Uma política de câmbio flutuante funciona bem para países
já desenvolvidos e que possuem governos normais. Nesse arranjo, as flutuações cambiais ocorrem
dentro de uma normalidade previsível, e normalmente não causam sustos nem
instabilidade. Quando o país é sério, a
moeda flutua no sentido da apreciação, melhorando ainda mais o poder de compra
e a qualidade de vida da população (vide o recente caso da valorização
do franco suíço).
Já em países ainda em desenvolvimento, dotados de
governos bagunçados e políticos insensatos, o câmbio não flutua; ele afunda. E junto com ele vai o padrão de vida da população.
O Brasil está hoje vivenciando as consequências de
ter um câmbio flutuante dentro de um contexto político extremamente instável.
A seguir -- em uma compilação de tudo o que já foi
publicado por este site sobre o assunto --, as três consequências diretas, e nefastas,
geradas por uma moeda que está em contínua desvalorização.
1.
Aumento dos preços
Essa é a consequência mais imediata e mais visível.
Uma moeda fraca, longe de afetar exclusivamente os preços
dos importados, afeta também todos os preços internos, inclusive dos bens
produzidos nacionalmente. Isso é óbvio:
se a moeda está enfraquecendo, isso significa, por definição, que passa a ser necessário
ter uma maior quantidade de moeda para adquirir o mesmo bem.
Essa é a definição precípua de moeda fraca: é necessária
uma maior quantidade de moeda para se adquirir o mesmo bem que antes podia ser
adquirido com uma menor quantidade de moeda.
Não tem escapatória: moeda fraca, carestia alta. Sem
exceção.
No Brasil, o esfacelamento do
real perante todas as moedas do mundo -- e ainda mais intensamente
perante o dólar -- está gerando aumento de preços em todas as áreas da
economia.
Não são apenas os preços dos produtos importados e das viagens
internacionais que ficam mais caros. Bens
produzidos nacionalmente também encarecem, pois as indústrias produtoras
certamente utilizam insumos importados ou, no mínimo, peças importadas.
Uma simples firma que utiliza computadores e precisa
continuamente de comprar peças de reposição vivenciará um grande aumento de
custos.
Pior ainda: os preços dos alimentos são diretamente
afetados pela desvalorização da moeda.
Com a desvalorização do real no mercado
internacional, a aquisição de milho, café, soja, açúcar, laranja e carne do
Brasil ficou
muito mais barata para os americanos e estrangeiros em geral.
Consequentemente, os produtores brasileiros dessas
commodities passaram a vendê-las em maior quantidade para o mercado externo,
gerando uma diminuição da sua oferta no mercado interno e um aumento dos seus
preços.
Fartura para os estrangeiros, carestia para nós.
Os preços da carne bovina, por exemplo, que foram
até motivo de debate na
campanha eleitoral, seguem crescendo.
E, nesse caso, a desvalorização do câmbio tem um efeito duplo: de um lado, ela
aumenta as exportações do produto e reduz a oferta interna; de outro, ela
encarece o preço da soja (a soja é uma commodity precificada em dólar. Se
o real se desvaloriza perante o dólar, o preço da soja em reais aumenta).
E, dado que o farelo de soja é utilizado como ração para bovinos, o
encarecimento da soja encarece todo o processo de produção. (Apenas neste
ano, a tonelada do farelo de soja subiu de R$
1.070 para R$ 1.350)
Consequentemente, os preços da carne são
pressionados tanto pela diminuição da oferta quanto pelo encarecimento da
produção. Por trás de tudo, está o câmbio.
Mas piora. Como
dito, a desvalorização cambial é um fenômeno que gera carestia generalizada em
praticamente todos os bens e serviços do mercado interno, pois ela
gera um efeito em cascata.
A desvalorização cambial também encarece
os remédios (85% da química fina é importada), o
pão (o trigo é uma commodity precificada em dólar; se o dólar encarece, o
trigo encarece), os preços das passagens aéreas (querosene é petróleo, e
petróleo é cotado em dólar), das passagens de ônibus (diesel também é
petróleo), todos
os importados básicos (de eletroeletrônicos e utensílios domésticos a roupas e
mobiliários) e até mesmos os preços dos aluguéis e das tarifas de energia
elétrica (ambos são reajustados pelo IGP-M, índice esse que mensura commodities
e matérias-primas, ambas sensíveis ao dólar).
