A China foi a grande salvadora da economia mundial
em 2008. A implantação de um pacote de
estímulos sem precedentes como resposta à crise financeira daquele ano gerou uma explosão de
investimentos em infra-estrutura.
Houve maciços e esbanjadores projetos de construção na China, os quais
envolveram a construção de basicamente qualquer coisa que você seja capaz de
imaginar. Como explicado
neste artigo:
Durante um período de apenas dois
anos, 2011 e 2012, o qual representou o ápice da tão aclamada "agressiva
política de estímulos" do governo chinês em resposta à recessão do mundo
desenvolvido, a
China consumiu mais cimento do que os EUA consumiram durante todo o século XX!
A voraz demanda por commodities a serem utilizadas
nesse boom da construção civil fez com que os países emergentes produtores dessas
commodities -- como minério de ferro e petróleo -- se beneficiassem desse
crescimento chinês e fossem também impulsionados por esse crescimento.
Agora, no entanto, a economia chinesa atingiu o
muro. O crescimento econômico está
abaixo dos 7% ao ano pela primeira vez em 25 anos, e isso segundo
as próprias estatísticas oficiais do país -- o que significa que os números
reais provavelmente estão muito piores do que isso.
O Banco Central chinês vem adotando várias medidas
para estimular a cambaleante economia. Nos
últimos 12 meses, a taxa básica de juros foi reduzida de 6% para 4,35%, sendo
este o menor valor da história.
A fuga de capitais do país vem aumentando. No
segundo trimestre de 2015, US$ 766 bilhões saíram do país. No primeiro trimestre, foram US$ 945 bilhões. Só nas últimas sete semanas, mais
de US$ 190 bilhões saíram do país.
Nas primeiras três semanas de agosto, US$
100 bilhões já foram embora, não obstante todas as draconianas leis
criadas pelo governo para impedir "saídas ilícitas de capital".
Como consequência dessa maciça fuga de capitais, o
Banco Central chinês optou por desvalorizar
a moeda chinesa (o renminbi). Essa recente
desvalorização da moeda foi uma medida desesperada e de última instância, a
qual serviu apenas para sinalizar que a grande era do crescimento chinês está
rapidamente chegando ao fim.
Ao longo de 2015, as exportações foram, em média, 11% menores do que em 2014, o que mostra que a situação chinesa é pior do que muitos estimam.
O mercado imobiliário chinês também se encontra em
uma situação claudicante. Os preços dos
imóveis caíram
acentuadamente após décadas de contínuo aumento. Para os milhões de chineses que alocaram
sua poupança no setor imobiliário, a situação é perturbadora.
Adicionalmente, a desaceleração econômica chinesa
está enviando ondas de choque para todo o mercado de commodities. O índice global de commodities,
da Bloomberg, que acompanha os preços de 22 commodities, caiu para níveis que
vigoravam apenas no início deste século.
O minério de ferro é uma matéria-prima essencial
para alimentar as siderúrgicas da China; e, como tal, é um bom mensurador para
o atual estado da construção civil chinesa.
O preço do minério de ferro no porto de Qingdao caiu
para US$ 43 a tonelada, menos da metade em relação aos US$ 140 que
vigoravam em janeiro de 2014.
Já os dados do setor industrial chinês são
desanimadores. O Índice de Gerentes de
Compras (Purchasing Managers Index -- PMI), o qual é um amplamente reconhecido
e respeitado mensurador da produção industrial, caiu
para 47 em agosto e está atualmente em 48. Para ser considerado
positivo, ele tem de estar acima de 50.
Sempre que o PMI cai abaixo de 50, o setor industrial está em contração. Em julho, o valor tmbém havia sido de 48. O atual valor é um dos menores da série histórica. [N. do E.: para o Brasil, este
índice está em 45,6].
O
bem-estar dos chineses
As duas áreas nas quais a nova riqueza dos chineses
se manifestou explicitamente foram essas: telefones celulares e
automóveis. Esses dois mercados estão
atualmente em contração.
O mercado chinês de telefones celulares é o maior do
mundo. No segundo trimestre deste ano,
pela primeira vez na história, as
vendas de celulares na China diminuíram.
Isso é um alerta de que os números oficiais do governo, que indicam um crescimento
de 7% do PIB, são fictícios.
Virou moda falar que a China está
vivenciando uma "saturação". Essa "saturação"
está se tornando uma nova realidade econômica na China. Durante anos, empresas globais se acostumaram
-- aliás, o termo mais correto seria "foram mimadas" -- com um crescimento
econômico artificial. Essa era acabou.
O problema é que vendas em queda são um fenômeno
muito pior do que era de se esperar de um mercado meramente "saturado". Um mercado "saturado" implica um crescimento
de vendas pequeno ou, no máximo, nulo. Quando
as vendas entram em queda, é difícil culpar a "saturação". Algo bem mais complexo está acontecendo, algo
que os números oficiais se recusam a reconhecer.
Smartphones não são o único bem de consumo que está
vivenciando essa débâcle de vendas em queda após anos de crescimento
espetacular. Vários outros produtos
estão hoje vivenciando essa mesma contração.
Por exemplo, a venda de veículos na China -- que é o maior mercado de
automóveis do mundo, tanto em termos de produção quanto de vendas -- declinou
em junho e julho em relação ao mesmo período do ano passado. Mas os incrédulos fabricantes seguem
construindo plantas e ampliando as instalações.
