que advém da renda monetária do indivíduo, advém em
grande parte de uma taxa de retorno que é elevada pelo aumento na quantidade de
dinheiro e no volume dos gastos; e desde que a quantidade de dinheiro e o
volume de gastos continuem aumentando modestamente, essa poupança não reduz a
taxa de retorno.
Se não houvesse nenhum
aumento na quantidade de dinheiro e no volume de gastos, a taxa de retorno
seria menor, porém estável nesse nível mais baixo. A acumulação de capital ocorreria simplesmente
em decorrência dessa queda nos preços, o que significa que um nível constante
de gastos poderia comprar quantidades cada vez maiores de bens de capital.
Como mostro em meu livro,
em tal contexto a função da poupança ocorre inteiramente em nível global, no
qual determina questões tão vitais quanto o grau em que o sistema econômico se
concentra na produção de bens de capital em relação aos bens de consumo e a duração
do período de produção. Os elementos
essenciais para a acumulação de capital, portanto, são uma produção suficientemente
alta de bens de capital e um período suficientemente longo de produção, tudo
isso em conjunto com progresso tecnológico e tudo o mais que sirva para
aumentar a produção — acima de tudo, liberdade econômica.