quarta-feira, 22 set 2010
N. do T.: com as
notícias cada vez mais constantes sobre fartura de crédito aqui no Brasil para
o setor imobiliário, preços em constante ascensão e, agora, a possibilidade de
utilizar o próprio imóvel para garantir mais empréstimos (ver aqui
e aqui),
vale a pena rever como se deu a bolha imobiliária nos EUA, e tentar aprender com suas lições.
Toda a turbulência gerada nos mercados de crédito americano
e mundial, causada pelo colapso da bolha imobiliária americana, pode ser
entendida à luz da teoria dos ciclos econômicos desenvolvida por Ludwig von
Mises e F.A. Hayek. Esses autores
mostraram que a expansão do crédito distorce o padrão de gastos e de investimentos
no sistema econômico. Essa distorção,
por sua vez, leva a um desperdício de capital (materiais e equipamentos) em
larga escala, gerando prejuízos e, consequentemente, preparando o terreno para
uma subsequente contração do crédito, exatamente o que ocorreu no segundo
semestre de 2007 e que gerou toda a crise em 2008. (Em prol dos leitores não familiarizados com
a expressão, expansão do crédito é a criação de dinheiro pelo sistema bancário
e seu consequente empréstimo a juros artificialmente baixos).
A origem de todo esse problema remonta ao estouro da bolha
formada na bolsa de valores americana no início da década de 2000. Em um esforço para evitar as inevitáveis
consequências deflacionárias de todo estouro de bolha, o Banco Central
americano (o Fed) cortou a taxa básica de juros, reduzindo-a de 6,25% no final de 2000 para
apenas 1% já em 2003.

Esses cortes nos juros foram feitos por meio de várias
injeções de dinheiro criado do nada pelo Banco Central no sistema bancário. A taxa básica de juros é a taxa que os bancos
cobram entre si no mercado interbancário para tomar e conceder empréstimos de dinheiro
que compõe suas reservas monetárias, reservas essas que eles são obrigados pelo
BC a manter em determinado percentual do total de suas contas-correntes. (Ver
mais sobre esse mecanismo aqui).
O dinheiro criado pelo BC cai direto na conta que os bancos
têm junto ao BC. Essa conta forma suas
reservas. Esse contínuo influxo de novas
e adicionais quantidades de dinheiro nas reservas do sistema bancário
possibilitou aos bancos criarem mais contas-correntes, para benefício dos
tomadores de empréstimos. Essas novas
contas-correntes foram criadas em um múltiplo de dez ou mais vezes a quantidade
de novas reservas criadas pelo BC, e possibilitaram a concessão de mais
empréstimos em uma escala correspondentemente maior.
Essa acentuada queda nas taxas de juros particularmente encorajou
os americanos a pegarem empréstimos para financiar a compra de imóveis. A razão para tal foi o forte declínio no valor
do pagamento mensal das hipotecas, resultado do substancial declínio nas taxas
de juros. Veja o gráfico do declínio nos
juros das hipotecas:

As novas contas-correntes criadas eram formadas por dinheiro
criado do nada pelo sistema bancário de reservas fracionárias, e que foi
emprestado para tomadores de empréstimo de histórico duvidoso. O colateral utilizado nesses empréstimos era
o imóvel que o tomador estava adquirindo.
Enquanto esse dinheiro recém-criado ia sendo jogado no
mercado imobiliária a taxas crescentes, os preços dos imóveis subiram e a
maioria das pessoas parecia estar prosperando.
Porém, começando em 2004, e continuando durante todo o ano
de 2005 até a primeira metade de 2006, por medo das consequências
inflacionárias de sua política, o Fed começou a aumentar gradualmente a taxa
básica de juros. Ele fez isso reduzindo
a injeção de dinheiro nas reservas do sistema bancário. Veja a escalada da taxa básica de juros
americana:
Assim que essa política teve êxito em estancar a aceleração
da expansão do crédito que até então estava indo para o mercado imobiliário, os
fundamentos para um aumento contínuo nos preços dos imóveis foram removidos —
pois a redução da expansão do crédito significou uma redução na demanda por
imóveis. Ademais, a redução da expansão do crédito provocou um aumento nos juros das hipotecas:

Como houve de fato uma queda na
expansão do crédito, a demanda por imóveis inevitavelmente teve de cair. Isso porque um dos principais componentes da
demanda por imóveis eram exatamente os fundos gerados pela expansão do crédito. Um declínio nesse componente gerou um
equivalente declínio na demanda geral por imóveis. O declínio na demanda por imóveis foi,
obviamente, seguido de um declínio nos preços dos imóveis.
