Apesar da metodologia "austríaca" rejeitar o método
macroeconômico, é bastante útil, para efeitos de comparação com a "mainstream",
procurar conciliar os modelos macroeconômicos conhecidos com as premissas da
Escola Austríaca. Foi exatamente isto o que fez o Professor Roger W. Garrisson,
da Auburn University, um economista extremamente criativo, no seu
interessantíssimo Time and Money: The Macroeconomics of Capital Structure
(Routledge, Londres, 2001), cuja essência está condensada em seguida.
Se nos deixarmos imobilizar por um purismo acadêmico que,
embora aceitável sob certas circunstâncias, tende sempre a nos tornar cada vez
mais isolados e a manter nossas análises desconhecidas por parte da maioria dos
economistas, seremos levados a considerar o trabalho de Garrison uma heresia -
já que, além de rejeitarem as construções macroeconômicas, os austríacos
tradicionalmente não fazem uso de gráficos e de equações. Se, porém, buscarmos
maior integração com a "mainstream economics", acreditamos que devemos encarar
a busca por uma simbiose entre a análise "austríaca" e a convencional como uma
importante contribuição para uma compreensão mais apurada dos intrincados
problemas da economia, especialmente os relacionados ao processo de mercado,
aos desequilíbrios e aos ciclos econômicos.
É sabido que tanto a macroeconomia como a microeconomia
tradicionalmente lidam com estados de equilíbrio, ou seja, não consideram os
mercados como processos que tendem para o equilíbrio, mas que não o atingem. A
macroeconomia, além de trabalhar com modelos de equilíbrio (parcial ou geral),
por enfatizar situações de curto prazo, deixa de lado as variações no estoque
de capital. E as teorias modernas de crescimento trabalham com variações no
estoque de capital, mas abstraem-se dos desequilíbrios da economia. Garrison
observa com acuidade que a realidade da economia é um mix desses dois insights.
A Macroeconomia da Estrutura de Capital (MEC) procura incorporar essa mistura,
considerando que a habilidade do processo de mercado para alocar recursos ao
longo do tempo está relacionada com a estrutura de capital da economia.
Os três elementos da Macroeconomia da Estrutura de Capital
As principais ferramentas da MEC são três conceitos
elementares, os dois primeiros comuns à "maistream economics" e o terceiro de
concepção "austríaca", que podem ser combinados para gerar interessantes
comparações. Os três conceitos são: o mercado de "loanable funds" (fundos para
empréstimos), a fronteira de possibilidades de produção e a estrutura
intertemporal (de capital) de produção.
(1) o mercado de "loanable
funds"

Como de praxe, r representa a taxa de juros, S a poupança e
I o investimento. Poupar, na Macroeconomia da Estrutura de Capital, significa,
mais do que qualquer outra coisa, acumular poder de compra para ser exercido no
futuro. Assim, S representa a curva de oferta e I a de demanda de fundos para
empréstimos. É a conhecida decisão intertemporal entre consumir agora ou
esforçar-se, poupando, para poder consumir mais no futuro. Na teoria austríaca,
a taxa de juros é o elemento que coordena as escolhas intertemporais dos
indivíduos.
Se ela for considerada alta, haverá estímulos a poupar e se
for encarada como baixa, o consumo é que será encorajado. No gráfico acima, a
taxa de juros "de equilíbrio", equivalente à taxa natural de Wicksell, é aquela
que proporcionaria perfeita coordenação entre os planos de poupar, ou seja, de
adiar o consumo agora em troca de maiores possibilidades de consumir no futuro,
com a demanda de bens de capital, refletida na curva de investimento.
