À exceção da Argentina, da Venezuela e dos países
que adotaram o comunismo, é difícil encontrar um país cujo governo seja tão
propenso a destruir a economia como o Brasil.
Um governo excepcionalmente bom (se é que isso é
possível) pode apenas não atrapalhar a economia. Já um governo
incrivelmente ruim não apenas pode esfacelar uma economia até então estável,
como também pode exacerbar de maneira inacreditável um cenário econômico já
complicado.
E, no quesito ruindade, o governo brasileiro tem se
revelado de uma competência ímpar.
Todas as políticas da Nova Matriz Econômica -- que
se baseava em cinco pilares tão sólidos quanto farofa: política fiscal
expansionista, juros baixos, crédito subsidiado pelos bancos estatais, câmbio
desvalorizado e aumento das tarifas de importação para "estimular" a
indústria nacional -- já foram detalhadas em ordem cronológica neste artigo, de modo
que elas não serão novamente abordadas aqui.
O objetivo único deste texto é mostrar o descalabro que este experimento
heterodoxo e ultrakeynesiano nos legou.
Como
arruinar um país
Ainda em setembro de 2010, antes do primeiro turno
das eleições presidenciais, a então candidata Dilma Rousseff já deixava
bem claro a que viria:
"O
papo de ajuste fiscal é a coisa mais atrasada que tem. Não se faz ajuste fiscal
porque se acha bonito. Faz porque precisa. E eu quero saber: com a inflação sob
controle, com a dívida pública caindo e com a economia crescendo, vou fazer
ajuste para contentar a quem? Quem ganha com isso? O povo não ganha".
[...]
Não é de hoje que Dilma Rousseff se irrita quando ouve falar em necessidade de
ajuste de longo prazo da estrutura de despesas do governo, para evitar o
crescimento do déficit público [...].
Não se pode dizer que ela seja incoerente e que não
cumpra promessas. Destruir as contas do
governo foi exatamente o que ela fez.
Pedalando
gostosamente as contas públicas e utilizando o Tesouro para ressarcir
as distribuidoras de energia elétrica (as quais tiveram de pagar mais caro no mercado
de energia de curto prazo após o governo ter unilateralmente revogado os
contratos de concessão das empresas de geração e transmissão de energia) e para
garantir, via BNDES e outros bancos estatais, empréstimos
subsidiados a grandes empresas, a presidente mostrou que, ao contrário do
que dizem seus críticos, ela não fez propaganda enganosa. Prometeu desajuste
fiscal e cumpriu.
O gráfico abaixo mostra a evolução do déficit
nominal do governo (tudo o que o governo gasta, inclusive com juros, além do
que arrecada).

Gráfico 1: evolução do déficit nominal do governo
federal
Além daquele discreto aumento ocorrido a partir de
2014, vale notar que a guinada rumo ao descalabro começou, ainda que
timidamente, no segundo semestre de 2011.
(O surto ocorrido pontualmente em 2009 se deveu à recessão daquele ano,
que fez com que as receitas do governo caíssem).
É sempre bom ressaltar que os déficits orçamentários
do governo são financiados pela emissão de títulos do Tesouro, os quais são
majoritariamente comprados pelos bancos por meio da criação de
dinheiro.
Portanto, os déficits do governo são uma
medida inerentemente inflacionária.
O descalabro do gráfico acima já ajuda a entender
por que a inflação de preços no Brasil não cede não obstante a forte recessão
em que estamos.
O que um déficit nominal de R$ 475 bilhões isso
significa em termos de PIB? Isso:

Gráfico 2: evolução do déficit nominal do governo
federal em porcentagem do PIB
Para se ter uma ideia do
que significa um déficit de 8,5% do PIB, basta dizer que o déficit orçamentário
do "pródigo" governo Obama não passa de
2,5% do PIB. E o do governo do Reino
Unido é de "apenas" 5,7%
do PIB. Até mesmo os "devassos"
japoneses se contentam com menos: 7,7%
do PIB.
Quem é pior do que a
gente? A Venezuela, com
11,5% do PIB.
O descalabro
orçamentário, obviamente, pressionou a taxa de câmbio:

