Quando escrevi A Tragédia
do Euro, jamais poderia imaginar que, no futuro, viria a escrever um
prefácio para uma edição brasileira do livro.
Eu sabia que o euro estava destinado ao fracasso, mas realmente
subestimei o sucesso que o livro viria a ter.
Hoje, o livro já está disponível em inglês americano, inglês britânico,
eslovaco, polonês, italiano, alemão, espanhol, finlandês, português europeu, búlgaro,
romeno, holandês e grego. Enquanto
escrevo estas linhas, o livro está sendo traduzido para o francês e para o
russo.
Quando você lê o livro, você entende o porquê de seu
sucesso. As pessoas querem compreender o
que realmente está acontecendo na Europa e querem entender, com detalhes, como
uma crise sem conserto e com consequências mundiais pôde ocorrer na zona do
euro. Elas temem o futuro de sua riqueza
e de toda a sua poupança acumulada. Esta
crise, com efeito, é muito mais grave hoje do que era quando a primeira edição
deste livro foi lançada em dezembro de 2010.
O fundamental problema da zona do euro não foi de modo algum
resolvido. Se alguma coisa ocorreu neste
ínterim foi a piora do problema, uma vez que um enorme volume de dívida pública
continuou sendo impavidamente acumulado.
Fora isso, ainda não houve nenhuma decisão sobre como
lidar com o problema fundamental que atormenta a zona do euro. Quem irá pagar pelos investimentos
insustentáveis que ocorreram no passado e que hoje, após seguidas rodadas de
estímulo governamental, são representados por pilhas e pilhas de dívida
pública?
Na Grécia atual, a batalha continua para ver quem irá,
no final, pagar a conta destes investimentos.
Durante o início dos anos 2000, uma política monetária expansionista
reduziu artificialmente as taxas de juros.
Empreendedores deram início ao financiamento de projetos que pareciam
lucrativos somente por causa dos juros artificialmente reduzidos; a realidade,
no entanto, é que não havia e nem nunca houve poupança real para
sustentá-los. A consequência desta
expansão monetária e do crédito foi o surgimento de bolhas imobiliárias e uma
explosão sem precedentes do consumo nos países da periferia europeia.
Em 2007, as bolhas começaram a estourar. Os preços dos imóveis começaram a estagnar e
até mesmo a cair. Construtoras
endividadas e residentes com hipotecas começaram a dar o calote em seus
empréstimos. Isso afetou diretamente os
bancos. Como vários deles haviam
financiado estes empreendimentos, eles sofreram prejuízos. Após o colapso do banco de investimento
Lehman Brothers, o mercado de empréstimos interbancário congelou e entrou em colapso. Os governos
intervieram. Eles socorreram os bancos e
assumiram seus prejuízos -- prejuízos estes resultantes de financiamentos
concedidos a investimentos insustentáveis.
Dado que os prejuízos destes investimentos
insustentáveis foram socializados, a dívida pública na zona do euro
disparou. Ademais, as receitas de
impostos despencaram em decorrência da crise.
Ao mesmo tempo, os governos começaram a conceder subsídios ao setor
industrial e aos desempregados.
Não bastasse tudo isso, mesmo antes da crise, os
governos já haviam acumulado enormes dívidas em decorrência de seus excessivos
gastos assistencialistas. Dois fenômenos
incentivaram o aumento dos gastos e a acumulação de dívida nos países
periféricos. O primeiro foi a redução
das taxas de juros. As taxas de juros
foram acentuadamente reduzidas em decorrência tanto de uma política monetária
expansionista feita pelo Banco Central Europeu (BCE) quanto pela própria
introdução da moeda única. O euro surgiu
tendo como suporte uma implícita garantia de socorro. Os participantes de mercado sabiam que os
governos mais fortes iriam socorrer os governos mais fracos com o intuito de
salvar o projeto político do euro caso o pior ocorresse. Sendo assim, por causa desta garantia, as
taxas de juros que os governos da Itália, da Espanha, de Portugal e da Grécia
tinham de pagar sobre suas dívidas caíram drasticamente quando estes países
foram admitidos ao euro. As baixas taxas
de juros deram a estes países um espaço adicional para incorrerem em mais
gastos e, por conseguinte, em mais déficits.