(2) a fronteira de possibilidades de produção (FPP)
A FPP (ou Curva de Transformação) é uma velha conhecida de
todos os que frequentaram cursos introdutórios de economia. Se, para
simplificar, só existirem dois bens (C, bem de consumo e I, bem de capital), a
taxa marginal de substituição técnica, que nos indica a quantas unidades de um
dos bens devemos renunciar para ter acesso a uma unidade do outro, é
decrescente: para produzir unidades adicionais (iguais) de bens de capital será
necessário renunciar à produção de quantidades cada vez maiores de bens de
consumo. E o crescimento da economia requer sempre incrementos na produção de
bens de capital, ou seja, investimentos. Se a economia está sobre a FPP podemos
considerar que está operando em pleno emprego ou, mais modernamente, no nível
"natural" de emprego
O investimento é medido em termos brutos (manutenção e
expansão de capital). Em algum ponto da FPP - denominado de "ponto de
estacionaridade" ou "no-growth" - o investimento bruto será igual ao montante
para cobrir a depreciação, sem investimento líquido, isto é, teremos uma
economia estacionária. É interessante observarmos que, no gráfico seguinte, à
direita do ponto de no-growth ocorre expansão da FPP (maior eficiência) e à sua
esquerda uma contração da FPP (perda de eficiência).

(3) a estrutura intertemporal de produção
Este terceiro elemento, infelizmente, é desconhecido pela
grande maioria dos economistas, porque é característico da Escola Austríaca.
Trata-se da estrutura de capital ou estrutura intertemporal de produção ou,
ainda, dos triângulos de Hayek.
Nos modelos macroeconômicos, que não levam em conta essa
estrutura intertemporal, o intervalo de tempo entre o início da produção de um
bem e a sua chegada à loja em que será vendido para o consumidor final é zero,
ou seja, esses modelos não levam em consideração o tempo que decorre entre o
início da produção e cada estágio sucessivo na cadeia de produção, até que, sob
a forma de um bem final (ou bem de primeira ordem na nomenclatura de Menger),
seja colocado à venda.
Mas, como ensinam os austríacos, especialmente depois de
Böhm-Bawerk, esse tempo é muito relevante. A estrutura de produção ou de
capital possui duas dimensões: valor e tempo, em que o último é contado da
esquerda para a direita e o primeiro é representado pela altura observada no
eixo das ordenadas em cada estágio de produção. Há três possíveis
desdobramentos:
(a) o primeiro é o
consumo instantâneo (continuous-input/point-output)
(b) o segundo é o consumo
não instantâneo (continuous-input/continuous output), como foi observado por
William Stanley Jevons.
(c) o terceiro é a
combinação de produção e consumo instantâneos (pointinput/
point-output).
Nos três casos, a taxa de juros é a inclinação da estrutura
de produção, também denominada de "Triângulo de Hayek".
A MACROECONOMIA DA ESTRUTURA DE CAPITAL
Resulta da combinação em um único diagrama dos três gráficos
acima, ou seja, do mercado de fundos para empréstimos, da fronteira de
possibilidades de produção e da estrutura intertemporal de produção.
No gráfico acima, supomos que a economia está em seu nível
natural; que os investimentos são apenas suficientes para compensar a
depreciação do capital, não havendo investimento líquido; que o consumo
mantém-se no nível da FPP e que a poupança situa-se em um montante estritamente necessário
para financiar o investimento bruto.
Como vimos, a taxa de juros reflete as preferências
intertemporais dos agentes do mercado e determina a inclinação da estrutura de
produção. Essas interpretações de "steady-state" equivalem à "evenly rotating
economy" (economia uniformemente circular) de Mises e permitem analisar o
crescimento secular (sustentado) e as flutuações cíclicas, estabelecendo
interessantes comparações com a macroeconomia convencional, tanto os modelos de
inspiração keynesiana quanto os de corte neoclássico ou "monetarista".
Pontos de contraste com a macroeconomia usual
(a) os gráficos
não incluem o mercado monetário explicitamente, pois, para os "austríacos", a
moeda é uma "loose joint" ou junta frouxa. Na verdade, a variável "moeda" está
em todos os eixos do diagrama e, além disso, o fato de não a incluirmos
explicitamente não significa que estamos ignorando as importantes considerações
monetárias. A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, a despeito de explicitar
apenas a poupança, o consumo, o investimento e o tempo de produção, é uma
teoria monetária dos ciclos. Em outras palavras, os ciclos econômicos são
fenômenos reais, que se manifestam por oscilações no emprego de fatores e na
produção, porém são provocados por fenômenos monetários, vale dizer, por um
excesso de moeda que, durante algum tempo, é interpretado como um incremento na
disposição de poupar.
