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Proteja seu bolso: governo em conluio com grandes empresários
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A
palavra "capitalismo" é utilizada de duas maneiras contraditórias. Em algumas ocasiões, ela é utilizada com o
intuito de denotar um mercado livre e desimpedido, ou laissez-faire. Em outras
ocasiões, ela é utilizada para denotar exatamente o arranjo atual em que vive o
mundo, uma economia mista em que o governo intervém para privilegiar grandes
empresas, criando monopólios e oligopólios.
Logicamente,
"capitalismo" não pode ser ambas as coisas.
Ou os mercados são totalmente livres, ou o governo os controla. Não é possível ter os dois arranjos ao mesmo
tempo.
Mas
a verdade é que não há um mercado genuinamente livre em nenhum país do
mundo. As regulamentações
governamentais, as tarifas, os subsídios, os decretos e as intromissões são
generalizados, variando apenas o grau de intensidade com que ocorrem em cada
país. Sendo assim, o termo "capitalismo"
denotando mercados livres não pode ser aplicado nos dias de hoje.
O
que existe é um capitalismo mercantilista, um capitalismo de compadrio, um
capitalismo regulado em prol dos regulados e dos reguladores, e contra os
consumidores.
O
que seria esse capitalismo mercantilista?
Trata-se de um sistema econômico no qual o mercado é artificialmente
moldado por uma relação de conluio entre o governo, as grandes empresas e os
grandes sindicatos. Neste arranjo, o
governo concede a seus empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios
que seriam simplesmente inalcançáveis em um genuíno livre mercado, como
restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas,
empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras
criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de
concorrentes estrangeiros. Em troca, as
empresas beneficiadas lotam os cofres de políticos e reguladores com amplas
doações de campanha e propinas.
O
capitalismo mercantilista é tão antigo, que Adam Smith já o criticava -- e
combatia -- no século XVIII. Atualmente,
não é necessário procurar muito para se encontrar exemplos deste tipo de
capitalismo. Basta olhar para o seu
próprio país. Todos os cartéis,
oligopólios e monopólios que você conhece estão em setores altamente regulados
pelo governo, como o setor bancário, o setor aéreo, o setor de transportes
terrestres, o setor de transportes aquaviários, o setor de telecomunicações, o
setor elétrico, o setor energético (petróleo, postos de gasolina), o setor minerador, o setor
farmacêutico etc.
Quem cria cartéis, oligopólios e monopólios é e
sempre foi o estado, seja por meio de regulamentações que impõem
barreiras à entrada da concorrência no mercado (agências reguladoras), seja por
meio de altos tributos que impedem que novas empresas surjam e cresçam, seja
por meio da burocracia que desestimula todo o processo de formalização de empresas, seja por meio da imposição de altas tarifas de importação que
encarecem artificialmente a aquisição de produtos importados (pense nas
fabricantes de automóveis).
Um
capitalismo de livre mercado é um sistema em que os lucros e os prejuízos são
privados. Já um capitalismo
mercantilista é um arranjo em que os lucros são privados, mas os prejuízos são
socializados. Quando são bem-sucedidas,
as empresas mantêm seus lucros; quando sofrem prejuízos, recorrem ao governo em
busca ou de pacotes de ajuda ou de novas medidas que restrinjam a
concorrência. No extremo, pedem ao
governo para jogar a fatura do prejuízo sobre os pagadores de impostos.
O
papel das regulamentações em um capitalismo mercantilista não é corretamente
entendido pelos intervencionistas. Eles
genuinamente acreditam que as regulamentações são uma forma de o governo
subjugar e domar as grandes corporações.
Só que, historicamente, as regulamentações sempre foram uma maneira tida
como lícita de determinadas empresas (geralmente as grandes e bem-conectadas
politicamente) ganharem vantagens à custa de outras, geralmente menos
influentes.
Por
exemplo, em teoria, agências reguladoras existem para proteger o
consumidor. Na prática, elas protegem as empresas dos consumidores.
Por um lado, as agências reguladoras estipulam preços e especificam os serviços
que as empresas reguladas devem ofertar. Por outro, elas protegem as
empresas reguladas ao restringir a entrada de novas empresas neste mercado.
No final, agências reguladoras nada mais são do que um aparato burocrático que
tem a missão de cartelizar os setores regulados -- formados pelas empresas
favoritas do governo --, determinando quem pode e quem não pode entrar no
mercado, e especificando quais serviços as empresas escolhidas podem ou não
ofertar, impedindo desta maneira que haja qualquer "perigo" de livre
concorrência.
Em
seu cerne, a regulação é anti-livre iniciativa, anti-livre mercado e
anti-concorrência. A regulação não se baseia nas preferências dos
consumidores e nem nos valores subjetivos dos consumidores em relação aos bens
e serviços ofertados. Ao contrário, ela faz com que as empresas ajam como
se fossem ofertantes monopolistas, de modo que os preços passam a ser
determinados pelos custos de produção das empresas e não pela preferência dos
consumidores.
