Quando
eu era estudante de economia, uma das tarefas mais difíceis sempre foi a de
entender a relação exata entre gastos com consumo, poupança e
prosperidade. Ainda na graduação, fui
alimentado com a teoria padrão fornecida pelas curvas IS/LM, que diz que o
consumo é a força motriz da produção. Essa
teoria padrão pode ser resumida em algumas frases curtas, utilizando alguns
"fatos" óbvios sobre o funcionamento do sistema econômico.
1. Empresas irão contratar
trabalhadores e produzir coisas se, e somente se, elas esperarem com isso poder
gerar receitas de venda suficientes para a) cobrir seus custos operacionais e
b) obter alguma taxa de lucro.
2. As indústrias produtoras de bens de
capital irão ajustar seus planos de produção de acordo com a demanda vivenciada
pelas indústrias de bens de consumo.
Caso a demanda por bens de consumo diminua, qualquer que seja o motivo,
as empresas irão reduzir sua produção e demitir empregados.
3. Durante períodos de crise econômica,
diz-se que uma redução dos salários não será benéfica para o sistema econômico
como um todo porque salários menores significam menores gastos com bens de
consumo, o que agravaria ainda mais a crise.
4. A cura para tudo, diz-se, deve advir
do aumento dos gastos públicos. Tal
aumento deve ser financiado por déficits orçamentários em conjunto com o
aumento da oferta monetária e da expansão do crédito.
O
propósito desse artigo é mostrar a exata relação entre gastos com consumo,
poupança, acumulação de capital e prosperidade.
Será mostrado que o consumo em termos reais, bem como gastos com consumo
expressos em termos monetários, não são a causa, mas, sim, um efeito de uma
maior poupança e de uma maior acumulação de capital.
Demanda por bens não é demanda por
mão-de-obra
Com
o intuito de reconhecer a falácia da teoria padrão da maneira mais clara
possível, é preciso antes estabelecermos uma conexão correta entre a demanda
por bens de consumo e todas as outras atividades econômicas, particularmente, é
claro, a demanda por mão-de-obra.
O
primeiro passo nessa análise é entender a seguinte e simples observação: esses
dois fenômenos, a saber, a compra de bens de consumo e a demanda por
mão-de-obra, representam dois eventos fisicamente separados. Isto é, quando alguém compra um bem de
consumo, essa pessoa não está comprando simultaneamente mais nada além do bem
de consumo em questão. Em particular,
não se está comprando ao mesmo tempo mão-de-obra ou bens de capital. A pessoa está comprando apenas um bem de
consumo. É importante, nessa etapa da
análise, deixar de lado todas as outras possíveis consequências futuras dessa
compra inicial, e manter o foco no simples fato de que a demanda por bens de
consumo e, aqui, a demanda por mão-de-obra, constituem dois eventos
separados. Dizer que a demanda por bens
de consumo deve ser vista e analisada separadamente não é o mesmo que de alguma
forma desconsiderar o papel do consumidor ou da demanda do consumidor. Ninguém nega o fato de que a compra de bens de
consumo tenha consequências econômicas importantes para o processo de produção
em questão. Porém, com o intuito de se
chegar a uma fotografia nítida das relações funcionais presentes nesse
processo, é indispensável levar em consideração a separação lógica dos dois
eventos.
Ademais,
também é importante entender que quando alguém demanda bens de consumo, no
sentido de se gastar uma quantia definida de dinheiro nele, este algum está
reduzindo sua capacidade de demandar, digamos, serviços de mão-de-obra. Este, obviamente, é um claro exemplo de
escassez. Se eu gastar toda a minha
renda mensal em, por exemplo, jogos, eu não terei como comprar outras
coisas. O mesmo tipo de escassez se
aplica com igual intensidade a um sistema econômico complexo, com a única diferença
sendo que, o fator restringente nesse sistema econômico como um todo será a
quantidade de dinheiro e o volume de gastos.
Mesmo
em um sistema monetário em que a quantidade de dinheiro pode ser expandida
rapidamente, a lógica da escassez se aplica com a mesma intensidade. O ato de ter de se decidir entre demanda por
bens e demanda por serviços de
mão-de-obra já pressupõe a existência de escassez, independentemente de quão
rapidamente a oferta monetária possa aumentar.
À
luz da simples análise acima, é possível tirarmos conclusões importantes. Afirmar, por exemplo, que a causa do problema
do desemprego — e, consequentemente, sua solução — é uma insuficiente demanda
por bens de consumo, significa cometer uma falácia lógica elementar. Mais ainda: significa estar afirmando que a
demanda por bens de consumo de certa forma incorpora a demanda por mão-de-obra;
que, no exato momento em que alguém compra um bem de consumo, esse alguém está
também comprando serviços de mão-de-obra.
Ou, colocando mais precisamente, tudo isso significa dizer que a demanda
por bens de consumo envolve mais do que apenas isso, o que seria uma
impossibilidade lógica.
