"Se vocês libertários não gostam da existência de um
governo detentor do monopólio da coerção, da segurança e da justiça, não gostam
de impostos, não gostam de regulamentações, e não gostam do status quo, então por que simplesmente
não fazem as malas e vão embora?
Vocês
implicitamente concordaram com as regras vigentes. Se não gostam delas, então deem o fora!"
Este
é o argumento comum oferecido por estatistas sempre que um libertário se põe a
falar sobre a imoralidade da coerção estatal, de seus impostos, de suas
regulamentações, de seu confisco de renda e de propriedade, e de seu monopólio
sobre a justiça, a segurança e a moeda.
Embora
tal argumento seja extremamente fraco, vale a pena nos concentrarmos mais
detidamente nele, pois ele mostra de maneira bastante acurada o quão profundo o
estatismo está enraizado na mentalidade das pessoas.
Primeiro ponto: o mais básico
A
primeira e mais fácil resposta a este "desafio" estatista é: Por que sou eu
quem deve dar o fora? Não estou roubando ninguém, não estou agredindo ninguém. Por que o fardo
moral recai sobre mim quando, na verdade, é você quem está me apontando uma
arma?
Eu sou apenas uma pessoa pacífica
pedindo para não ser espoliada, ao passo que você está me apontando uma arma com
o intuito de me expropriar e utilizar a minha propriedade e a minha renda para
financiar aqueles programas governamentais que você acha o máximo.
Não
creio ser nada controverso dizer que, em termos morais, é o estatista quem tem
a obrigação de comprovar ter o direito intrínseco de coagir e ameaçar os
outros. Enquanto isso não for feito, o ameaçado
não tem nenhuma obrigação de comprovar seu direito de ser deixado em paz, sem
ser molestado. O ônus cabe ao agressor e
não ao agredido.
Esse
é o ponto mais básico. Enquanto o
estatista não responder de onde vem seu direito natural de espoliar terceiros
para proveito próprio ou para o proveito de outrem, a "negociação" está emperrada
e ele não tem nenhum direito de seguir adiante com sua espoliação. Toda a pendenga poderia terminar aqui.
Segundo ponto: nunca houve "aceitação tácita"
Porém,
em prol do debate, vamos mais adiante.
Falemos agora sobre o argumento de que o seu consentimento está
explicitado no simples fato de você permanecer no país.
"Se você está aqui e continua morando aqui,
então você está automaticamente consentindo com as regras vigentes!", bradam os
estatistas.
Este
é outro raciocínio sem nenhuma sustentação e sem nenhuma lógica.
Suponha que você se muda para uma nova
vizinhança e, do nada, seu vizinho começa a despejar o lixo dele na porta da
sua casa. Pela lógica estatista, se você
não concorda com este comportamento dele, então é você quem tem de se mudar
dali. Se você não se mudar, então você
está automaticamente consentindo em ter sua propriedade violada desta forma.
Faz
sentido? Pois é isso que os estatistas
estão defendendo, embora não utilizem este cenário.
Confrontados
com esta situação, os estatistas recorrem então à regra da "aceitação implícita
e tácita". Mais especificamente, eles
dizem que, ao se mudar para esta vizinhança, você estaria implícita e
tacitamente aceitando o comportamento dos seus vizinhos, não podendo, portanto,
reclamar das regras deles.
O
problema deste raciocínio é que ele ignora o status moral e legal de quem faz
as leis.
Por exemplo, suponha que eu
convide você para vir à minha casa. Quando você chega, eu abro a porta e lhe digo: para ficar aqui em casa,
você tem de usar este nariz de palhaço. Isto certamente vai lhe parecer bastante estranho, mas ainda assim eu
posso dizer: "Ei, é a minha casa e estas são minhas regras. Se quiser entrar, tem de ser assim".
Neste caso, sendo eu o proprietário, você não pode simplesmente dizer: "Olha, eu
vou entrar na sua casa, sim, e não vou usar o nariz de palhaço." Se fizer isso, você estará invadindo a
minha propriedade e desrespeitando as leis vigentes dentro dela, as quais foram
estipuladas antes da sua entrada. Isso,
portanto, é algo que você não tem o
direito de fazer.
Agora,
imaginemos o cenário contrário. Suponha
que eu vá à sua casa e lhe diga: "Você tem de usar um nariz de palhaço". Além do espanto total, sua outra provável
reação será a de perguntar quando foi que você disse que concordava em ser
obrigado a utilizar um nariz de palhaço dentro da sua casa.
