N. do E.: A ideia de limitar o
crescimento anual das despesas do governo à inflação de preços (IPCA) do ano
anterior, embora longe do ideal, já representaria um grande avanço em relação
à verdadeira esbórnia que impera hoje, em que os gastos do governo aumentam sem
qualquer critério.
De 2006 a 2015, o gasto não-financeiro do governo (com
pessoal, custeio, programas sociais e investimentos) cresceu 93% acima da
inflação e chegou a R$ 1,16 trilhão -- com a regra defendida pela atual equipe
econômica, o
atual volume dos gastos do governo estaria em "apenas" R$ 600 bilhões.
Mais ainda: em 15 anos, os gastos do governo só não cresceram
acima da inflação uma
única vez.
A atual medida é boa, porém, ainda é insuficiente. Pode-se fazer muito mais. E há exemplos práticos nos quais podemos nos
espelhar. Em vez de limitar o
crescimento dos gastos, por que não cortar diretamente os gastos? Foi o que fez a Irlanda. E os resultantes foram surpreendentes.
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Há uma ideia que, sem distinções, une todos os políticos em aversão a ela: uma redução
dos gastos públicos.
O exemplo prático da Irlanda, no entanto, deveria ao menos fazer essas pessoas
refletirem um pouco mais.
O problema
com os gastos do governo
Em
qualquer debate sobre economia, quando alguém propõe reduzir o déficit orçamentário
do governo por meio do corte de gastos, a reação dos interlocutores sempre é de
espanto, alarme e até mesmo de raiva.
A
adoração pelos gastos do governo não é patrimônio exclusivo da esquerda. Todos os governos, independentemente de suas
ideologias, raramente fazem um ajuste do setor público; eles preferem impor
todo o ajuste ao setor privado, elevando impostos.
Os
infindáveis debates sobre "austeridade", aliás, parecem ignorar esse conceito básico:
quando um governo tenta combater seu déficit fiscal por meio do aumento de
impostos -- e não por meio de um corte de gastos --, isso não é austeridade
para o governo. Desde quando você elevar
suas receitas é "austeridade"?
Quando
se fala em "austeridade", o que se está dizendo, na prática, é que toda a
austeridade ficará por conta do setor privado, o qual, este sim, terá de
reduzir seus investimentos e fazer demissões, apenas para continuar sustentando
o déficit do setor público, o qual é sagrado.
Uma
real austeridade para o governo ocorre tão-somente quando este corta gastos sem
elevar impostos.
Mas
por que a adoração pelos gastos do governo?
Pela
perspectiva keynesiana -- que é a ideologia dominante --, os gastos do governo
estimulam a "demanda agregada". E,
sempre de acordo com este modelo, quando se estimula a "demanda agregada"
está-se impulsionando a prosperidade do país.
Sendo assim, mais gastos do governo geram maior demanda, e maior demanda
gera mais produção, mais emprego e mais riqueza.
No
entanto, não é necessário um grande domínio da ciência econômica para perceber
que essa ideia é totalmente ilógica. Em qualquer
situação, viver dentro de seus meios e de suas possibilidades, gastando menos
que ou igual ao que se recebe, é um imperativo econômico. Gastar mais do que se recebe implica se
endividar continuamente. E endividar-se
continuamente gera inevitavelmente a falência do endividado, uma vez que a
dívida, ao se tornar cada vez maior, faz com que seus juros sejam impagáveis.
A
esse respeito, Adam Smith escreveu que "aquilo que é sensato dentro de uma família
não pode ser uma estultícia quando aplicado a um grande reino".
A
diferença dos governos para as famílias é que suas receitas são auferidas de
maneira coercitiva, sendo confiscada de todos aqueles trabalhadores
assalariados e empreendedores que atuam no setor produtivo da economia.
Neste
sentido, um aumento dos gastos do governo significa, de maneira muito simples,
que o governo ou aumentará os impostos para fazer frente a esses novos gastos
ou irá se endividar ainda mais -- o que significa que, dado que o governo está
tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar
empreendimentos produtivos.
Há
uma terceira hipótese, que seria a simples criação de dinheiro pelo Banco
Central para financiar diretamente o governo.
Sempre que essa medida foi utilizada -- como no Brasil da década de
1980 --, o resultado foi
a hiperinflação.
