"Nossos
trabalhadores e nosso mercado de trabalho têm de ser protegidos contra a
mão-de-obra escrava chinesa e seus produtos baratos!"
Há
quantas décadas se ouve esta justificativa em prol da imposição de tarifas de
importação?
De
todas as críticas ao livre comércio, esta não apenas é a mais ignara, como
também é a menos defensável em termos puramente empíricos. Em primeiro lugar, tal crítica pressupõe que
os governos, ao longo da história, sempre impuseram tarifas ou outras
restrições contra bens produzidos por trabalhadores escravos. Mas o que a história nos ensina, muito pelo
contrário, é que os governos praticamente nunca impuseram tarifas ou restrições
sobre importações de bens produzidos por trabalho escravo. Por quê?
Porque as principais exportações de sociedades baseadas no trabalho
escravo são matérias-primas, produtos
de baixo valor agregado.
Em
outras palavras, o argumento apresentado não bate com os fatos. A pessoa que recorre a tal argumento nunca se
deu ao trabalho básico de analisar os fatos.
Ela está simplesmente repetindo, por puro automatismo, um argumento que
parece bonito e moral, mas que na realidade é simplório, sem sentido e obtuso.
Permita-me
sintetizar o raciocínio que está por trás deste argumento. Se destituirmos este argumento de toda a
indignação moral que ele finge afetar -- a qual é completamente falsa --, eis as
pressuposições econômicas que sustentam a defesa de tarifas de importação:
"Sabemos que o trabalho escravo é altamente produtivo. A livre iniciativa não é capaz de competir
com o trabalho escravo. E impossível um
sociedade livre competir, de igual para igual, com uma sociedade de
escravos. O planejamento central feito
por uma sociedade de escravos é simplesmente muito produtivo e eficiente demais. Nenhum trabalhador de uma nação capitalista é
capaz de defender a si próprio e o seu emprego utilizando sua própria
produtividade econômica. Ele necessita
de funcionários públicos nas fronteiras do país, com armas e distintivos,
fiscalizando e proibindo a importação de bens produzidos por escravos.
"Qualquer pessoa que argumente que o sistema de livre
mercado é muito produtivo e totalmente capaz de competir com o trabalho escravo
é um completo ignorante. Tal pessoa
realmente não possui ciência da enorme produtividade do trabalho escravo. Ela também é igualmente ignorante quanto à
patética produtividade do livre mercado.
"Sociedades baseadas no trabalho escravo são altamente
produtivas. Se você quiser que alguém se
torne um exímio artesão, ou um produtor altamente eficiente de bens e serviços
especializados, ou um excepcional projetista de produtos de tecnologia de ponta,
não há maneira mais eficiente de fazer isso do que forçá-lo a trabalhar sob a mira
de uma arma, ameaçando matá-lo de fome caso se recuse a trabalhar
exaustivamente.
"A enorme produtividade do trabalho escravo representa uma
ameaça tão grande às pessoas de paz do resto do mundo, que é imperativo fazer
com que políticos enviem funcionários públicos com armas e distintivos para
proibir a importação de bens que foram produzidos por hordas de trabalhadores
escravos. Se isso não for feito, os
trabalhadores pateticamente ineficientes que vivem sob um regime de capitalismo
de livre mercado verão seus salários definharem em decorrência da incomparável
produtividade do trabalho escravo.
Este
argumento soa ridículo? É claro que
sim. Trata-se de um implícito ataque à
eficácia das instituições do livre mercado.
Trata-se de um implícito ataque à produtividade de trabalhadores que
hoje usufruem e se beneficiam do enorme investimento de capital que foi feito
no Ocidente ao longo dos últimos dois séculos.
Tal argumento está simplesmente afirmando que o trabalho escravo é
produtivo e que o trabalho livre e altamente capitalizado é improdutivo. Tão ilógico, irracional e absurdo é este
argumento, que ninguém tem a coragem de dizê-lo clara e abertamente. A pessoa ou não entende as reais implicações
de seu argumento -- que trabalhadores em sociedades livres têm de ser
protegidos contra bens produzidos por mão-de-obra escrava -- ou ela realmente
acredita que sociedades escravagistas são enormemente produtivas, e que
sociedades livres simplesmente não são capazes de competir com elas.