(b) os gráficos
não incluem variações no nível de preços, o que não significa negar as verdades
essenciais da Teoria Quantitativa da Moeda, das quais a principal é que a
inflação, no longo prazo, é um fenômeno monetário. A Macroeconomia da Estrutura
de Capital apenas frisa veementemente que a alocação intertemporal de capital
não é governada por variações no nível de preços, mas sim por variações nos
preços relativos dentro da estrutura de capital. E que a moeda, portanto, não é
"neutra", exatamente porque variações em sua quantidade afetam os preços
relativos e, portanto, o setor real da economia.
Neste sentido, vale lembrar que, no contexto conhecido do
modelo IS-LM, de inspiração keynesiana, os impactos da moeda sobre o setor
real, quando são levados em consideração, dão-se através do efeito-riqueza ou
efeito-Pigou, enquanto que, para os austríacos, além desse efeito, há outro,
certamente mais importante e significativo, que é aquele que as variações
monetárias provocam sobre a realocação de capital ao longo da estrutura de
produção.
(c) os gráficos
não incluem o mercado de trabalho, pois a MEC não enfatiza apenas esse mercado,
como a macroeconomia o faz. Mas lembremo-nos de que as variações na taxa de
juros afetam diferentemente a demanda de trabalho em cada estágio. Além disso,
podemos desenhar diagramas auxiliares, um para cada estágio, incorporando o
mercado de trabalho específico a cada um deles. O mundo real, não é "macro", é
"micro".
A macroeconomia do crescimento secular

O crescimento secular acontece, teoricamente, sem ser
provocado por políticas, avanços tecnológicos ou variações nas preferências
intertemporais. Nele, por definição, os investimentos brutos aumentam de
estritamente modo suficiente para manter o estoque de capital e para acumular
capital. Com o aumento das rendas, a poupança aumenta e o investimento bruto
também, em proporções tais que a taxa de juros mantém-se constante.
Embora historicamente os aumentos na riqueza provoquem queda
nas preferências intertemporais, ou seja, aumento da poupança, o que reduz a
taxa de juros, o tratamento de Garrison abstrai-se desse efeito.
Se a taxa de juros permanece constante, as hipotenusas dos
triângulos de Hayek são paralelas, isto é, a taxa de juros aloca recursos entre
os estágios de modo a alterar o tamanho, mas não os profits intertemporais da
estrutura de capital. E o que dizer sobre a moeda e o nível geral de preços? Se
MV=PY, dados M e V, como preconiza a versão de Irving Fisher da Teoria
Quantitativa da Moeda, como C e I aumentam (C + I = Y), isso significa que o
nível geral de preços deve cair. É o caso conhecido como deflação secular.
Em uma economia em crescimento secular, o equilíbrio costuma
requerer preços e salários mais baixos; e esses ajustamentos nos preços e
salários se dão nos mercados particulares em que o crescimento em si ocorre. O
resultado é que a média dos preços (o nível geral de preços) cai.
É necessário identificar como o processo de mercado
funciona, para distinguir entre o crescimento econômico salutar, induzido por
poupança e auto-sustentado, e os booms artificiais, induzidos por políticas de
expansão da demanda e intrinsecamente não sustentáveis ao longo do tempo, o que
faremos a seguir.
Crescimento sustentado e crescimento não sustentado
1. Progresso
tecnológico e maior dotação de recursos
Neste caso, a FPP desloca-se para cima (possivelmente, sua
forma também muda, dependendo da natureza específica da mudança tecnológica). A
demanda de investimentos desloca-se para a direita, na medida em que as
empresas dão-se conta de que podem beneficiar-se com a nova tecnologia. As
rendas maiores resultantes deslocam a oferta de poupança também para a direita.
O efeito sobre a taxa de juros é indeterminado, pois depende das magnitudes dos
deslocamentos que se verificam nas duas curvas. O progresso tecnológico aumenta
o potencial dos recursos disponíveis para investimentos. Na terminologia antiga
dos clássicos, aumenta o fundo de subsistência.
No gráfico anterior, o progresso tecnológico é neutro em
relação à taxa de juros, o que explica que as duas estruturas de produção são
paralelas.
Há dois casos possíveis de progresso tecnológico:
(1) ele afeta todos os estágios de produção direta e
proporcionalmente, não havendo, neste caso, realocação de recursos entre os
estágios.
