A
Grécia deu o calote em sua dívida com o Fundo Monetário Internacional,
tornando-se assim o primeiro país "desenvolvido" a fazê-lo.
Após
passar os últimos cinco anos sobrevivendo pendurada a empréstimos "de
emergência", uma dívida de 1,6 bilhão de euros, cujo prazo expirou à meia-noite
de terça-feira, 30 de junho, não foi quitada.
Esse foi o maior
calote já vivenciado pelo FMI em todos os seus 71 anos de vida.
De
forma reveladora, o FMI se recusa a rotular o que houve pelo nome correto
("calote"), preferindo recorrer ao eufemismo "em atraso" (o qual, para os
não-iniciados, é um termo financeiro complexo e altamente técnico que significa
'calote').
Após
o calote, a Grécia agora está em companhia de países como Sudão, Zimbábue,
Afeganistão, Haiti, Iugoslávia e Somália.
A
dor grega já vinha se avolumando há um bom tempo, já que o país começou a
depender de empréstimos de emergência há cinco anos. Consequentemente, o calote de agora -- embora
tenha gerado ondas de choque em todo o mercado financeiro -- foi quase que
anti-climático. No entanto, as linhas
irregulares dos gráficos do mercado financeiro não mostram nada da carnificina
que está acontecendo -- ou que está por acontecer -- na economia real.
Os
problemas que a Grécia e o mundo enfrentam hoje são vários e diversos. Para os gregos, a imposição de controle de
capitais e de feriados bancários deixou a população sem acesso ao dinheiro de
suas contas bancárias. [N. do E.: em uma
trágica reedição do Plano Collor e do Corralito argentino].
Enormes
filas se formam nos caixas eletrônicos dos bancos durante
todas as horas do dia, mesmo que os saques permitidos tenham sido limitados
a 60 euros por dia. A próxima arma a
ser utilizada na guerrilha financeira: confisco de depósitos
(mais especificamente, o governo irá utilizar o dinheiro que os cidadãos têm
nos bancos para recapitalizar estes bancos, o que significa que o dinheiro será
tomado dos cidadãos e entregue aos bancos, sem retorno).
Quando
a Grécia recorreu aos financiamentos emergenciais, a Troika (o coletivo
pejorativa utilizado para se referir à trinca formada por Comissão Europeia,
Banco Central Europeu e FMI) autorizou um pacote de ajuda de €110 bilhões de euros, em troca de promessas vagas e
não-quantificadas de "austeridade". Os empréstimos mais recentes foram, na
realidade, uma mera reutilização
dos juros que a Grécia pagou aos outros países da zona do euro: os juros
que a Grécia pagou foram emprestados novamente para o país.
Mesmo
agora, após o calote, há poucas dúvidas no mercado financeiro de que a solução
para essa crise da dívida será mais
endividamento.
Como
os gregos estão aprendendo, o
FMI não irá aceitar calotes. Nunca
aceitou e nunca aceitará. Dizer que a
Grécia está "em atraso" não melhorará as coisas. A mensagem é clara: os gregos pagarão. Embora a Grécia tenha vivido confortavelmente
por algum tempo, com um
padrão de vida muito acima de suas reais posses, chegou a hora de pagar a
fatura.
O fracasso socialista
No
entanto, a Grécia não conseguirá pagar suas dívidas. Jamais.
Na mesma situação estão vários outros países da União Europeia. É por isso que as elites financeiras
europeias estão fazendo de tudo, inclusive jogo semântico, para não classificar
oficialmente a Grécia como 'caloteira'.
Afinal, se a Grécia revogar sua dívida, por que os outros países da
União Europeia (Portugal, Espanha, Itália e até mesmo França) deveriam pagar as
suas?
As
consequências financeiras de calotes maciços da maioria dos membros da União
Europeia é difícil de prever, mas não serão belas. A Europa, financeiramente, construiu um
castelo de cartas, e a mais mínima perda de confiança bastará para
desmoroná-lo.
No
cerne dessa tragédia europeia está o ideal socialista. A Europa vem flertando com o socialismo desde
o final do século XIX. O socialismo bismarckiano, que
começou no final daquele século, produziu duas guerras mundiais. O socialismo leninista, até o seu eventual
colapso, dizimou e escravizou centenas de milhões de indivíduos. Sem se sentirem afetados, tão logo a Segunda
Guerra Mundial terminou, os socialistas europeus embarcaram em um novo sonho
socialista. Afinal, se o socialismo
havia fracassado em um país, certamente ele funcionaria em outros.
