É
com enorme frequência que vejo pessoas declamando quão belo e puro o mundo
seria caso não existisse o dinheiro, pois o dinheiro macula todas
as relações humanas e só traz problemas e discórdias, sendo que, na realidade, "ninguém
precisa de dinheiro para viver".
Confesso
haver momentos em que eu não sei se tais pessoas estão realmente falando a sério
ou se elas estão apenas sendo retóricas.
Partindo do princípio de que tais declarações não são meramente retóricas, é necessário dar uma resposta.
No
cerne de toda a análise econômica moderna -- e tem sido assim desde a época de
Adam Smith -- está a importância da divisão do trabalho. A divisão do trabalho permite que nós nos
especializemos exatamente naquilo em que somos bons. É por meio da divisão do trabalho que
conseguimos descobrir que, quando nos especializamos naquelas áreas em que
possuímos uma vantagem comparativa e competitiva, passa a haver uma maior
demanda por nossos serviços e, consequentemente, uma maior riqueza ofertada em
troca de nossos serviços.
Uma
economia baseada no escambo é uma economia inerentemente primitiva. Neste arranjo, as pessoas são incapazes de se
especializar, pois não há mercados específicos prontos para adquirir os bens ou
serviços produzidos por essa pessoa. Por
exemplo, um indivíduo que cria galinhas terá dificuldade em trocar suas
galinhas por algum serviço específico (por exemplo, aulas de química), a menos
que ele saiba exatamente qual pessoa em toda a sociedade está disposta a
aceitar a galinha em troca do fornecimento do exato serviço demandado (aulas de
química) por esse criador de galinhas.
Quanto mais complexa uma sociedade, menores as chances de você encontrar
diretamente alguém que queira comprar exatamente aquilo que você tem para
vender e que, em troca, ofereça exatamente aquilo que você comprar.
Murray Rothbard
foi direto ao ponto:
No entanto, esse processo de troca direta de bens e serviços
úteis dificilmente seria capaz de manter uma economia acima de seu nível mais
primitivo. Tal troca direta -- ou escambo -- dificilmente é melhor do que a pura e simples
autossuficiência. Por quê? Em primeiro lugar, está claro que tal arranjo
permite somente uma quantidade muito pequena de produção. Se João
contrata alguns trabalhadores para construir uma casa, com o que ele lhes
pagará? Com partes da casa? Com os materiais de construção que não
forem utilizados?
Os dois problemas básicos deste arranjo são
a "indivisibilidade" e a ausência daquilo que chamamos de
"coincidência de desejos". Assim, se Silva tem um arado que ele
gostaria de trocar por várias coisas diferentes -- por exemplo, ovos, pães e
uma muda de roupas --, como ela faria isso? Como ele dividiria seu arado
e daria uma parte para um agricultor e a outra parte para um alfaiate?
Mesmo para os casos em que os bens são divisíveis, é geralmente impossível que
dois indivíduos dispostos a transacionar se encontrem no momento exato.
Se A possui um suprimento de ovos para vender e B possui um par de sapatos,
como ambos podem transacionar se A quer um terno? Imaginem, então, a
penosa situação de um professor de economia: ele terá de encontrar um produtor
de ovos que queira comprar algumas aulas de economia em troca de seus
ovos.
Obviamente, é impossível haver qualquer tipo
de economia civilizada sob um arranjo formado exclusivamente por trocas
diretas.
Há
somente uma maneira de comprarmos exatamente aquilo que queremos em uma
economia baseada na divisão do trabalho: por meio de um sistema monetário que
estipule preços aos bens e
serviços. Preços transmitem informação, e esta informação é crucial para a
sobrevivência da economia moderna.
A
importância do dinheiro para a economia é enorme. Sem a nossa atual economia monetária,
praticamente toda a moderna vida industrial e urbana entraria em colapso em uma
questão de poucos meses. Por exemplo, se
todo o sistema monetário eletrônico de um país rico e grande (como os EUA ou o
Brasil) deixasse de funcionar em decorrência de um ataque utilizando um pulso
eletromagnético, provavelmente mais da metade das pessoas deste país estaria
morta em menos de três meses. Sem o
dinheiro, não haveria cálculo de preços e de custos. Ninguém seria capaz de ofertar bens básicos
às cidades. Ninguém seria capaz de
calcular o custo de nada.