(2) ele surge ou é se manifesta em um ou em alguns estágios
da estrutura de produção. Neste caso, a demanda de investimentos aumenta à
medida que os produtores tentam obter vantagens da nova tecnologia que afeta
diretamente um estágio, digamos, precursor. A taxa de juros aumenta e, como o progresso
tecnológico ocorreu em um estágio inicial de produção, o consumo não aumenta
imediatamente (por existir um "bias" inicial, em que o investimento aumenta,
mas o consumo permanece constante). Mas o aumento na taxa de juros faz com que
os recursos não envolvidos diretamente na adoção da nova tecnologia sejam
realocados em direção aos estágios mais avançados, o que faz o consumo
aumentar. À medida que as rendas aumentam (devido ao aumento nos
investimentos), então a poupança também aumenta e a taxa de juros volta ao
nível inicial.
Nos dois casos, a trajetória de crescimento da economia
aumenta e permanece no novo nível: o crescimento é sustentado. A mudança
tecnológica, isto é, nas realidades econômicas, altera a trajetória de
crescimento e o processo de mercado transforma o progresso tecnológico em uma
nova trajetória de crescimento. E não há nada na natureza do processo de
mercado que altere de novo a trajetória.
No entanto, há três observações importantes a fazer: a
primeira é que se a poupança subir de modo não suficiente (por exemplo, no caso
dos preços dos bens de consumo subirem muito, exigindo uma porção maior das
rendas), a estrutura de produção será puxada de volta e, em termos líquidos, a
taxa de juros aumentará. A segunda é que se o progresso tecnológico ocorrer em
um estágio da cadeia produtiva próximo ao consumo, este ficará satisfeito, a
poupança aumentará e a taxa de juros, por conseguinte, cairá. E a terceira é
que os efeitos de um aumento na dotação de recursos são similares aos do progresso
tecnológico.
2. Mudanças nas
preferências intertemporais

Suponhamos que aumente a frugalidade ou parcimônia. Na
macroeconomia convencional, que se baseia no mercado de trabalho, o consumo
presente e o consumo futuro são complementares, mas, na Macroeconomia da
Estrutura de Capital, eles são substitutos. Daí a expressão SUFS-saving-up-for
something.
Se as preferências intertemporais aumentarem a poupança, o
que fará o processo de mercado? Se seguirmos Keynes, o consumo presente cairá
e, logo, o consumo futuro também cairá e teremos falhas de coordenação no
processo de mercado. Mas Keynes estava errado, de acordo com a MEC!
A poupança se desloca para a direita; logo, a taxa de juros
cai. Na Fronteira de Possibilidades de Produção, os recursos liberados pela
queda no consumo vão aumentar o investimento. Não há efeitos-renda
significantes na oferta de loanable funds. Se o consumo caísse sem que o
investimento aumentasse, então as rendas cairiam e a poupança se deslocaria
para a esquerda, o que poderia anular o crescimento. Nesse caso, o "paradoxo da
poupança" de Keynes estaria correto: um aumento na poupança aumentaria a taxa
de crescimento, mas a queda na renda reduziria os gastos, o que geraria
pessimismo e reduziria o investimento.
Na Macroeconomia da Estrutura de Capital o processo de
mercado funciona desde que prestemos a devida atenção à estrutura intertemporal
de produção: se a taxa de juros cai em decorrência de um aumento na
frugalidade, então haverá um "alongamento" da estrutura de produção, ou seja,
um incentivo a investimentos nos estágios iniciais (de longo prazo) da
estrutura de produção, como no gráfico abaixo:

Reestruturação de capital (com ajustamentos auxiliares no
mercado de trabalho)

O aumento na poupança produz dois efeitos separados sobre a
demanda de trabalho, considerando-se os dois conceitos básicos de demanda
derivada e de desconto no tempo:
(a) a demanda de trabalho é uma demanda derivada; logo,
quando o consumo cai, ela também cai proporcionalmente nos setores que produzem
os bens de consumo;
(b) o trabalho é valorado a uma taxa de desconto; logo,
quando a taxa de juros cai, o desconto também cai, o que aumenta o valor do
trabalho nos setores que produzem os bens de capital.