E, se ele fracassasse em outros, então certamente ele
funcionaria se toda a Europa fosse arregimentada sob uma organização socialista
supra-nacional.
É
claro que eles não chamam de "socialismo" o arranjo que surgiu desse sonho, mas
é um socialismo ainda assim.
O
socialismo jamais irá funcionar, seja em um único país, seja em uma região
formada por vários países, como a Europa, ou até mesmo no mundo como um
todo. Ludwig von Mises, ainda em 1920,
já explicou por que o socialismo não é um sistema econômico alternativo. O socialismo nada mais é do que um programa
de consumo. O socialismo nada diz sobre
a produção. O socialismo não tem uma
teoria sobre a produção econômica.
Dado
que, no socialismo, a produção de cada indivíduo será redistribuída para toda a
humanidade, não há incentivo econômico para se produzir nada. Por outro lado, haverá vários incentivos para
a coerção, para ameaças de violência e, em última instância, para a
escravização completa.
Inversamente,
o capitalismo de livre mercado é um sistema econômico voltado para a produção,
no qual cada indivíduo é o proprietário dos frutos do seu trabalho e,
consequentemente, possui grandes incentivos econômicos para produzir tanto para
si próprio e sua família quanto para trocar seus bens excedentes pelos bens
excedentes produzidos por terceiros.
Já
sob um arranjo socialista, tanto o trabalhador quanto seu supervisor, mesmo sob
constantes ameaças de morte, jamais saberiam o que produzir, como produzir, em
que quantidade produzir e com que qualidade.
Essas direções econômicas são produtos do capitalismo de livre mercado e
do sistema de preços, ambos abolidos sob o socialismo.
Sob o capitalismo, o indivíduo se especializa em produzir bens que podem ser
livremente trocados pelos bens produzidos por terceiros. Essa é apenas uma maneira de ilustrar a Lei
de Say: a produção tem necessariamente de anteceder o consumo, e a própria
produção cria uma demanda por outros produtos.
Por
exemplo, um agricultor pode cultivar milho para a sua própria família ou para
alimentar seu rebanho, mas ele irá vender a maior parte do seu milho no mercado
em troca de dinheiro. E ele utilizará
esse dinheiro para satisfazer todas as suas necessidades e desejos. Sua plantação de milho, portanto, representou
sua demanda por outros bens e serviços, e o dinheiro foi simplesmente o meio de
troca que ele utilizou para satisfazer sua demanda.
Keynes
tentou refutar a Lei de
Say alegando que a demanda, por si só -- criada artificialmente por meio da
impressão de dinheiro pelo Banco Central --, iria estimular a produção. Ele tentou, de maneira ilógica e sem êxito,
colocar o consumo antes da produção [N. do E.: exatamente como fez o governo
brasileiro ao adotar a
Nova Matriz Econômica]. Isso gera
apenas inflação de preços e endividamento.
Até
hoje, Keynes é extremamente popular entre políticos adeptos da gastança, aos
quais ele concedeu a teoria intelectual e o imperativo moral de gastar o dinheiro que não
têm.
Estamos
testemunhando hoje, em tempo real, o resultado de 150 anos de socialismo
europeu chegando ao seu estágio final na Grécia. Os cidadãos europeus dos países produtores de
riqueza -- e que sustentam todo o arranjo da União Europeia por meio de seus
impostos -- estão começando a perceber que foram, todo esse tempo, espoliados pela UE,
que, ao garantir explicitamente não deixaria nenhum governo quebrar, criou um
risco moral irreversível: qual governo adotaria uma política fiscal cautelosa
sabendo de antemão que, se quebrasse, seria socorrido pelos pagadores de
impostos de outros países?
A
Grécia simplesmente acreditou piamente nessa garantia, e adotou políticas
fiscais expansionistas que levaram o país à falência. Outros países da UE não estão muito
atrás.
Passou
de hora de dar uma chance ao capitalismo de livre mercado na Europa: ele
funcionou todas as vezes em que foi adotado.
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Autores:
Patrick
Barron, consultor privado da indústria bancária. Leciona na
pós-graduação da Universidade de Winsconsin, Madison, na área de sistema
bancário, além de ensinar economia austríaca na Universidade de Iowa, onde vive
com sua mulher. Já fez diversas apresentações
para o Parlamento Europeu.
Ian Daily, graduando
em direita pela UCLA, estudou economia e ciência política na Universidade do
Sul da Califórnia (USC). É também veterano
da Marinha.
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