Mas
isso é apenas o primeiro passo: uma empresa regulada pode encontrar várias
maneiras de fazer as regulações funcionarem em proveito próprio e contra os
interesses dos consumidores.
Por
exemplo, não é incomum que grandes empresas façam lobby para criar regulamentações
complicadas e onerosas sobre seu próprio setor. Por que elas fazem
isso? Para dificultar uma potencial concorrência de empresas novas,
pequenas e com pouco capital. Empresas grandes e já estabelecidas têm
mais capacidade e mais recursos para atender regulações minuciosas e
onerosas. Empresas pequenas, que querem entrar naquele mercado mas que
ainda não possuem muitos recursos financeiros, não têm essa capacidade. Empresas
grandes podem contratar lobistas (ou podem simplesmente subornar políticos)
para elaborar padrões de regulação que elas já atendem ou que podem facilmente
atender, mas que são impossíveis de serem atendidos por empresas pequenas e
recém-criadas.
O
livro "The Big
Ripoff: How Big Business and Big Government Steal Your Money",
de Timothy Carney, explica em detalhes como a própria Phillip Morris estimulou
a "guerra contra o tabaco" para se beneficiar, como a própria General Motors
agitou pela aprovação de rígidas legislações ambientalistas nos EUA (cujas
restrições mais rígidas afetariam a concorrência), e como a poderosa
megacorporação Archer
Daniels Midland se beneficia dos subsídios para o etanol (algo adorado
pelos ambientalistas).
O
apoio das grandes empresas às regulamentações criadas pelos governos não apenas
não é algo raro, como, na realidade, sempre foi a norma.
Caso
ainda não esteja convencido, apenas faça a si mesmo a seguinte pergunta: Qual
destas tem uma maior probabilidade de ser afetada por vigorosas
regulamentações: grandes corporações com boas conexões políticas e com enormes
departamentos jurídicos e contábeis, ou micro e pequenas empresas ainda
incipientes e em processo de formalização?
Regulamentações
aniquilam a concorrência -- e as empresas já estabelecidas adoram que seja
assim.
Este
arranjo de economia mista é também, como já explicado, ótimo para os
governos. Políticos e burocratas
adquirem poderes sobre as empresas e, com tais poderes, garantem que seus
cofres estejam sempre cheios. Políticos
ganham generosas doações de campanha e reguladores ganham fartas propinas. Ambas essas contribuições são feitas pelas
grandes empresas e pelos grandes sindicatos em troca da promessa de novas regulamentações
que irão lhes favorecer e afetar a concorrência.
Trata-se
de uma mistura de socialismo em um arranjo basicamente capitalista, uma mistura
suficiente para manter fluidas as receitas do governo e garantir a
continuidade dos assistencialismos sociais e corporativos. A porção capitalista dessa economia mista
possibilita um confortável estilo de vida para políticos e para milhões de
funcionários públicos.
Defensores
das regulações não percebem que elas são essencialmente uma forma de controle
estatal. É por isso que todos os partidos políticos atuais endossam
agências reguladoras e todo o seu aparato burocrático. Afinal, qual
político não gostaria de comandar amplos setores da economia?
Em
vez de proteger os inocentes e incautos, regulações estimulam os escroques e
incentivam as grandes empresas a manipular o sistema com o intuito de aumentar
sua própria fatia de mercado e seus lucros. Como sempre ocorre com todas
as interferências governamentais nas questões econômicas e sociais, a regulação
gera o efeito exatamente oposto do seu proclamado objetivo. E o pior: em um esforço para se tentar
corrigir as inevitáveis consequências desastrosas das regulações, mais e mais
regulações vão sendo criadas, levando a um controle estatal da economia cada
vez mais paralisante.
Já
passou da hora de a população entender a diferença entre livre mercado, que se
baseia na liberdade e na concorrência, e capitalismo mercantilista, que se
baseia em privilégios concedidos pelo estado.
A
conclusão é que os socialistas se reinventaram, trocaram seu rótulo para
social-democratas, deixaram de lado sua ânsia de estatizar diretamente os meios
de produção e optaram por um mais suave modelo fascista, no qual estado e
grandes empresas atuam em conluio para se beneficiar mutuamente e prejudicar o
cidadão, que tem de aceitar serviços ruins e caros, pois não há mais livre
mercado. Exatamente o intuito original dos socialistas.
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Participaram
deste artigo:
Hans
F. Sennholz (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises
nos Estados Unidos. Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956
a 1992, tendo sido contratado assim que chegou. Após ter se aposentado, tornou-se
presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997. Foi um
scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G.
Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.
Mark
Borkowski é o presidente da
corretora Mercantile Mergers & Acquisitions Corp., sediada em Toronto.
Leandro
Roque é o editor e tradutor do
site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.