Os dois efeitos operam em sentidos opostos e, conjuntamente,
mudam a forma do triângulo de Hayek. A interseção das duas hipotenusas
representa o ponto em que os dois efeitos se contrabalançam. Nos estágios à
direita, cai a demanda de trabalho, o que diminui os salários. O efeito-Ricardo
reduz a oferta de trabalho, o que eleva os salários até o nível inicial. Nos
estágios à esquerda, sobe a demanda de trabalho, o que eleva os salários. Como
esses setores estão em expansão, o efeito-Ricardo aumentará a oferta de
trabalho, fazendo com que o salário caia até o nível inicial. Em um estágio
recentemente criado (bem à esquerda), antes, a oferta e a demanda de trabalho
se interceptavam a um nível de emprego negativo, mas, agora, algum emprego é
ofertado e demandado. O fator trabalho, na análise, é tratado como não-específico, isto é,
sua oferta de curto prazo é crescente e sua oferta de longo prazo é inelástica.
Duas qualificações são agora importantes:
(1ª) as habilidades que tornam o trabalho específico são
classificadas como capital humano e integram a estrutura de capital
propriamente dita (essa mão de obra é fixa, pois seus salários sobem ou caem
dependendo do estágio);
(2ª) os gráficos auxiliares representando os movimentos do
trabalho não-específico podem também representar os movimentos do capital não-específico.
Em geral, para qualquer dado estágio de produção, os fatores específicos
obedecem a ajustamentos via preços ("neoclássicos") e os não- específicos a
ajustamentos via quantidades ("keynesianos").
Por conveniência, a análise gráfica considera apenas o
trabalho não-específico. Quando a taxa de juros cai, aumentam os preços dos
fatores empregados nos estágios iniciais e esse aumento é permanente para os
fatores específicos e transitórios para os não-específicos. Observemos a
importância nesta análise não apenas do efeito-Ricardo, mas também da 4ª
proposição fundamental de J. S. Mill, que sugere que as variações na taxa de
juros afetam a composição do emprego, mas não a sua magnitude.
A MACROECONOMIA DOS
"BOOMS" E "BUSTS" (AUSTRIAN BUSINESS CYCLES THEORY - ABCT)
A MEC identifica as diferenças essenciais entre crescimento
genuíno e boom artificial, que derivam dos papéis diferentes desempenhados
pelos poupadores e pelas autoridades monetárias. Por quê? Há três motivações
para ressaltarmos a importância das considerações de natureza monetária:
1. As variações de preços relativos que iniciam o "boom"
derivam da expansão monetária; o foco não é a variação na quantidade de moeda
ou as consequentes variações no "nível de preços", mas o ponto de entrada da
moeda nova;
2. A moeda é uma loose joint, uma "junta frouxa".
3. As variações na demanda de moeda não são importantes na
ABCT, pois a oferta de "loanable funds" inclui a oferta de poupança criada pelo
Banco Central. Os três instrumentos clássicos da política monetária
(redesconto, recolhimento compulsório e operações de mercado aberto) têm uma
característica comum: são simples meios de aumentar o crédito.
Desde Ragnar Frisch (1933), considera-se que os ciclos têm
duas características: impulso e propagação. Na ABCT, o impulso é a moeda, via
variações nos preços relativos afetando a estrutura de produção, e esse impulso
é provocado pela característica de "looseness" (frouxidão) inerente às trocas
indiretas; a propagação é constituída pelos efeitos dessas alterações nos
preços relativos sobre o setor real da economia.
"Boom" e bust (desequilíbrio intertemporal induzido pela política
monetária)

Existe agora um conflito entre poupança e investimento, pois
os dois movem-se em sentidos opostos: a expansão do crédito reduziu a taxa de
juros, o que diminuiu também a poupança e aumentou o investimento, levando-o
para a direita da FPP. E, na FPP, a queda na poupança significa que o consumo aumentou,
sendo levado para o norte da FPP. Logo, o consumo e também o investimento
cresceram, o que significa overproduction de ambas as categorias de bens.
O "gap" entre a poupança e o investimejto no mercado de
"loanable funds" transfere para a FPP um cabo-de-guerra (com a corda curta),
entre consumidores e investidores. Quem ganha? No início, são os investidores,
pois eles têm mais corda para puxar, que é a taxa de juros menor.