O
argumento beira o burlesco. Ele também é
deliberadamente enganoso. A pessoa que
recorre a este argumento jamais fornece qualquer evidência estatística de que
os bens produzidos por trabalhadores escravos estão sendo avidamente comprados
por consumidores que vivem em sociedades livres. A pessoa não é capaz de apontar quais
produtos são produzidos por mão-de-obra escrava. Tampouco ela é capaz de mostrar que estes
produtos dominam uma significativa fatia do mercado em sociedades de livre
mercado.
Na
maioria dos casos, a pessoa não é nem capaz de mencionar um único produto que
tenha sido produzido por trabalho escravo e do qual alguém já tenha ouvido
falar. Considerando-se que a Iugoslávia
era uma sociedade comunista, e que portanto se baseava no trabalho coercivo,
seu mais famoso bem produzido se transformou em uma das maiores chacotas da
história da produção automobilística: o Yugo.
Matérias-primas
Os
únicos casos de importações oriundas de sociedades escravagistas que podem ser
utilizados como exemplos de bens que penetraram os mercados ocidentais são as
matérias-primas, especialmente o petróleo.
O valor destas exportações das sociedades escravagistas se deve quase
que inteiramente ao valor econômico imputado pelos consumidores ocidentais a
estas matérias-primas. O componente
mão-de-obra destas exportações é insignificante. Trabalhadores coagidos são capazes de extrair
minerais e outras matérias-primas da terra.
Trata-se de um trabalho rudimentar e não sofisticado. A produção destas indústrias extrativas que
utilizam trabalho escravo seria muito maior caso os planejadores permitissem o
capitalismo de livre mercado; porém, o alto valor das matérias-prima
contrabalança o baixo valor e a baixa qualidade da mão-de-obra utilizada para
extraí-las.
Raramente
ouvimos falar de alguma sociedade que tenha imposto tarifas ou outras
restrições sobre a importação de minerais industriais ou de matérias-primas.
(As tarifas americanas sobre o açúcar são uma horrenda exceção). Nunca ouvimos falar de restrições sobre a
importação de petróleo estrangeiro.
Portanto, o argumento de que os trabalhadores ocidentais têm de ser
protegidos contra o trabalho escravo estrangeiro é um fato negado pela
explícita e desimpedida importação de minerais e de outras matérias-primas, os
quais são utilizados por trabalhadores destes países importadores para produzir
bens valiosos. Estes trabalhadores se
tornam os beneficiários das matérias-primas e do petróleo importados. Logo, o único possível exemplo da veracidade deste
clichê protecionista nunca é de fato confirmado na prática.
Quando
você voltar a ouvir este argumento, peça para o protecionista citar quais são
as cinco nações que compõem o grosso do comércio internacional de seu
país. Primeiro, ele não terá ideia de
quais são as cinco nações que majoritariamente comercializam com seu país. Segundo, assim que você mostrar a ele quais
são estas cinco nações, peça a ele para identificar qual destas nações depende
do trabalho escravo para produzir os bens e serviços que ela exporta. Tão logo ele vir a lista, ele ficará
engasgado e não encontrará uma resposta.
As nações que detêm um grande volume de comércio internacional
(exportação e importação) são aquelas que comercializam com outras nações que
possuem livre mobilidade de mão-de-obra, mercados de capitais bastante
desenvolvidos, sofisticadas instituições de pesquisa, e uma alta produtividade decorrente
do uso intensivo de capital. Nenhuma
destas características é encontrada em uma sociedade que faz uso de trabalho
escravo.
Em
suma, o argumento é ilógico e absurdo tanto em termos de teoria econômica
quanto em termos de fatos empíricos.
Nenhuma nação que utiliza trabalho escravo encontra mercados no Ocidente
para seus produtos manufaturados. Seus
produtos são vagabundos e fajutos demais para penetrar de maneira significativa
nos mercados do Ocidente.