Gráfico 3: evolução do preço do dólar em reais
desde o início do governo Dilma
De janeiro de 2011 até
hoje, o dólar já encareceu 123,7%. Ou,
colocando de outra forma, o real já se desvalorizou 55,5% em relação ao
dólar. (E escabrosamente perante todas
as outras moedas do mundo, inclusive portentos como o guarani paraguaio e o
gourde haitiano).
Como consequência do
descalabro orçamentário e cambial, os títulos do Tesouro brasileiro já estão
pagando um "seguro contra calote" mais alto do que os títulos da
Rússia. Este seguro é conhecido pela sigla CDS (Credit Default Swap), e
fica mais caro à medida que cresce o risco de um título.

Gráfico 4: evolução dos Credit
Default Swaps do Brasil (linha preta) e da Rússia (linha vermelha)
Por causa de tudo isso, uma parte dos títulos que o
Tesouro põe a leilão já não está conseguindo ser vendida, pois os juros
ofertados não são atrativos o bastante. Consequentemente,
os títulos que sobram são repassados ao Banco Central, que em seguida os
utiliza para fazer operações compromissadas.
O montante de títulos públicos em posse do Banco
Central apenas para fazer operações compromissadas corresponde a 75% da
carteira do BC; em 2005, tal montante não passava de 14%. Segundo Gustavo
Franco, esses títulos representam a dívida "encalhada",
aquela que o governo simplesmente não consegue rolar no mercado.

Gráfico
5: evolução dos títulos do Tesouro em posse do Banco Central
E daí?
E daí que, ainda segundo Franco, essa
situação "é pior que a da Grécia; mas como a Grécia não tem um Banco Central
autônomo, seu governo não tem esse privilégio de poder repassar ao seu Banco
Central os títulos não-vendidos".
O fato é que há títulos do governo sendo rejeitados
às taxas de juros vigentes.
Isso explica por que, mesmo com juros aparentemente
altos, o real não se valoriza perante as moedas estrangeiras. Os investidores estrangeiros simplesmente
ainda não se sentiram atraídos a comprar reais para aplicar em títulos.
Em paralelo a tudo isso, os bancos estatais -- Banco
do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES -- seguem descontrolados,
jogando dinheiro na economia (por meio da modalidade "crédito direcionado") a
juros quase sempre
abaixo da própria taxa SELIC.
O gráfico abaixo mostra a expansão do crédito
ocorrida no Brasil desde a criação do real. A linha azul mostra o total de
crédito concedido pelos bancos privados (Itaú, Bradesco, Santander, HSBC,
Citibank e outros pequenos). A linha vermelha mostra o total de crédito
concedido pelos bancos estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
BNDES, Banco do Nordeste e outros bancos públicos estaduais, como Banrisul,
BRB, Banco da Amazônia, Banestes).

Gráfico
6: evolução do crédito concedido pelos bancos estatais (linha vermelha) e
privados (linha azul)
Na prática, o gráfico acima mostra a quantidade de
dinheiro que os bancos (privados e estatais) jogaram na economia.
Além de comprovar que o crédito no Brasil já se
encontra efetivamente estatizado -- pois o volume de crédito fornecido pelos
bancos estatais ultrapassou em muito o volume de crédito fornecido pelos bancos
privados --, o gráfico acima também mostra que os bancos estatais -- em conjunto com a desvalorização cambial e o
desequilíbrio orçamentário do governo -- são os principais propulsores da
carestia que estamos vivenciando no Brasil.
De 2009 até hoje, eles sozinhos já jogaram mais de
R$ 1,3 trilhão na economia brasileira. Nesse mesmo período, os bancos
privados jogaram "apenas" R$ 600 bilhões.
Adicionalmente, dado que os bancos estatais são
obrigados pelo governo a fornecer empréstimos subsidiados pelo Tesouro (a juros
bem abaixo da SELIC; foi daí que vieram as "pedaladas")
para alguns setores escolhidos pelo governo -- sendo os principais o setor
imobiliário (para aquisição de imóveis), o setor rural, o setor exportador e os
barões do setor industrial --, a política de juros do Banco Central não afeta
aquela linha vermelha. Ela afeta apenas a linha azul.
Ou seja, a política de juros do Banco Central atua
apenas sobre o crédito livre, que é quase todo fornecido pelos bancos
privados. Quanto mais a SELIC sobe, mais o crédito dos bancos privados é
asfixiado, mais a renda nominal fica estagnada e maior é o grau de estatização
do crédito. Isso significa que o combate à carestia via simples aumento
da SELIC não funcionará enquanto os bancos estatais estiverem sob comando da
Fazenda.
Essa conjunção de esbórnia fiscal, desvalorização
cambial e expansão do crédito estatal não podia gerar outra coisa que não uma
acentuada inflação de preços. A maior
desde 2003.