Este cabo-de-guerra empurra o triângulo de Hayek para dois
sentidos: o investimento e o consumo aumentam, com encolhimentos nos setores do
meio da estrutura de produção, o que é um sinal da não sustentabilidade do
"boom". Os vetores de oferta e de demanda agregadas se desequilibram. A linha
pontilhada à direita mostra que a reestruturação não pode ser finalizada: a
escassez de recursos e um contínuo aumento nas demandas dos bens de consumo
transformam o "boom" em "bust"! As expectativas, que são endógenas por
excelência, mudam.
Quando a taxa de juros aumenta, muitos projetos de longo
prazo são abandonados ou parcialmente cortados, o que gera desemprego nesses
setores, tanto de trabalho quanto de capital. Isto reduz as rendas, o que por
sua vez reduz os gastos, levando a economia de volta, em direção à FPP. A
economia cruza a FPP e chega a um ponto em que o investimento é maior e o
consumo é menor em relação ao mix original.
Se os investidores ganhassem o cabo-de-guerra, a economia
iria para o ponto B, refletindo o aumento nos loanable funds. O componente
vertical desse movimento ao longo da FPP representa o limite superior da
poupança forçada: recursos indo para os estágios mais afastados. O componente
horizontal representa o sobreinvestimento que corresponde a esse nível de
poupança forçada.
Se, por sua vez, os consumidores ganhassem o cabo-de-guerra,
a economia iria, ao longo de FPP, para uma trajetória contrária ao movimento
dos ponteiros do relógio, refletindo integralmente o decréscimo na poupança
induzido pela política. O componente vertical desse movimento ao longo da FPP
representa o limite superior do sobreconsumo correspondente.
A atual poupança forçada e o atual sobreinvestimento, ambos
gerados pela expansão monetária, são menores do que a poupança genuína e o
investimento sustentado associados a uma redução nas preferências
intertemporais, ou seja, a uma atitude de maior parcimônia.
Não há nada que possa prevenir a espiral decrescente depois
que a trajetória de ajustamento cruza a FPP: as rendas e os gastos caem, o que
leva a economia para dentro da FPP. Isto ainda se agravará se a oferta e a
demanda de fundos se deslocarem para a esquerda, o que pode acontecer se os
poupadores desejarem ficar mais líquidos e os investidores perderem a confiança
na economia. Esse aumento na "preferência pela liquidez" não é psicológico,
como sustentava Keynes na Teoria Geral: é simples aversão ao risco!
Hayek chamou a essa "spiraling downward" de deflação
secundária, pois o primeiro problema - o básico - foi a má alocação
intertemporal de recursos, que Mises chamava de malinvestment.
Generalização da teoria

Nas transferências para os consumidores feitas pelo governo
(transfer expansion), há um viés pró-consumo: os recursos vão dos estágios
afastados para os mais próximos ao consumo final, mas esse movimento é limitado
pelas especificidades do capital. Então, a demanda de fundos cresce para expandir
as atividades nos estágios de consumo, o que faz consumo e investimento
subirem, com o primeiro subindo mais do que o segundo. A economia volta-se para a
esquerda, para além da FPP e a taxa de juros sobe artificialmente, provocando
uma recessão, mas com uma diferença: os investimentos nos estágios de ordens
menores são liquidados mais facilmente do que os iniciados em estágios de ordens
mais elevadas. Por isso, uma expansão via transferências é menos grave nos seus
efeitos finais do que uma expansão via crédito. Em uma expansão neutra, a gravidade é
ainda menor, já que não há descoordenação intertemporal sistemática. O caso mais
importante, no mundo real, é o da expansão via crédito.
Elasticidade das expectativas e "lags structure" (estrutura de
defasagens)
O mercado funciona, mas não instantaneamente!
Garrison trabalha com duas hipóteses:
(1ª) preços, salários e juros comunicam informações sobre as
realidades da economia;
(2ª) os participantes não têm informações suficientes sobre
essas realidades, a ponto de tornar irrelevante a comunicação das informações
pelos preços, salários e taxa de juros.
Qual o efeito de uma variação de preço (ou salário, ou
juros) sobre as expectativas em relação a esse preço? Hicks, em 1939, nos deu a
terminologia: por exemplo, se a taxa de juros cair (via aumento na poupança ou
no estoque de moeda), ela permanecerá no novo nível, cairá mais ainda ou
voltará ao nível inicial? Em outras palavras, a elasticidade das expectativas
será igual a 1, maior do que 1 ou menor do que 1, respectivamente?
