quinta-feira, 20 jan 2011
O intervencionismo transforma uma crise em
depressão
Os
economistas austríacos possuem uma teoria bem avançada que explica a expansão
econômica, a formação de bolhas, o estouro, a recessão e recuperação. Eis uma lista de artigos com uma boa
introdução ao tema [este é o mais sucinto de
todos].
Nesse
artigo examinamos o caso de ciclos econômicos em que, ao invés de recuperação,
a economia entra em uma prolongada recessão ou depressão econômica. Os tipos de intervenção que geram ciclos econômicos estão restritos a
manipulações na moeda e no crédito. Os
tipos de intervenção que geram depressões
podem ser de natureza monetária, fiscal ou regulatória. Mesmo discursos de persuasão moral podem
contribuir para criar uma depressão, como ocorreu com Herbert Hoover.
O
mais eficaz programa para se produzir uma depressão é aquele que incluiria uma
variedade de intervenções. O único
requisito necessário é que as intervenções impeçam o processo de correção; que
elas, coletivamente, solapem a capacidade do sistema de preços e do sistema de
lucros e prejuízos de realocarem adequadamente os recursos disponíveis na
economia. Os austríacos dizem que o
ciclo econômico é resultado de manipulações no sistema monetário e que as
depressões são resultado das subsequentes intervenções concebidas com o intuito
de se evitar o doloroso porém necessário processo de reajuste (recessão).
Dentre
todos os ciclos econômicos, poucos acabaram se degenerando em prolongadas
recessões ou depressões. A maioria dos
ciclos econômicos vem e vai tão rapidamente, que a opinião geral recomenda que
o governo não faça nada exceto pequenos ajustes na política monetária e fiscal
em conjunto com os chamados "estabilizadores automáticos" [doutrina que diz que, como o déficit orçamentário do governo tende a
aumentar durante uma recessão, isso automaticamente fará com que renda nacional
se mantenha inalterada por meio do multiplicador keynesiano]. As exceções a essa regra incluem a Grande
Depressão americana, a estagflação da década de 1970, a década perdida do Japão
e possivelmente a atual crise econômica.
O
que causa essa diferença entre o ciclo econômico comum e uma depressão
extraordinária? O fator congruente em
todas essas quatro grandes crises é a maciça intervenção governamental com o
objetivo de atacar a incipiente crise econômica. Em todos os quatro casos, o governo respondeu
não da maneira que seria tradicional caso houvesse um laissez-faire — isto é,
deixando as coisas se resolverem por conta própria, sem intervenções —, mas
sim com políticas que tentaram justamente reverter a crise econômica.
Entre
essas quatro grandes depressões, nas três primeiras os governos intervieram
consistentemente na economia, fazendo mudanças institucionais de longo
prazo. No caso da estagflação americana
da década de 1970, o governo atacou a crise inicial com abrangentes programas
de controle de preços e salários, além de abolir por completo o que restava do
padrão-ouro — e tudo isso em conjunto com uma política monetária frouxa, com
déficits orçamentários e com pacotes de socorro. O estouro da bolha japonesa também foi
atacado com intervenções em escala maciça, incluindo pacotes de socorro, taxas
de juros a 0%, gastos com obras públicas e enormes déficits orçamentários. Até mesmo Paul Krugman ficou impressionado
com os esforços do Japão:
É como se fosse uma WPA com
esteróides. [A Works Progress
Administration era a maior agência criada pelo New Deal, e empregava milhões de
pessoas apenas para ficar fazendo obras públicas, como a construção de prédios
e estradas]. Ao longo da última
década, o Japão lançou mão de gigantescas obras públicas como um meio de criar
empregos e injetar dinheiro na economia.
As estatísticas são impressionantes.
Em 1996, os gastos do Japão com obras públicas, em porcentagem do PIB,
foram mais de quatro vezes maior que os dos EUA. O Japão despejou o mesmo volume de concreto
que nós, embora tenha menos da metade da nossa população e apenas 4% da nossa
área terrestre. Um em cada dez
trabalhadores japonês estava empregado na construção civil, muito mais que em
qualquer outro país avançado. (Krugman
2001)
Infelizmente
não funcionou, a estagnação continuou, e toda essa gastança deficitária logrou
apenas deixar o Japão com uma dívida nacional estarrecedora.
A
razão de o intervencionismo não funcionar é porque ele faz com que os recursos,
já mal distribuídos (que foi o que causou a recessão), sejam redistribuídos de
uma forma ainda pior. O que é mais
importante: o intervencionismo distorce, interrompe e destrói o processo
corretivo, que é quando os empreendedores, o sistema de preços, e os
procedimentos de falência atuam para realocar os recursos de forma mais
eficiente e retornar os preços a um arranjo mais sustentável.