Ao que irei responder: "Ora, você se mudou
para perto de mim. E eu uso nariz de
palhaço na minha casa. Portanto, o
simples fato de você estar morando perto de mim significa que você, de uma
maneira um tanto mística e tácita, consente em também utilizar nariz de palhaço
dentro da sua casa, mesmo que você não goste da ideia."
Os
estatistas simplesmente pegam este cenário que é evidentemente absurdo em nível
local e o expandem para um nível nacional: se você está aqui, então você deu
seu consentimento tácito a tudo o que se passa nele.
Mas
é realmente assim que as coisas devem funcionar? Como seria a sua vida se todos lhe
atribuíssem "consentimentos implícitos e tácitos"? Como seria o mundo? Alguém aceitaria este sistema?
Portanto,
quando os estatistas dizem que "ao estar aqui, você automaticamente consentiu
com as regras", eles estão fugindo da questão principal. Eles já estão pressupondo a nossa aceitação
daquilo que ainda tem de ser provado.
No
exemplo do nariz de palhaço, há uma distinção clara entre o sujeito que diz que
você tem de usar o nariz na propriedade dele e o sujeito que diz que você tem
de usar o nariz na sua própria casa.
O
primeiro sujeito tem o direito de lhe impor o uso do nariz (e, se você não
aceitar, tem a liberdade de sair da casa dele);
já o segundo não tem este direito. Tudo
depende de quem está legitimamente
exercendo sua jurisdição. Na
propriedade dele, ele é soberano. Na sua
propriedade, ele não é.
A
mesma regra tem de ser aplicada ao estado.
As pessoas que fazem as leis de um país são as genuínas donas do
país? O país é propriedade delas? Desde quando? Elas adquiriram esta suposta propriedade do país de maneira justa? Houve o consentimento de 100% da população
(qualquer porcentagem abaixo desta indica que há indivíduos sendo
espoliados)?
Estas são perguntas morais
que não podem ser ignoradas, mas que são totalmente desconsideradas pelos
estatistas.
O terceiro ponto: pagamos pela infraestrutura estatal
E
há, por último, o argumento de que nós libertários estamos constantemente utilizando
algumas infraestruturas estatais, como estradas, ruas, aeroportos, correios.
Sendo assim, o simples fato de utilizarmos
estes bens e serviços significa que estamos consentindo com a existência do
estado e com a espoliação de nossa renda para a consecução destes serviços.
Outro
problema de raciocínio.
Em primeiro
lugar, o fato de eu inevitavelmente utilizar sistemas monopolísticos, dos quais
eu simplesmente não tenho como escapar, de modo algum indica consentimento. Dizer que utilizar as ruas de uma cidade
indica consentimento com o estado é o mesmo que dizer que um prisioneiro que
come a comida fornecida pela penitenciária está consentindo em estar preso.
Em
segundo lugar, sempre é bom lembrar que libertários, como todos os outros
cidadãos, também pagam impostos. Sendo
assim, é nosso dinheiro que foi utilizado para a construção destas
infraestruturas estatais. Logo, não há
absolutamente nada de contraditório em utilizá-las. Aliás, você tem todo o
direito de fazer uso delas, mesmo desprezando-as profundamente.
Para finalizar: eu não consinto
No fim, todo este argumento de 'consentimento implícito' e 'consentimento
tácito' não passa de uma patética cortina de fumaça criada para se desviar a
atenção daquilo que realmente importa: as
minhas palavras.
E as minhas reais palavras (aquilo que
realmente penso, e não aquilo que estatistas querem imputar a mim) não são de
consentimento, mas sim de discordância
e dissenso.
Que
isso fique bem claro. As minhas
verdadeiras palavras são: Eu não dou meu
consentimento.
E estas minhas
palavras claramente explicitadas e proferidas não podem ser sobrepujadas por um
místico 'consentimento implícito' que magicamente passa a existir em
decorrência do simples fato de eu estar em um determinado local.
Resta
óbvio que tudo isso não passa de um estratagema ridículo criado por pessoas que
simplesmente querem ter poder absoluto, mandar na vida dos outros e escolher
vencedores e perdedores.
Uma vez
perpetrado o esbulho, elas tentam embasá-lo e justificá-lo recorrendo a truques
comportamentais, dizendo que determinadas atitudes minhas significam que eu
realmente estou pedindo para ser governado, que eu implicitamente estou
suplicando para ser controlado e mandado.
Não,
eu não pedi implicitamente por nada disso. E eu explicitamente digo que
"Não, eu não consinto em ser espoliado e controlado".