E o aumento do aluguel e o encarecimento da
eletricidade, por sua vez, afetam os custos de todos os estabelecimentos
comerciais, os quais terão de elevar os preços de seus produtos e serviços (o
cabeleireiro e a manicure cobrarão mais caro, assim como o dentista e a oficina
mecânica).
E todos esses aumentos generalizados farão com que
os autônomos que atuam no setor de serviços -- o eletricista e o encanador
comem pão e carne, cortam cabelo, pagam conta de luz e levam seus carros para
consertar -- também tenham de aumentar seus preços.
Ou seja, não há escapatória: uma desvalorização
cambial mexe com toda a estrutura de preços da economia.
2.
Desestímulo aos investimentos
Além de ser o meio de troca, a moeda é a unidade de
conta que permite o cálculo de custos de todos os empreendimentos e
investimentos. Se essa unidade de conta é instável -- isto é, se seu
poder de compra cai contínua e rapidamente, principalmente em termos das outras
moedas estrangeiras --, não há incentivos para se fazer investimentos.
Quando investidores investem -- principalmente os
estrangeiros --, eles estão, na prática, comprando um fluxo de renda futura.
Para que investidores (nacionais ou estrangeiros) invistam capital em
atividades produtivas, eles têm de ter um mínimo de certeza e segurança de que
terão um retorno que valha alguma coisa.
Mas se a unidade de conta é diariamente distorcida e
desvalorizada, se sua definição é flutuante, há apenas caos e incerteza.
Se um investidor não faz a menor ideia de qual será a definição da unidade de
conta no futuro (sabendo apenas que seu poder de compra certamente será bem
menor), o mínimo que ele irá exigir serão retornos altos em um curto espaço de
tempo.
Veja o caso do Brasil.
Em agosto de 2014, um dólar custava aproximadamente R$ 2,20. Naquela época, um investidor estrangeiro que houvesse
trazido US$ 100 para cá converteria para R$ 220.
Hoje, com o dólar a quase R$ 4,10, se esses R$ 220 fossem reconvertidos em dólares, o
investidor estrangeiro teria apenas US$ 53.
Isso significa que, para que ele obtivesse algum ganho real com seu
investimento -- por exemplo, para que ele pudesse voltar pra casa com pelo menos
US$ 101 --, sua taxa de retorno teria de ser de aproximadamente 88% (os R$ 220
teriam que se transformar em R$ 414) em um ano.
Há algum investimento que gera um retorno de 88% em
um ano?
Essa é a encrenca. País de moeda
instável é prejuízo certo para o investidor estrangeiro. A taxa de retorno
teria de ser altíssima para que ele se arriscasse a vir para cá.
No que mais, e como já dito, moeda se desvalorizando
implica que a população está perdendo poder de compra. Por que seria racional investir em um país
cuja população está perdendo poder de compra?
Para países em desenvolvimento, que precisam de
investimentos estrangeiros, essa questão da estabilidade da moeda é crucial.
E há outro fator: uma moeda estável cria as
condições necessárias para a transferência de conhecimento. O
conhecimento acompanha o investimento: o capital estrangeiro vem
acompanhado de conhecimento estrangeiro.
Se um país desvaloriza continuamente sua moeda, ele
está mandando um sinal claro aos investidores estrangeiros: "mantenham sua
riqueza financeira e intelectual longe daqui; caso contrário, você irá perdê-la
sempre que for remeter seus lucros".
O máximo a que um país de moeda fraca pode aspirar é
utilizar para fins de curto prazo o capital puramente especulativo (o chamado
"hot money") que entra no país à procura de ganhos rápidos com
arbitragem. Adicionalmente, os melhores cérebros do país abandonarão as
profissões voltadas para o setor tecnológico e irão se concentrar no mercado
financeiro, especialmente no setor de hedge.
Já um país de moeda forte e estável envia um sinal
bem diferente ao mundo: "tragam seu dinheiro; mandem para cá seus
especialistas; construam suas fábricas aqui; ensinem a nós tudo o que vocês
sabem; e riqueza que vocês criarem aqui voltará para vocês multiplicada e em
uma moeda que mantém seu valor".
E é exatamente por isso que uma moeda forte e
estável é indispensável para o crescimento econômico. Quando a moeda é
estável, investidores têm mais incentivos para se arriscar e financiar ideias
novas e ousadas; eles têm mais disponibilidade para financiar a criação de uma
riqueza que ainda não existe. O investimento em tecnologia é maior.