Ao
lidar com crises econômicas, uma arma que sempre se sobressai no arsenal da
política econômica intervencionista é a política monetária e creditícia mais
frouxa. Tal política tem o (d)efeito de
impedir — ou ao menos retardar e distorcer — o processo de deflação que
fornece o efeito de purificar e reequilibrar a economia, fazendo com que os
recursos possam ser realocados para usos mais valiosos e mais economicamente
sustentáveis. Uma política monetária
frouxa também cria expectativas para uma política monetária mais restritiva no
futuro, ao passo que suas baixas taxas de juros desestimulam a poupança e,
consequentemente, comprometem o crescimento futuro. A frouxa política monetária adotada nos EUA
na década de 1970, no Japão na década de 1990 e em todo o mundo atual não
produziu nenhum efeito curativo; e observe que a maioria dos economistas de
hoje considera a política monetária restritiva adotada pelo então presidente do
Fed Paul Volcker no início da década de 1980 um sucesso.
Gastos
com obras públicas, pacotes de estímulos e déficits orçamentários também são
(erroneamente) considerados políticas importantes para enfrentar contrações
econômicas. A ideia é que os gastos do
governo irão substituir o declinante gasto do setor privado, fazendo com que o
nível do PIB se mantenha constante.
Entretanto,
é fácil reconhecer que tais políticas também impedem a realocação de recursos
necessária para que haja qualquer tipo de processo corretivo. Os gastos governamentais são determinados
politicamente e burocraticamente, de modo que inevitavelmente haverá um descompasso
entre os recursos existentes na economia.
Quando o governo gasta, ele cria uma relativa escassez em recursos como
cimento e escavadoras e uma relativa abundância em recursos como carrinhos de
golfe e engenheiros eletricistas.
Tais
descompassos criam novos obstáculos para a recuperação econômica. No curto prazo, tais políticas produzem um
retorno menor do que o investido. No
longo prazo, essa abordagem aumenta a dívida do governo e, consequentemente, a
carga tributária.
As
evidências fornecidas pela Grande Depressão, pela estagflação da década de 1970
e pela anemia japonesa sugerem que medidas como aumento dos gastos
governamentais possuem um efeito muito mais debilitante do que corretivo. Na atual crise americana, os US$ 787 bilhões
gastos em pacotes de estímulo do governo falharam, e por ampla margem, em cumprir
os objetivos do governo Obama de manter a taxa de desemprego
em menos de 8%.
Pacotes
de socorro são simplesmente uma forma dissimulada de fazer um protecionismo
arbitrário e deveriam servir da cartaz ilustrativo para todos os efeitos
deletérios do intervencionismo. Ao invés
de permitir que ocorram falências, mudanças induzidas pelo empreendedorismo
(reestruturações,enxugamentos, redimensionamentos, terceirizações, aquisições,
fusões etc.) e outras formas de ajuste, pacotes de socorro interrompem o
processo de ajustamento do mercado, geram uma classe de rentistas, e criam
risco moral.
Na
ausência de pacotes de socorro, há inumeráveis maneiras de os indivíduos se
ajustarem a contrações econômicas. Tais
maneiras passam amplamente "despercebidas" pelos políticos e burocratas, porém
são elas os elementos básicos do processo corretivo. Por outro lado, a presença de pacotes de
socorro desvia a atenção dos empreendedores, tirando seu foco desses ajustes de
mercado e estimulando-os a brigarem entre si pelo privilégio de receber parte
desse socorro, o que gera rentismo e atividades não produtivas.
Pacotes
de socorro também determinam um precedente, o que cria um risco moral que
desestabiliza a economia ao invés de estabilizá-la. Na atual crise americana, vimos tudo: desde
socorro para aqueles bancos que são "grandes demais para falir", à tomada da
AIG, da GM, da Fannie Mae e da Freddie Mac, à criação de leis e de políticas
que impedem o arresto dos imóveis de pessoas que pararam de pagar suas
hipotecas. Muitos dos mesmos efeitos
causados por políticas comerciais protecionistas também se aplicam aos pacotes
de socorro.
Há
ainda um outro efeito negativo das políticas intervencionistas que é importante
considerar. A combinação de políticas
intervencionistas rapidamente concebidas, implementadas e frequentemente
alteradas cria um ambiente de "regime incerto".
Higgs (1997) descreveu esse conceito como sendo uma incerteza
empreendedorial criada pela incerteza em relação ao futuro da política
econômica — ou seja, trata-se de uma política que ameaça empreendedores e
investidores.