A China
Quase
sempre, o defensor de tarifas sobre a importação de bens produzidos por
trabalho escravo irá utilizar o exemplo da China. Este certamente é um dos argumentos mais
ignaros e parvos da história do pensamento econômico.
Durante
o período em que a China estava sob o domínio do camarada Mao, o
país praticamente não fazia parte do comércio internacional. O país não tinha produtos capazes de encontrar
mercados no Ocidente. Os chineses mal
conseguiam se alimentar. Em algumas
épocas, eles de fato não se alimentavam.
O país não tinha nada de valor para exportar. Não tinha reservas internacionais. Não tinha algo que nem remotamente se assemelhasse
a uma produção industrial em larga escala.
Era uma nação à beira do quarto mundo.
A única coisa que o país conseguia produzir em larga escala era
armamento. Ele não exportava nada para o
Ocidente.
Hoje,
após um grande período de sucessivas
liberalizações econômicas, a China se tornou um grande concorrente nos
mercados ocidentais. Seus trabalhadores
podem se mover e se mudar para onde quiserem.
Estamos testemunhando a maior migração da história da humanidade, da
pobreza rural para a vida urbana de classe média. Centenas de milhões de pessoas saíram da zona
rural e se mudaram para as grandes cidades.
Isto não é trabalho escravo; isto é trabalho livre.
Não
há restrições governamentais à movimentação dos trabalhadores. Eles têm liberdade de decidir para onde
querem ir e onde querem trabalhar. Há
muito poucas leis e restrições governamentais sobre a contratação destes
trabalhadores. Não há praticamente
nenhum sistema de seguridade social imposto pelo estado. O mercado de trabalho chinês é amplamente
mais livre do que os mercados de trabalho do Ocidente, que são repletos de leis
trabalhistas, de regulamentações, de onerosos encargos sociais e trabalhistas e
de sindicatos que gozam do explícito apoio dos governos -- o que significa que
eles não apenas têm o direito legal de conclamar greves e interromper o
funcionamento dos meios de produção das empresas, sem que os donos nada possam
fazer, como também podem determinar quais empregados podem e quais não podem
ser contratados pelas empresas. Apenas
os trabalhadores sindicalizados podem.
Alie
tudo isso a uma crescente carga tributária, e você terá os motivos por que as
indústrias ocidentais estão tendo tantas dificuldades para concorrer com os
trabalhadores chineses.
Os
trabalhadores chineses são livres para trocar de emprego, e os empregadores
chineses podem legalmente contratar quem eles quiserem. Sob estas condições, os trabalhadores do
Ocidente estão mais próximos da escravidão do que os trabalhadores chineses. Na Europa, por exemplo,
os trabalhadores que não são sindicalizados acabam sendo, na prática, forçados
a procurar apenas aqueles empregos menos desejados, pois os sindicatos, por
gozarem do apoio de seus governos, conseguem restringir o mercado de trabalho
apenas para seus membros, deixando de fora os não sindicalizados. Os sindicatos utilizam o governo para enviar
burocratas com armas e distintivos às empresas com o intuito de proibir os empregadores
de contratar trabalhadores não sindicalizados.
Isto não é livre mercado; isto é um mercado manipulado pelo estado.
Portanto,
da próxima vez que você ouvir alguém argumentando que os trabalhadores do seu
país têm de ser protegidos contra bens estrangeiros produzidos por trabalho
escravo, mostre a ele que o motivo de os trabalhadores ocidentais quererem
proteção é porque eles é que são a mão-de-obra escrava. Eles sentem que está cada vez mais difícil
competir com trabalhadores que vivem em uma nação que honra os princípios da
livre mobilidade de mão-de-obra e dos contratos voluntários entre empregados e
empregadores.
A
China é uma concorrente feroz e ardorosa não porque é uma sociedade que possui
trabalho escravo, mas sim porque está concorrendo com trabalhadores que vivem
em um regime cujos mercados de trabalho são amplamente controlados por seus
governos.
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