Consequentemente, a Volkswagen, cujas vendas na
China -- seu maior mercado consumidor -- vêm caindo há três meses seguidos,
está hoje empenhada
ao máximo em negar que esteja reduzindo sua produção para lidar com um
problema de capacidade ociosa. Sim, a VW
está cortando a produção, "mas por outros motivos", segundo a empresa. Capacidade ociosa é algo muito terrível no
ramo automotivo. Tal fenômeno
simplesmente não pode ser admitido publicamente.
O
que esperar
A maior ameaça para todo e qualquer regime político
é esta: a frustração de expectativas
otimistas.
Quando as massas começam a acreditar que as coisas
só irão melhorar, e passam a acreditar que a atual ordem política fará com que
as coisas só melhorem, então, caso essas expectativas se concretizem no curto
prazo, o regime político irá se tornar obrigado a gerar uma contínua expansão
da riqueza. Mas se essa expansão
desacelerar, e as massas não anteciparem essa desaceleração, o regime político
passará a enfrentar um potencial risco de revolução.
Na China, as massas foram ensinadas a acreditar que
o sistema sempre irá fornecer os bens.
E, ao longo das últimas três décadas, o sistema de fato forneceu os
bens. Os investidores que investiram no
país acreditaram que poderiam enriquecer quase que automaticamente. Hoje, eles estão descobrindo que as coisas
mudaram.
A classe média chinesa que acreditou que o futuro
traria dias cada vez melhores, e que saiu às compras por celulares e carros,
está agora enfrentando uma nova realidade: as políticas keynesianas baseadas em expansão do
crédito sempre geram uma contração.
A China ainda não havia vivenciado um ciclo econômico ao estilo
ocidental. Agora irá vivenciar.
A China é uma economia majoritariamente industrial. Ao contrário dos países ricos, sua economia
urbana não está baseada no setor de serviços; ela se baseia na exportação de
bens de consumo. Foi neste setor que
todo o crescimento econômico se concentrou nos últimos 35 anos. E é esse setor que agora está em recessão.
[N. do E.: o IMB já
havia anunciado a iminência de uma recessão industrial na China ainda no
segundo semestre de 2012].
O mercado de consumo dos bens chineses, localizado
no Ocidente, está secando.
É possível argumentar que a contração chinesa seria
inerente ao ciclo interno da economia chinesa, até então baseada em crescimento
contínuo sem recessão. Em outras
palavras, seria possível dizer que a contração é decorrente das políticas do
Banco Central da China. Os estímulos
gerados pela expansão do crédito teriam se exaurido. Isso significa que a recessão seria
estritamente de geração interna.
Entretanto, em um país maciçamente industrial que exporta para todo o
resto do mundo, as causas da contração são duplas: de um lado, a demanda ocidental
está em queda; de outro, as políticas de estímulo do Banco Central chinês não
mais estão aditivando a economia.
O Banco Central chinês está explicitamente em
pânico. Ora eles anunciam que irão
enrijecer; ora eles anunciam que irão adotar
novas medidas de expansão. Em janeiro de 2016, houve uma nova injeção de capital no sistema financeiro.
Já o governo chinês nunca diz nada. Ele não se pronuncia. Os políticos chineses são comunistas da velha
guarda e, como tal, não devem satisfação a ninguém no eleitorado. Consequentemente, eles ficam de boca fechada. Mas não há dúvidas de
que o governo central exige que o Banco Central faça de tudo para manter a
economia aquecida. O problema é que,
desta vez, o Banco Central não está conseguindo cumprir a exigência.
A dramática queda que vem ocorrendo nos últimos meses na bolsa de valores de Xangai é um indicativo da encrenca em que se
encontra o governo central chinês. O governo
estimulou uma insana especulação na bolsa, o
que faz com que seu índice mais do que dobrasse em apenas um ano.

Agora, o mercado está indo na direção oposta.

O governo está desesperado para impedir que a bolsa
continue caindo, mas, até agora, o índice segue afundando feito uma pedra. Tudo indica que já está havendo um pânico para
sair desse mercado. Isso é o que se deve
esperar. Tudo foi uma bolha, e a bolha
está agora em processo de estouro. Isso é
o que sempre acontece com bolhas.
Investidores chineses não têm experiência com precificações
feitas pelo livre mercado. Eles partiram
do princípio de que o mundo foi arranjado de modo a enriquecê-los. Eles esperaram anos para entrar na bolsa de
valores, e então, há um ano, eles começaram a entrar em revoadas. Esse foi um caso clássico de estouro de uma
bolha de ações gerada por uma economia que vivenciou uma expansão artificial.
Era comum ouvir esse mito a respeito do
keynesianismo asiático: ele seria diferente do keynesianismo ocidental. Os economistas keynesianos da Ásia, que não
se auto-intitulam keynesianos, recorrentemente argumentavam que um planejamento
econômico centralizado pelo governo, por meio do Banco Central, poderia
sobrepujar os ciclos econômicos típicos das democracias ocidentais. Eles estão prestes a descobrir que as leis
econômicas são imutáveis em qualquer hemisfério.
Esse artigo foi publicado originalmente em agosto de 2015
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Autores:
Wolf
Richter é comentarista economico e fundador da Wolf Street Corp.
Ambrose
Evans-Pritchard é colunista do jornal britânico The Telegraph
Gary
North é ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de
vários livros sobre economia, ética e história.