O investimento em soluções ousadas para a saúde é maior. O investimento
em infraestrutura é maior. O investimento em ideias para o bem-estar de
todos é maior.
Já quando a moeda é instável -- ou passa por
períodos de forte desvalorização --, os investidores preferem se refugiar em
investimentos tradicionais e mais seguros, como títulos do governo. Não
há segurança para investimentos de longo prazo, que são os que mais criam
riqueza.
É exatamente por isso que, em países cuja moeda tem
histórico de alta desvalorização, (alta inflação de preços), são raros os
investimentos vultosos de longo prazo. É por isso que, em países cuja
moeda tem histórico de alta desvalorização, os juros são altos. É por isso
que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os bens
produzidos são de baixa qualidade. É por isso que, em países cuja moeda
tem histórico de alta desvalorização, as pessoas são mais pobres.
Uma moeda instável desestimula investimentos
produtivos. E, consequentemente, age contra o crescimento
econômico.
Uma moeda forte e estável é indispensável para
atrair o capital estrangeiro e, com isso, gerar crescimento econômico.
O gráfico abaixo mostra o histórico da taxa de
câmbio do real em relação ao dólar (linha vermelha), ao euro (linha azul), ao
franco suíço (linha amarela), e à libra esterlina (linha verde).

Observe que, no período 2004-2010, foi um grande
negócio para os investidores estrangeiros investir no Brasil (a taxa de câmbio
em contínua apreciação gerava ganhos reais enormes para seus investimentos).
Já a partir de 2012, e intensificando a partir de
2014, a chance de eles perderem dinheiro -- mesmo tendo bons retornos em reais --
se tornou crescente.
E aqui, o gráfico da evolução do preço de 1 grama de
ouro em reais.

Veja que estabilidade...
3.
Desindustrialização
Segundo os economistas desenvolvimentistas, a
desvalorização do câmbio é o segredo para impulsionar a indústria e o setor
exportador brasileiro.
Ao se desvalorizar o câmbio, dizem eles, as
exportações são estimuladas e, liderada por um aumento nas exportações, a
indústria volta a produzir e, por conseguinte, toda a economia volta a crescer.
O primeiro grande problema é que, no mundo
globalizado em que vivemos, vários exportadores são também grandes importadores.
Para fabricar, com qualidade, seus bens exportáveis, eles têm de importar máquinas e matérias-primas de
várias partes do mundo. Uma mineradora e uma siderúrgica têm de utilizar
maquinário de ponta para fazer seus serviços. E elas também têm de
comprar, continuamente, peças de reposição. O mesmo vale para a indústria
automotiva, que adicionalmente será prejudicada pela redução da oferta de aço
no mercado interno (dado que agora mais aço está sendo exportado).
Se a desvalorização da moeda fizer com que os custos
de produção aumentem -- e irão aumentar --, então o exportador não mais terá
nenhuma vantagem competitiva no mercado internacional.
Aliás, não deveria causar nenhuma surpresa o fato de
a própria indústria automobilística ter vindo a público admitir que a
desvalorização cambial -- ao contrário do que pregam os economistas
desenvolvimentistas -- não apenas está encarecendo a produção, como também está gerando
incertezas para o setor.
Vale lembrar, adicionalmente, que a desindustrialização
no Brasil chegou ao auge justamente no período em que a moeda mais se
desvalorizou. A desindustrialização está ocorrendo é
justamente agora, quando temos uma moeda fraca, inflação alta, e as maiores tarifas
protecionistas da história do real.
E a causa não é apenas o aumento dos custos de produção
gerado pela desvalorização da moeda. Há também
outro fator.
Como explicado no item 1, a desvalorização cambial
faz com que haja um aumento generalizado dos preços. Consequentemente, a renda real das pessoas
diminui. Com a renda em queda, as
pessoas consomem menos. Consequentemente,
as vendas do comércio diminuem e os estoques se acumulam.
Ato contínuo, a primeira medida dos comerciantes
será a de diminuir a encomenda de novos estoques. Se há
geladeiras, fogões, televisões e móveis se acumulando nos armazéns das lojas,
então a encomenda de novos estoques será suspensa.
Logo, os fornecedores -- o setor atacadista --
reduzirão suas encomendas para as indústrias. E as indústrias, por sua
vez, reduzirão sua produção.
Ou seja, uma desvalorização cambial impactou
diretamente aquele setor que, segundo os economistas desenvolvimentistas, mais
seria beneficiado por ela.