Os preços dos imóveis também tiveram de cair simplesmente por
causa do repentino aumento da oferta de imóveis a venda: como vários imóveis
haviam sido comprados na expectativa de que seus preços iriam aumentar
continuamente, tão logo ficou comprovado que isso não mais iria acontecer, seus
moradores trataram rapidamente de colocá-las a venda e lucrar o que fosse
possível.
Essa queda na demanda e nos preços dos imóveis deixou a
mostra algo assustador: uma massa de dívida hipotecária que era literalmente
impagável. Ela também revelou uma
correspondente massa de capital mal investido e desperdiçado: o capital
utilizado para conceder os impagáveis empréstimos hipotecários. Não apenas, dinheiro, mas também recursos,
materiais, mão-de-obra, ferramentas — coisas naturalmente escassas — foram
retirados de outros setores e empregados em uma área que se revelou um completo
erro. Houve desperdício de bens que não
mais poderão ser utilizados produtivamente.
A perda dessa vasta quantia de capital acabou por solapar
todo o resto do sistema econômico americano.
Os bancos e outras entidades que concederam tais empréstimos
tornaram-se imediatamente incapazes de continuar com suas operações de
empréstimo na mesma escala de antes — e, em alguns casos, em escala nenhuma. Como seus devedores não mais tinham condições
de quitar seus empréstimos, os bancos ficaram sem fundos com os quais conceder
mais empréstimos ou mesmo renovar os empréstimos pendentes. Pra continuarem operando, os bancos não
apenas não mais podiam continuar concedendo empréstimos no mesmo volume de
antes, como também, em muitos casos, eles próprios tiveram de começar a pedir
empréstimos, com o intuito de cumprir compromissos financeiros assumidos
anteriormente e que agora estavam vencendo.
Consequentemente, gerou-se uma situação em que havia tanto
uma redução da oferta de fundos disponíveis para empréstimo quanto um aumento
na demanda por fundos para empréstimo, situação essa que foi apropriadamente
descrita pela expressão "sufocamento do crédito" (credit crunch).
O fenômeno do sufocamento do crédito foi reforçado pelo fato
de que a expansão do crédito, assim como qualquer outro aumento na quantidade
de dinheiro, acaba por elevar os salários e os preços das matérias-primas. A expansão do crédito, portanto, reduz o
poder de compra de todos os fundos de capital da economia. Isso também gera os mesmos resultados de um
sufocamento tão logo as torneiras da expansão do crédito sejam fechadas. Isso ocorre porque as empresas agora precisam
de mais fundos do que imaginavam precisar para completar seus projetos e, por
isso, precisam pegar mais empréstimos (ou emprestar menos para os bancos) a fim
de obter esses fundos.
(O mesmo fenômeno ocorre em projetos de infraestrutura, para
os quais os custos aumentaram dramaticamente ao longo dos anos, o que fez com
somas correspondentemente maiores de capital passassem a ser necessárias para
completar os mesmos projetos.)
Ademais, o declínio que inevitavelmente ocorre no mercado de
ações e no mercado de títulos privados após a expansão do crédito ser
interrompida gera uma redução nos ativos disponíveis para o financiamento de
atividades empreendedoriais, o que só faz aumentar o fenômeno do sufocamento do
crédito.
A situação americana foi essencialmente similar a todos os
episódios anteriores de ciclos econômicos criados pela expansão do crédito. A única diferença é que, no caso americano, a
expansão do crédito alimentou um aumento da demanda por imóveis e, ao mesmo
tempo, a maioria dos fundos de capital criados por essa expansão do crédito foi
investida em imóveis. Tão logo a demanda
por imóveis caiu — como resultado da redução da expansão do crédito —, a
maior parte dos fundos de capital investidos no setor imobiliário revelou-se um
investimento errôneo.
Na maioria dos ciclos econômicos anteriores, a expansão do
crédito alimentava uma demanda adicional por bens de capital, e grande parte
dos fundos de capital criados pela expansão do crédito era investida na
produção de bens de capital. Quando a
expansão do crédito se reduzia, a demanda por bens de capital caía, e grande
parte dos fundos de capital investidos na produção de bens de capital acabava
se revelando um investimento errôneo.
Em todos os exemplos de expansão do crédito, o fator que
está sempre presente é a introdução no sistema econômico de uma grande massa de
fundos de capital que, enquanto dura, tem a aparência de riqueza real e fornece
a base para um acentuado aumento no poder de compra e um correspondente aumento
nos preços dos ativos. Infelizmente,
assim que a expansão do crédito que criou esses fundos de capital diminui, as bases
para a lucratividade dos fundos até então criados pela expansão do crédito são
extintas. Isso ocorre porque esses
fundos são normalmente investidos em projetos cuja lucratividade depende de uma
demanda que só pode ser mantida pela contínua expansão do crédito.