Sem
dinheiro, não haveria, por exemplo, transporte de cargas, de alimentos ou de
combustível. Caminhões que transportam produtos
para as cidades são pagos em dinheiro eletrônico. Nenhuma empresa de transporte mandaria um
caminhão com uma valiosa carga de gasolina para uma cidade. Em troca de quê? Se ele fizesse isso, o motorista jamais
retornaria. Nem o caminhão. A gasolina e o caminhão passariam a ser uma
valiosa moeda de troca. Os caminhões
deixariam de rodar.
O
mesmo raciocínio acima é válido para empresas de transporte que levam suprimentos
de alimentos para os supermercados nas cidades.
As prateleiras dos supermercados ficariam vazias. Quem sobreviveria em uma cidade que não
recebe suprimento nenhum? Como seria
essa cidade após três semanas sem suprimentos?
Sem
dinheiro, simplesmente não haveria como essa vasta quantidade de bens e
serviços -- algo que nem sequer podemos estimar -- encontrar compradores. A maioria da população perderia seus empregos
em uma questão de semanas. Não haveria
demanda por nenhum dos serviços que somos capazes de ofertar. Consequentemente, não seríamos capazes de
comprar praticamente nada daquilo que nos mantém vivos.
Seria
um colapso econômico muito além de qualquer coisa que já ocorreu na história
moderna. O retorno ao escambo resultaria
em uma mortandade em
massa. Seria o colapso
da economia baseada na divisão do trabalho.
As cidades se tornariam armadilhas mortíferas.
Em
outras palavras, o sistema monetário está no âmago do mundo moderno. Não poderia haver catástrofe maior para o
mundo moderno do que o sistema monetário eletrônico deixar de funcionar. Isso literalmente iria destruir a
civilização. Voltaríamos a ser uma
sociedade primitiva em um breve período de tempo. Quando digo "nós", refiro-me aos
sobreviventes.
Até
mesmo em épocas de hiperinflação é possível conseguir o que queremos, pois
ainda existem preços. Eles podem parecer
estapafúrdios e ilógicos, mas ao menos ainda são preços. Com os consumidores ávidos para se livrar
rapidamente desta moeda hiperinflacionada, eles competem entre si pelos bens e
serviços, e isso eleva os preços. Mas
esses preços ainda assim refletem o conceito de oferta e demanda dos
consumidores. Eles transmitem
informação. Eles realmente permitem que
compradores e vendedores transacionem.
Se fosse um arranjo de puro escambo, a perda de produtividade seria
devastadora para quase toda a população.
Se
você compra um ativo, você o adquire porque ele irá gerar dinheiro para você. Se um empreendedor faz algum investimento,
ele o faz com o intuito de obter um fluxo de dinheiro no futuro. Se, repentinamente, o dinheiro parar de fluir,
a esmagadora maioria destes ativos e investimentos tornar-se-ão inúteis. Mais ainda: sem o dinheiro e sem o sistema de
preços monetários, o sistema judiciário (estatal ou privado) deixaria de
funcionar. Não haveria mais respeito aos
contratos e aos direitos de propriedade, o que geraria ainda mais incerteza em
uma economia já destroçada. Haveria um
completo colapso da economia.
Se
o dinheiro não é importante e é possível viver bem sem ele, por que as pessoas trabalham
para obtê-lo? Se o dinheiro não é
importante, por que as pessoas vão às compras com ele? Quando você compra um ativo, você está na
realidade comprando um fluxo esperado de dinheiro. Somente na mais rara das circunstâncias você
espera que este ativo gere um fluxo de algo que não seja dinheiro. Se você compra uma mina para extrair ouro
dela mina, você irá vender este ouro em troca de dinheiro (a menos que utilize
esse ouro em um processo de escambo).
Logo, o dinheiro é o fluxo de renda que motiva você a comprar a mina de
ouro. O mesmo é válido para qualquer
terreno agrícola.
Para
resumir: se o dinheiro for abolido, morremos.
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Leia
também: Sem o dinheiro, não há nem
civilização e nem progresso