Os três gráficos a seguir, do
IBGE, mostram a evolução do emprego na indústria brasileira em três
momentos recentes da economia.
Nesse primeiro gráfico, de janeiro de 2006 a
dezembro de 2008, época de forte crescimento da economia, o emprego no setor
industrial cresce continuamente (até a crise mundial do final de 2008).

Nesse segundo gráfico, que vai de janeiro de 2009 a
dezembro de 2011, há uma contração no ano de 2009, prontamente superada pelo
forte crescimento de 2010. Em 2011, o emprego na indústria se mantém
estável.

Finalmente, neste terceiro gráfico, de janeiro de
2012 a junho de 2015, o emprego na indústria encolhe continuamente.

Observe que, exatamente ao contrário do que defendem
os economistas desenvolvimentistas, é justamente quando o câmbio está se
apreciando (de 2005 a 2008, 2010 a 2011), que a indústria fica mais
forte. E é justamente quando o câmbio se desvaloriza (2009, e 2012 em
diante), que a indústria encolhe.
E o motivo é óbvio: câmbio desvalorizado significa
moeda com menos poder de compra. Moeda com menos poder de compra
significa renda menor para a população e preços em contínua ascensão. E
renda menor em conjunto com preços em contínua ascensão significa que a demanda
por bens de consumo diminui.
E isso afeta todo o setor industrial e atacadista,
como explicado no exemplo acima.
Não é à toa que a confiança
do empresariado chegou ao menor nível da série histórica:

A relação entre câmbio apreciado e indústria forte é
tão óbvia e direta, que é espantoso que ainda haja pessoas que acreditam que
uma desvalorização cambial "ajuda a indústria".
A crença, sem nenhuma lógica, é a de que uma moeda
desvalorizada, sem poder de compra, irá estimular as pessoas a produzir mais e
melhor, e a investir com mais sapiência.
"Destrua a moeda, e surgirão uma Apple, uma
Microsoft e uma Google", parece ser o lema deles.
Até mesmo o argumento de que o câmbio desvalorizado
estimula as exportações não se sustenta. Se os exportadores de um país
têm de recorrer continuamente ao mercado internacional para comprar maquinários
e peças de reposição, e se os maquinários e as peças de reposição são
demandados globalmente pelos exportadores de todos os outros países, então
aqueles que tiverem uma moeda forte estarão em grande vantagem, pois poderão
comprar tudo mais barato. Seu custo de produção será menor. Isso ajuda a
explicar por que os produtos suíços — cuja moeda se valoriza continuamente
desde 1971 — são de alta qualidade.
É por isso que uma taxa de câmbio valorizada ajuda as
indústrias mais competentes. Uma moeda forte permite que as indústrias
comprem bens de capital, máquinas e equipamentos de qualidade a preços
baixos. Isso as deixa mais produtivas, aumenta a qualidade dos seus
produtos, e faz com que eles sejam mais demandados lá fora.
(Nos primeiros anos do Plano Real, a moeda era muito
mais forte do que é hoje, e não houve nenhuma desindustrialização; ao
contrário, houve modernização do parque industrial).
Nenhum país que tem moeda fraca e inflação alta
produz bens de qualidade que sejam altamente demandados pelo comércio
mundial. Todos os bens de qualidade são produzidos em países com inflação
baixa e moeda forte. Apenas olhe a qualidade dos produtos alemães,
suíços, japoneses, americanos, coreanos, canadenses, cingapurianos etc.
Se moeda forte fosse empecilho para a indústria,
todos esses países seriam hoje terra arrasada. No entanto, são nações fortemente
exportadoras. Moeda forte e muita exportação.
Conclusão
Dado que o dinheiro representa a metade de
toda e qualquer transação econômica, a saúde da moeda irá determinar a
saúde de toda a economia. Se a moeda é instável, a economia também se
torna instável.
Não há como uma economia se fortalecer se a sua
moeda está enfraquecendo.
Essa destruição do poder de compra da nossa moeda
tem de acabar. A carestia que estamos vivenciando hoje não será resolvida
enquanto o real não voltar a se fortalecer. É impossível ter uma carestia
minimamente tolerável se a sua moeda é gerenciada por incompetentes.
Moeda desvalorizada não apenas não traz pujança a um
país, como ainda é sinal de debilidade econômica e de empobrecimento. Ninguém fica rico utilizando uma moeda que
compra cada vez menos. Isso é tão óbvio,
que aparentemente é necessário ter doutorado em economia para ser capaz de não entender.