A resposta depende das percepções dos entrepreneurs e do
mercado em geral sobre a natureza da queda na taxa de juros. Para que o mercado
não seja enganado pela menor taxa de juros provocada pela expansão monetária, a
elasticidade das expectativas em relação à taxa de juros deve ser zero.
A idéia de que o Banco Central não pode, mesmo no curto
prazo, reduzir a taxa de juros é tão implausível quanto a de que ele pode
iludir completamente a economia de forma permanente. Tal como o "problema da
extração do sinal" da Teoria de Expectativas Racionais (as variações no preço
são locais ou globais?), na Teoria Austríaca, os participantes dos mercados não
podem identificar instantaneamente se a queda na taxa de juros é definitiva
(induzida por maior frugalidade) ou temporária (induzida pelo aumento na
quantidade de moeda ou "poupança forçada"). Há um paralelo entre Lucas e Hayek:
as elasticidades das expectativas são maiores do que zero para ambas as escolas
(em paralelo à "Curva de Oferta de Lucas", pode-se imaginar uma "Curva de
Demanda de Hayek" para inputs nos estágios mais afastados do consumo final).
Portanto, os participantes podem ser enganados apenas
temporariamente pelas autoridades monetárias e as expectativas sobre a taxa de
juros são bastante misturadas e mal formadas. As questões abertas para
discussão passam a ser: como os agentes são enganados? Em que extensão? E por
quanto tempo?
As expectativas quanto à taxa de juros, misturadas e
confusas na hora em que essa variável cai, mudarão com as experiências
cumulativas dos mercados, que surgirão certamente como resultado dessa queda.
Elas são, portanto, endógenas.
Quanto tempo as novas realidades da economia levarão para
serem inteiramente refletidas nas expectativas?
Se o lag é curto, então os "booms" artificiais e as crises
subseqüentes são de pequena importância e todas as reduções prolongadas na taxa
de juros são vistas como reais e geram maior taxa de crescimento.
Se o lag é longo, então a distinção entre "boom" genuíno e
artificial é, ela própria, artificial.
O problema central de uma teoria dos ciclos econômicos é o
de assegurar um lag intermediário que seja longo o suficiente para permitir um
"boom" e curto o suficiente para impedir que ele mature em crescimento real.
Tal como as expectativas, os lags não são, na Teoria Austríaca, exógenos: são
endógenos. Espelham-se na estrutura de produção.
A ABCT não é uma teoria de sobreinvestimento: é de maus
investimentos! E são esses maus investimentos que transformam o boom em bust. E
é o processo de mercado, muito mais do que hipóteses sobre expectativas e
elasticidades existentes no início dos booms, que importa! A crise mundial que
explodiu no segundo semestre de 2008 é uma prova dessa afirmativa, de acordo
com a Macroeconomia da Estrutura de Capital.
O triângulo de Hayek abstrai-se de complexidades existentes
na estrutura de capital, que o tornam, no mundo real, não-linear: feedback
loops, múltiplas alternativas para os inputs e múltiplos usos para os outputs.
Essas complexidades são a regra, não a exceção. A idéia de que os empreendedores
sabem o suficiente a respeito de suas respectivas posições no triângulo para
fazerem um "hedge" contra o Banco Central e, assim, anularem o processo, é
implausível, mas também é implausível que eles não tenham qualquer idéia de
onde estão no triângulo, ou seja, na complexa estrutura de produção da
economia. Isto negaria as soluções de mercado.
A alocação intertemporal de recursos requer:
(a) um conhecimento das informações disponíveis e das
relações de cada agente com o resto da economia;
(b) um acompanhamento permanente do mercado, para verificar
acertos ou erros e ajustar as expectativas.
Portanto, é o processo de mercado que transforma uma mudança
nas preferências intertemporais em crescimento sustentado e um distúrbio
monetário em uma crise e ciclo. O lag que Hicks e outros tantos procuraram não
é nada mais nada menos do que o reconhecimento de que o processo de mercado
opera ao longo do tempo, não sendo, portanto, instantâneo.
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