O segundo fenômeno é que o euro é um exemplo típico da
tragédia dos comuns.
Na zona do euro, cada governo nacional pode utilizar o
Banco Central para financiar seus déficits.
Os custos destes déficits podem ser parcialmente externalizados e
jogados sobre os outros países, onde eles se transmutam em aumentos de preços.
Atualmente, as dívidas governamentais em vários países
da zona do euro são tão altas que eles jamais serão capazes de pagá-las em
termos reais. Governo nenhum é capaz ou
sequer está disposto a fazer isto. Se
eles aumentarem impostos, suas economias entram em colapso e os déficits podem
até aumentar como consequência. Se eles
reduzirem os gastos, poderá haver inquietação social. Em ambos os casos, eles perderiam influência
e, principalmente, votos. Como estas
dívidas jamais serão quitadas, elas também representam investimentos
insustentáveis.
Investimentos insustentáveis significam que recursos
escassos da sociedade foram desperdiçados e não podem ser recuperados. Riqueza real foi dissipada em gastos
assistencialistas e em pacotes de socorro concedidos a indústrias que só
prosperaram enquanto durou a bolha criada pelo crédito fácil. Mas ainda não está claro quem irá pagar as
perdas geradas por estados assistencialistas insustentáveis e pelo socorro às
indústrias.
Até o início da crise da dívida soberana, a conta
estava sendo paga por meio da redistribuição monetária interna criada pelo
arranjo institucional do sistema do euro.
Os principais contribuintes líquidos eram os cidadãos dos países mais
fiscalmente sólidos, como a Alemanha, que estavam implicitamente sendo os
fiadores da gastança que vinha ocorrendo na periferia europeia. Os pacotes de socorro à Grécia, à Irlanda e a
Portugal apenas tornaram este processo de transferência de riqueza mais
explícito. Os incentivos que sempre
existiram para se socorrer governos irresponsáveis estão hoje óbvios para
todos. Mas os alemães não mais querem
continuar pagando as contas da periferia.
As tensões se avolumam diariamente, com bandeiras alemãs e bonecas de
Angela Merkel com bigodes de Hitler sendo queimadas nas ruas de Atenas.
A pergunta sobre quem irá pagar a conta dos
investimentos insustentáveis surge repetidamente desde o início oficial da
crise da dívida soberana em 2010. Mas
uma resposta conclusiva a esta pergunta nunca foi oferecida. E é esta resposta que decidirá o futuro do
euro, o futuro da União Europeia, o futuro das relações de paz na Europa e
talvez até mesmo o futuro monetário do mundo.
Não é exagero algum dizer que o futuro do euro irá mudar as relações de
comércio do mundo. Existem várias
possibilidades, em teoria, para este futuro, as quais são analisadas por
inteiro na última seção deste livro, na qual
foi incluído um novo capítulo cobrindo todos os acontecimentos até os dias de
hoje.
É de se esperar que esta edição brasileira, expandida
em relação à original, contribua para uma melhor e mais ampla compreensão das
questões em jogo na Europa e, quem sabe, evitar que os mesmos erros sejam
cometidos na América do Sul. Embora seja
uma tragédia, desejo a você leitor uma leitura prazerosa e, para nós todos, um
final feliz.
Philipp Bagus
Majadahonda, Espanha, 6 de março de
2012
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O professor Philipp Bagus estará em São Paulo nos dias 12 e 13 de maio para o lançamento da edição brasileira de A Tragédia do Euro e será um dos palestrantes da nossa III Conferência de Escola a ser realizada na sede da Fecomércio. Junto a ele estarão também Peter Schiff, Jeffrey Tucker, Walter Block e vários outros. Confira aqui e não deixe de fazer já sua incrição.