Imagine
um empreendedor que está a todo momento tentando entender várias mudanças na
política econômica. De início, ele é alertado
de que há uma crise, mas que a política governamental X irá salvá-lo. Após ela ser implementada, descobre-se que
ela fracassou, mas que, no entanto, ela será substituída pela política Y, que salvará
tudo. Ato contínuo, a política Y também
se mostra um fracasso, mas a nova política Z, agora sim!, irá cumprir a
promessa. E por aí vai.
Toda
essa confusão faz com que os empreendedores sofram com o "regime incerto", algo
que reduz os investimentos e a contratação de mão-de-obra. Quando a situação se torna mais clara, os
empreendedores percebem que o ambiente econômico geral mudou. Novos mercados e novas oportunidades de lucro
foram reduzidos, ao passo que, ao mesmo tempo, a política econômica está
atrasando a falência de empresas que estão tendo enormes prejuízos. Em outras palavras, o sistema de preços está
obstruído e a economia não mais é competitiva.
É impossível discordar de Bem Powell (2009, p.20) quando ele diz que o
atual ambiente político nos EUA é de "regime piorando".
As lições de Hoover e Bush
A
lição extraída dos governos Hoover e Bush é a de que se não se deve ceder à
tentação de implementar políticas intervencionistas diante de uma crise
econômica. Entrar em pânico e embarcar em
políticas intervencionistas significa crer na efêmera esperança de que o homem
pode controlar e manipular a sociedade sem que isso cause uma multiplicidade de
consequências inesperadas. O resultado
sempre será uma piora da crise econômica, seguida de uma depressão e de uma
estagnação.
Para
Hoover e para Bush sobrou a humilhação da história. Embora a história da atual crise ainda tenha
de ser totalmente escrita no futuro, já há um tenebroso paralelo entre ambas:
Roosevelt seguiu o caminho de Hoover e Obama vem similarmente amplificando as
políticas econômicas da era Bush. Em
cada caso, o sucessor baseou-se na agenda do antecessor e as ampliou. Se esses paralelos se mantiverem, os EUA
terão tempos difíceis pela frente.
__________________________________________
Referências
Cole, Harold L. and Lee E. Ohanian.
2004. "New Deal policies and the persistence of the Great
Depression."Journal of Political Economy 112 (4): 779-816.
Couch, Jim F. and William F.
Shughart II. 1998. The Political Economy of the New Deal. Cheltenham, UK:
Edward Elgar.
Folsom, Burton, Jr. 2008. New Deal or Raw
Deal? How FDR's Economic Legacy Has Damaged America. New York: Threshold
Editions.
Garret, Garet. 1932. The
Bubble that Broke the World. Boston:
Little Brown and Co.
Higgs, Robert. 1992. "Wartime
Prosperity?" Journal of Economic History 52 (1): 31-60.
Higgs, Robert. 1997. "Regime
Uncertainty: Why the Great Depression Lasted so Long and Why Prosperity Resumed
After the War." The Independent Review 1 (4):
561-590.
Hoover, Herbert. 1934. The
State Papers and Other Public Writings of Herbert Hoover. Edited by William
Starr Myers, Garden City, NY: Doubleday, Doran & Company, Inc.
Krugman, Paul. 2001. "Fear
Itself." New York Times September, 30.
Murphy, Robert P. 2009. The Political Incorrect Guide to the
Great Depression and the New Deal. Washington:
Regnery Publishing, Inc.
Murphy, Robert P. "Did Hoover Really Slash Spending?" Mises Daily Article, May
31, 2010.
Ohanian, Lee E. 2009. "What -
or Who - Started the Great Depression?" Working Paper No. 15258 (August)
National Bureau of Economic Research.
Powell, Benjamin. 2009. "U.S. Recession
Policies: Nothing New Under the (Rising) Sun." Intercollegiate
Review(Fall): 13-21.
Robbins, Lionel. 1934. The
Great Depression. New York:
Macmillan Co.
Romer, Christina and Jared
Bernstein. 2009. "The Job Impact of the American Recovery and Reinvestment
Plan," Office of the President's Council of Economic Advisors-Elect,
January 9.
Rothbard, Murray N. 1963 [1982]. America's Great Depression. 4th ed. New York:
Richardson & Snyder.
Sechrest, Larry J. 2006.
"Explaining Malinvestment and Overinvestment." Quarterly
Journal of Austrian Economics 9 (4): 27-38.
Vedder, Richard and Lowell Gallaway.
1993. Out of Work: Unemployment and
Government in Twentieth-Century America. New
York: Holmes and Meier.
Warren, Harris G. 1959 [1967]. Herbert
Hoover and the Great Depression. New York:
Oxford University Press.
Woods, Thomas E. 2009. "Warren
Harding and the Forgotten Depression of 1920."Intercollegiate Review (Fall):
22-29.