Gráfico
7: evolução do IPCA acumulado em 12 meses
Dentre os itens que mais encareceram, destaque para
a energia elétrica.
Após o populismo tarifário ocorrido no final de
2012, o qual desestimulou as geradoras e transmissores, e endividou as
distribuidoras, acabou-se
com os repasses do Tesouro às distribuidoras. As tarifas encareceram
80% em algumas cidades.

Gráfico
8: variação mensal (com uma média móvel de 12 meses) dos preços da energia
elétrica
Paralelamente, a Petrobras decidiu que já era hora
de recompor seu caixa (dizimado tanto pela corrupção quanto pela política de
vender gasolina a preços menores que os custos de importação), e o preço
da gasolina disparou nas bombas.

Gráfico
9: variação mensal (com uma média móvel de 12 meses) dos preços da gasolina
Para combater esse surto inflacionário, o Banco Central
sobe os juros, mas com gradualismo e parcimônia.
Em vez de seguir os exemplos históricos bem
sucedidos -- como os dos EUA
e do Canadá
da década de 1980, da Nova
Zelândia da década de 1990, e do próprio Brasil
em 2003 --, que é subir os juros de uma só vez e em grande escala -- o que ao
menos geraria um choque de expectativas --, o BC opta por adotar o gradualismo,
subindo os juros de maneira lenta e parcimoniosa, com aumentos tímidos de 0,5
ponto percentual por reunião, fazendo com que não haja nenhuma alteração nas
expectativas dos agentes formadores de preço.

Gráfico
10: evolução da taxa básica de juros
O atual processo de subida lenta e gradual dos juros -- que fez com que os
juros praticamente dobrassem em dois anos e meio -- foi o suficiente pra gerar
uma recessão mas ainda não foi o suficiente pra debelar a carestia. Para se debelar carestia com juros, a subida
nos juros tem de ser forte e de uma vez só.
Ao se fazer isso, ao dar essa pancada forte nos juros, consegue-se, no mínimo, alterar as
expectativas das pessoas em relação à inflação futura. Os formadores de preços -- dentistas,
advogados, indústria, comércio -- ao verem essa ação vigorosa do Banco Central,
são afetados por ela, incorporam essa expectativa de que a inflação será controlada
e, consequentemente, param de reajustar seus preços baseando-se nessas
expectativas.
Mas como isso não ocorreu, tanto as expectativas
para a inflação futura quanto os juros de longo prazo -- como os juros dos títulos
de 10 anos do governo -- só fizeram subir.

Gráfico
11: expectativas para a inflação

Gráfico
12: evolução da taxa de juros dos títulos de 10 anos do governo
Os juros dos títulos de 10 anos sobem porque as
expectativas para a inflação futura seguem
em contínuo aumento.
Se os juros dos títulos de 10 anos só fazem crescer,
isso significa que o crédito para investimentos de longo prazo também só encarece.
Como consequência, os investimentos e a formação bruta
de capital fixo despencaram e voltaram a níveis de 2009.

Gráfico
13: evolução da Formação Bruta de Capital Fixo
Mais especificamente, os investimentos se contraem
há sete trimestres.
Esse encarecimento do crédito tem o efeito óbvio de restringir
a concessão de crédito, o que afeta o crescimento da
renda nominal.
Com a renda nominal contida, a queda nos
investimentos e o contínuo aumento nos preços (gerados pelo desequilíbrio orçamentário,
pela desvalorização cambial e pela expansão do crédito dos bancos estatais),
era inevitável que a renda real das
pessoas caísse.