O conceito do gasto produtivo
A
existência de demandas distintas por bens de consumo, bens de capital e
serviços de mão-de-obra, respectivamente, nos permite fazer uma distinção
estrita entre os dois tipos de gasto que existem na economia de mercado. O primeiro tipo pode ser chamado de gastos com consumo, e está relacionado à
demanda por bens de consumo. O segundo tipo
pode ser chamado de gastos produtivos,
e está relacionado aos gastos feitos por empresas e indústrias com a compra de
bens de capital e serviços de mão-de-obra.
Uma característica distinta dos gastos produtivos é que eles,
obviamente, devem ser feitos com fundos que foram anteriormente poupados —
isto é, que não foram gastos na compra de bens de consumo.
Observe
— e este é outro ponto importante — a diferença crucial entre os dois tipos
de gastos. Do ponto de vista do
consumidor, o dinheiro que ele gasta na compra de bens de consumo vai embora, e
os bens de consumo que foram comprados, tão logo eles estejam fisicamente
extintos ou de alguma forma deixem de ter serventia ao consumidor, devem ser
novamente adquiridos. Para que possa
comprar os bens e serviços de que necessita, o consumidor deve ter uma fonte de
renda monetária. Esta é uma
característica distinta dos gastos com consumo: eles dependem de fontes
externas.
Já
os gastos produtivos, por outro lado, são feitos por indústrias e empresas com
o propósito específico de trazerem
subsequentes receitas de venda, as quais normalmente superam os custos
monetários incorridos no processo de produção.
Do ponto de vista de um empreendedor, os gastos produtivos constituem um
meio para se obter uma quantia de dinheiro maior do que aquela que foi gasta.
A
poupança e os gastos produtivos, e não os gastos com consumo, são os dois
fatores que constituem a demanda por mão-de-obra e por bens de capital. São eles que permitem alargar e sustentar os
processos de produção capitalista, os quais, por sua vez, possibilitam às
empresas e indústrias aumentarem sua produção e, como consequência, cortar os
custos de seus produtos.
Quanto
maior for a poupança e os gastos produtivos dos empreendedores e dos
capitalistas, maior será a demanda por mão-de-obra e por bens de capital em
relação à demanda por bens de consumo, e maiores serão os salários e a
produtividade da mão-de-obra — essa última por causa da produção e do emprego
de mais bens de capital por trabalhador.
O
surgimento de assalariados em conjunto com uma abundância de bens de consumo a
preços baixos gerou, pela primeira vez na história da humanidade, o fenômeno do
mercado de massas e do consumo em massa. E, como a palavra "massa" sugere, a
esmagadora maioria dos consumidores, e a vasta significância econômica que eles
possuem, representa a recém-criada classe de assalariados. Como já deve estar ficando claro, o consumo
em massa é, na realidade, o efeito, e não a causa, da maior produtividade e
prosperidade — contrariamente ao que pensam os defensores da teoria de que um
baixo nível de consumo é a causa dos males econômicos.
A oferta cria sua própria demanda, e não o contrário. E, principalmente
durante períodos de crise econômica — os quais sempre foram exclusivamente
produto de uma política governamental de inflação monetária e expansão do
crédito —, a medida mais perniciosa que pode ser tomada é aumentar os gastos
do governo em detrimento da poupança e do gasto produtivo.
Isso
significa que principalmente a tributação dos lucros corporativos, das heranças
e da distribuição de dividendos irá confiscar fundos que de outra forma seriam
utilizados para a demanda de bens de capital e mão-de-obra, e desviá-los para
gastos com consumo do governo. Assim,
todos os tipos de gastos públicos elevados desta forma, incluindo-se aí os
projetos com um caráter aparentemente benéfico, como obras públicas, construção
de infraestrutura na forma de rodovias ou meios de comunicação, gastos para
educação e escolas etc., podem apenas contribuir para o aumento do
desemprego.
E
se o gasto governamental for elevado por meio da criação de mais dinheiro, a
única maneira como isso poderá aumentar a demanda por mão-de-obra e bens de
capital não será em decorrência de sua mera existência, mas somente se as adicionais
receitas de venda resultantes desse aumento monetário forem poupadas e
produtivamente gastas por seus recebedores.
Conclusão
O
erro básico dos defensores da teoria de que um baixo nível de consumo é a causa
dos males econômicos está na crença de que a prosperidade está correlacionada
direta e positivamente aos gastos com consumo; na crença de que, ao demandar
bens de consumo, um indivíduo estará, de alguma forma, demandando serviços de
mão-de-obra em conjunto com bens intermediários que contribuem para a produção
do bem final. O erro advém da incapacidade
de identificar as forças que na realidade são as responsáveis pelo consumo em
massa e pelo aumento da prosperidade em termos reais. Tais forças são a poupança e os gastos produtivos
feitos pelas empresas e indústrias.
Com
relação à teoria econômica, é muito importante entender que uma compreensão
correta da relação funcional entre consumo, poupança, gastos produtivos e
prosperidade não pode ser adquirido por meio da ciência econômica
contemporânea, uma vez que esta consegue confundir coisas básicas em tal grau que
a torna praticamente inútil.