Quem
acompanha a situação europeia exclusivamente pela mídia fica com a certeza de
que o termo 'austeridade' é uma manifestação explícita do anticristo, e que se
trata de uma medida que deve ser evitada de todas as formas.
A ideia é que reduções nos gastos do governo
tiram a sustentação da economia e a empurram para uma interminável espiral
depressiva. Curiosamente, quando a
imprensa fala em austeridade, ela menciona em tom crítico apenas uma parte dela,
que é o corte de gasto, e nada fala sobre a outra parte, que é o aumento de impostos e seus efeitos
genuinamente recessivos.
Quando
o governo corta gastos, de fato há quem saia prejudicado. O exemplo mais claro seria o de funcionários
públicos que tivessem seus salários reduzidos.
Isso é muito raro, mas pode ocorrer.
As empresas que possuem como clientes principais um grande número de
funcionários públicos seriam atingidas.
Pense em um restaurante chique de Brasília que tem como clientela o
pessoal das agências reguladoras. Se as
agências fossem abolidas (sonhemos um pouquinho), as receitas desse restaurante
cairiam. Da mesma forma, se o número de
deputados e senadores diminuísse, o Piantella iria à falência.
Esse
foi um exemplo visualmente fácil de ser entendido. Há outros menos claros. Por exemplo, cortes de gastos do governo irão
afetar as várias empresas que só sobrevivem porque possuem contratos de prestação
de serviços junto ao governo. Empresas
terceirizadas por estatais e empreiteiras que fazem obras para o governo são os
exemplos mais claros. Há também as
várias atividades econômicas que recebem subsídios e que, sem estes subsídios,
teriam de se virar, cortar gastos e demitir pessoas.
O
que todas estas atividades têm em comum é que elas só sobrevivem e só são
lucrativas com a muleta do governo. Isso
faz com que elas sejam classificadas como atividades econômicas insustentáveis. São atividades que não dependem da demanda voluntária
do consumo privado para sobreviver. Uma
vez cortado o fluxo de dinheiro governamental, elas perdem sustentação e
definham. Elas não necessariamente irão
quebrar, pois podem se reestruturar e mudar seu enfoque de mercado. Mas estão indiscutivelmente sobredimensionadas,
e a prova disso é que só mantêm seus atuais lucros com dinheiro repassado pelo
governo. Elas são, portanto, atividades
que absorvem recursos e capital da sociedade.
Elas não produzem; elas consomem.
Uma
redução nos gastos do governo, portanto, possui este efeito salutar sobre a
economia. Faz com que empresas que
consomem recursos e que produzem apenas de acordo com demandas políticas tenham
de ser enxugadas. Empresas que só
sobrevivem devido aos gastos do governo não produzem para consumidores
privados; elas utilizam o dinheiro dos cidadãos mas produzem para o estado. Elas não utilizam capital de maneira
produtiva, de forma a atender os genuínos anseios dos consumidores privados: ao
contrário, elas utilizam capital fornecido pelos pagadores de impostos mas
produzem apenas para servir a anseios políticos. Em suma, não agregam à sociedade. Por definição, subtraem dela.
Este
tipo de atividade econômica privada que só sobrevive por causa dos gastos do
governo é idêntico àquelas outras atividades privadas que só são lucrativas
quando está havendo uma forte expansão do crédito. Quando o crédito é farto e barato, e a
demanda por imóveis é crescente, várias construtoras e várias imobiliadoras
apresentam lucros estratosféricos.
Porém, quando o crédito encarece -- ou quando os consumidores já estão muito
endividados -- e a demanda cai, os lucros viram prejuízos. Um corte de gastos do governo gera idêntico efeito
sobre empresas que possuem o governo ou funcionários do governo como principal
cliente.
E
por que isso seria bom? Porque, ao
falirem, essas empresas liberam mão-de-obra e recursos escassos que poderão ser
utilizados mais eficientemente por empresas mais produtivas, empresas que estão
no mercado para realmente atender às demandas dos consumidores. Por isso, é essencial que, ao cortar gastos,
o governo também reduza impostos. Isso não apenas irá dar mais poder de compra
às pessoas, como também irá permitir que as empresas produtivas tenham mais
capital e, consequentemente, possam contratar mais pessoas.
Tendo
estes conceitos em mente, há quatro maneiras de se fazer austeridade:
1) Aumentar impostos e cortar gastos;
2) Aumentar impostos e manter gastos inalterados e;
3) Manter impostos inalterados e cortar gastos;
4) Reduzir impostos, e cortar gastos em uma intensidade maior do que o corte de impostos;
A
primeira é a que gera uma recessão mais intensa. De um lado, o corte de gastos debilita
aquelas empresas que dependem do governo, o que é bom; mas, de outro, o aumento
de impostos confisca ainda mais capital da sociedade, mais especificamente do
setor produtivo, que é justamente quem absorveria a mão-de-obra demitida das
empresas que faliram em decorrência dos cortes de gastos do governo. Você tem, portanto, o pior dos dois mundos. Aumento do desemprego, população com menor
poder de compra, e setor privado sem capital para contratar. É isso que a Europa está fazendo.
A
segunda maneira, ao contrário do que se supõe, é a pior. O governo aumenta o confisco do capital do
setor privado, mas continua dando sustentação às empresas ineficientes, que
também consomem capital do setor produtivo.
A recessão neste caso é menos intensa, mas os desequilíbrios de longo
prazo não são corrigidos. A economia
fica com menos capital, mas as empresas ineficientes seguem firmes, pois seu
cliente é o governo, que continua gastando.
No final, tal medida serviu apenas para aumentar o consumo de capital de
toda a sociedade.
A
terceira maneira é melhor que a primeira e a segunda. O governo continua confiscando capital, é
verdade, mas ao menos liberou outros recursos por meio da falência de empresas
que só sobreviviam em decorrência de seus gastos. Em termos de recessão, é mais branda que a
primeira e semelhante à segunda.
A
quarta maneira é a maneira correta de se fazer austeridade. A redução de gastos do governo faz com que
empresas ineficientes que dependem do governo sejam enxugadas (ou quebrem) e
liberam mão-de-obra e recursos escassos para empreendimentos produtivos e
genuinamente demandados pelos cidadãos.
E as empresas responsáveis por esses empreendimentos produtivos terão
mais facilidade para contratar essa mão-de-obra demitida porque, em decorrência
da redução nos impostos, elas agora têm mais capital e seus consumidores, mais
poder de compra.
Além
de não provocar uma recessão profunda -- haverá recessão apenas se o governo
impuser medidas que retardem a realocação de mão-de-obra de um setor para o
outro (por exemplo, aumentando o seguro-desemprego ou o salário mínimo, ou
impondo altos encargos sociais que encareçam o processo de demissão e
contratação) --, esta maneira é a única que reduz duplamente o desperdício de
capital e, com isso, permite uma maior acumulação de capital. Maior acumulação de capital significa maior
abundância de bens produzidos no futuro.
E maior abundância de bens significa maior qualidade de vida.
Portanto,
há austeridade e "austeridades". A
melhor maneira é também a menos indolor e a mais propícia ao enriquecimento
futuro de uma sociedade. É
injustificável não adotá-la.