Gráfico
14: evolução da renda média real dos trabalhadores do setor privado com
carteira assinada (linha vermelha) e sem carteira assinada (linha azul).
A renda real dos trabalhadores com carteira assinada
retorna aos níveis de 2012. Já a dos
trabalhadores sem carteira assinada retorna a níveis de 2010.
A carestia generalizada em conjunto com a disparada dos
combustíveis e da conta de luz obriga empresas, estabelecimentos comerciais e
ofertantes de serviços a repassar esses custos aos seus preços. Como
consequência, vendem
menos e a receita cai.
O gráfico a seguir mostra a evolução do índice do
volume de vendas do varejo.

Gráfico
15: evolução do índice do volume de vendas no varejo
O varejo, que até então crescia anualmente, recuou
aos níveis de 2012.
Se o varejo vende menos, todo o setor industrial
produz menos. Se as vendas das Casas Bahia diminuem e os estoques se acumulam,
a primeira medida será a de diminuir a
encomenda de novos estoques. Se há geladeiras, fogões, televisões
e móveis se acumulando nos armazéns das lojas, então a encomenda de novos
estoques será suspensa.
Ato contínuo, os fornecedores das Casas Bahia -- o
setor atacadista -- reduzirão suas encomendas para as indústrias. E as
indústrias, por sua vez, reduzirão sua produção.
As indústrias de bens de consumo duráveis, por
exemplo, retrocederam sua produção (para igual período do ano) aos níveis de
2004.

Gráfico
16: evolução dos indicadores de produção das indústrias de bens de consumo
duráveis
Já as indústrias de transformação retrocederam sua produção
(para igual período do ano) aos níveis de 2005.

Gráfico
17: evolução dos indicadores de produção das indústrias de transformação
O próprio consumo de energia elétrica pelas
indústrias retrocedeu aos níveis de 2007.

Gráfico
18: consumo de energia elétrica das indústrias brasileiras
A venda de caminhões pelas concessionárias dá uma
boa dimensão da retração econômica do país.
Com economia em contração, há menos vendas. Com menos vendas, há menos produção. Com menos produção, há menos demanda por
transporte de matérias-primas, equipamentos e peças de reposição.

Gráfico
19: vendas de caminhões ao mês
Igualmente, tanto a produção quanto as vendas de automóveis
desabam.

Gráfico
20: vendas mensais de automóveis pelas concessionárias

Gráfico
21: produção mensal de automóveis nas montadoras
Tudo isso inevitavelmente se traduziu em aumento do
desemprego.
O número de pessoas empregadas no setor privado, nas
seis regiões metropolitanas mensuradas pelo IBGE, retrocedeu aos níveis de
2011.

Gráfico
22: números de pessoas (em milhares) empregadas no setor privado nas 6 regiões
metropolitanas pesquisadas pelo IBGE
Como consequência de todo esse cenário, e pela total
falta de perspectiva de melhora para o futuro, a confiança dos empresários do
setor industrial e dos empresários do setor de serviços é a pior de suas
respectivas séries históricas.

Gráfico
23: evolução do índice de confiança do empresário industrial

Gráfico
24: evolução do índice de confiança do setor de serviços (série histórica começa
em junho de 2008)
Já o índice de confiança do consumidor voltou aos níveis
de setembro de 2001, quando do atentado terrorista ao World Trade Center.

Gráfico
25: evolução do índice de confiança do consumidor
Conclusão
Em termos de descalabros econômicos criados por um
governo, e excetuando-se os regimes comunistas e bolivarianos, você consegue
pensar em algum outro governo tão desastroso quanto o atual governo brasileiro?
Vale repetir o que já foi dito em outro artigo: poucos
países minimamente sérios vivenciam, de forma tão explícita e tão rotineira
quanto o Brasil, as consequências das intervenções estatais em suas economias. Exatamente
por isso, não deixa de ser curioso que, justamente o país em que os resultados
nefastos das intervenções do governo na economia são os mais visíveis, é também
aquele que possui uma das populações que mais adoram o estado.