Após a expansão do crédito ser interrompida, tanto hoje
quanto no passado, o sistema econômico sofre uma real implosão do crédito e dos
gastos. A massa de fundos de capital
jogada no sistema econômico pela expansão do crédito rapidamente começa a se
evaporar (os hedge funds da Bear Stearns e o Lehman Brothers foram um ótimo
exemplo), com o potencial de aniquilar outros fundos de capital já existentes
na economia.
Como consequência do sufocamento do crédito, empresas com
dívidas vincendas simplesmente se tornam incapazes de pagá-las. Elas não conseguem renovar os empréstimos que
pegaram e nem substituí-los. Essas
empresas se tornam insolventes e vão à falência. Tentativas governamentais de se aliviar as
condições de tais empresas podem facilmente precipitar um processo de contração
financeira e deflação.
Isso ocorre porque a iminência da incapacidade de se honrar
as dívidas leva a um aumento na demanda por dinheiro em caixa. As empresas precisam elevar seu efetivo em
caixa com o intuito de ter os fundos necessários para quitar as dívidas que
estão para vencer. Elas não mais podem
contar com a facilidade de obter tais fundos de maneira fácil e lucrativa por
meio de empréstimos junto ao sistema bancário — o que elas faziam durante o
período da expansão do crédito. Tampouco
elas serão capazes de lucrativamente obter fundos vendendo títulos ou outros
ativos em sua posse. Assim, além da
quantidade qualquer de fundos que elas venham a obter de tal forma, elas devem
também tentar acumular fundos reduzindo seus gastos. Essa redução nos gastos, entretanto, gera uma
redução nas receitas e nos lucros de todo o sistema econômico, o que reduz
ainda mais — e agora de forma generalizada — a capacidade de pagamento das
dívidas de toda a economia.
Se tal processo de insolvência gerar um processo de
falências bancárias — como houve nos EUA —, a quantidade de dinheiro no
sistema econômico será reduzida, pois o dinheiro eletrônico criado pelo sistema
bancário de reservas fracionárias desaparece junto com os bancos. É como se tal dinheiro assumisse a forma de
títulos podres que ninguém aceita como pagamento em troca de bens e serviços.
Declínios na quantidade de dinheiro, e no volume de gastos
que depende em parte da quantidade de dinheiro que sumiu, resultam em mais
falências e mais quebras bancárias, o que por sua vez gera ainda mais declínios
na quantidade de dinheiro, bem como mais aumentos na demanda por dinheiro em
caixa. Foi assim que ocorreu na Grande
Depressão de 1929-1933.
Dados os poderes ilimitados que o Fed tem hoje para a
criação de dinheiro, tal deflação da oferta monetária foi evitada, ao custo de
uma injeção de mais de um trilhão de dólares no sistema bancário, o que dobrou
a base monetária. Como explicou Gary North,
Isso significa que os
bancos comerciais americanos estão hoje legalmente autorizados a dobrar seu
número de empréstimos, algo que iria dobrar a oferta monetária. Mas os banqueiros estão tão assustados com o
atual estado da economia que eles têm se recusado a emprestar. Eles voluntariamente têm preferido deixar
todo o seu excesso de reservas depositado junto ao Fed, valor esse que chega a
US$ 1,2 trilhão. É isso que tem
contrabalanceado o aumento da base monetária feito pelo Fed.
O provável resultado futuro, tão logo esse dinheiro começar
a ser liberado pelo sistema bancário, será um aumento nos gastos e nos preços
de todos os bens, em um grau de magnitude suficiente para superar mesmo o
extremante poderoso ímpeto de contração e deflação gerado como resultado do
estouro da bolha imobiliária.
Outro resultado do estouro da bolha, este já implementado
quase que em sua totalidade, foi a promulgação de ainda mais leis e
regulamentações sobre a atividade financeira.
Ignorantes em relação ao papel essencial desempenhado pela expansão do
crédito e ao papel do governo na ocorrência dessa expansão creditícia, os
políticos e a mídia iniciaram uma implacável campanha acusatória, culpando a
débâcle nos poucos aspectos da atividade econômica e financeira que ainda
estavam livres do total controle do governo.
Uma enorme depressão só foi evitada pela criação de mais de
um trilhão de dólares pelo Fed, algo que inevitavelmente cobrará seu preço
futuro. Se algum dia o mundo quiser se
ver livre dessa montanha-russa econômica, com seus altos e baixos, gerada pelo
papel-moeda fiduciário e de curso forçado, livremente manipulado por
burocratas, a única solução é a adoção de uma moeda livre de manipulações e
ingerências, uma moeda que seja escassa por natureza e de
difícil criação: o ouro.
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