Portanto,
tendo em mente que o governo só pode gastar aquilo que ele antes confiscou de alguém,
a ideia de que gastos do governo estimulam a "demanda agregada" e geram
crescimento econômico equivale a dizer que tomar dinheiro de uns para gastar
com outros pode enriquecer a todos. Para se utilizar uma metáfora, tal
ideia significa dizer que tirar água da parte funda da piscina e jogá-la na
parte rasa fará o nível geral de água na piscina aumentar.
Consequentemente,
os gastos do governo não apenas não podem "estimular a demanda", como também geram
uma maior carga tributária, um maior endividamento do governo e uma maior inflação. No mínimo, irão gerar mais incertezas: se o
governo está gastando mais do que recebe e está se endividando continuamente, então
essa dívida terá de ser futuramente quitada com mais impostos. Essa mera possibilidade de aumentos de
impostos futuros já serve para inibir investimentos produtivos. Como investir quando não se sabe como serão os
impostos no futuro?
No
mais, há outros efeitos importantes: uma redução dos gastos do governo tem o
efeito de reduzir o peso da burocracia estatal. E isso, por
sua vez, leva a um aumento da participação do setor privado na economia.
Com menos burocracia e com menos regulamentações onerosas, há uma maior facilidade para o
empreendedorismo e, consequentemente, para a geração de riqueza.
Por
outro lado, um aumento de impostos consolida a hipertrofia da burocracia
estatal, das regulamentações, e das atividades não-produtivas e sugadoras de
recursos escassos. Tudo isso à custa do achaque daquela fatia da
sociedade civil que trabalha e produz.
Não
há, portanto, como ver um aumento dos gastos do governo, e seus subseqüentes déficits
orçamentários, como algo benéfico.
O exemplo irlandês
A
prática mostra que o mundo real não apenas não respeita as teorias keynesianas,
como ainda confirma a sólida teoria econômica: a austeridade estatal -- atenção:
a austeridade imposta ao estado, e não ao setor privado -- gera crescimento econômico.
Nos
últimos dois anos, a economia da Irlanda -- que foi gravemente afetada pela
crise financeira de 2008, com forte
queda na produção industrial e acentuado aumento
no desemprego -- cresceu nada menos que 13,4%
(5,2% em 2014 e 7,8% em 2015).
Neste
mesmo período, a economia espanhola, outro país igualmente afetado pela crise
financeira, cresceu apenas 4,5% (três vezes menos).
A
economia irlandesa é hoje a que mais
cresce em toda a Europa.
Entre
os fatores que mais contribuíram para este forte crescimento está, obviamente,
os investimentos, que avançaram
28,2%. Também digno de nota foi o
crescimento das exportações, que saltaram
13,8% -- e sem qualquer manipulação da taxa de câmbio, pois, como se
sabe, a Irlanda faz parte da zona do Euro, e seu governo não tem qualquer
controle sobre a taxa de câmbio da moeda.
O
caso irlandês é extremamente interessante.
No ano de 2010, o país vinha de dois anos de recessão profunda. O desemprego chegou
a 15% e o déficit fiscal do governo alcançou a astronômica cifra de 32,3%
do PIB, causado majoritariamente pelo resgate do seu sistema
bancário.
O
governo, então, começou a cortar gastos.
E os cortes foram em termos nominais, o que significa que a cada ano o
governo literalmente gastava menos do que havia gastado no ano anterior.

Gráfico 1: evolução dos gastos nominais do governo
da Irlanda
No
ano seguinte, em 2011, trocaram o primeiro-ministro, assumindo o cargo o líder
do partido Fine Gael,
um partido identificado com a contenção fiscal, com uma menor intervenção do
estado na economia e com políticas mais pró-mercado. Imerso em um programa de resgate com fundos emprestados
pelo FMI e pela União Europeia, o novo governo colocou como objetivo principal
equilibrar seu orçamento.
Em
2011, o gasto público já havia sido reduzido em nada menos que 20 pontos
percentuais em relação ao PIB, o que reduziu o desequilíbrio orçamentário na
mesma proporção. A partir daí, a trajetória
se manteve. Os gastos do governo em relação
ao PIB voltaram a cair mais 11,6 pontos percentuais entre 2011 e 2015, chegando
a 33,9% do PIB ao final de 2015, um nível muito inferior à média européia.

Gráfico 2: evolução dos gastos do governo em relação
ao PIB (linha preta, coluna da esquerda); crescimento econômico (barras azuis,
coluna da direita)
A evolução do déficit
nominal do governo explica essa queda: após ter alcançado os já citados 32,4%
do PIB em 2010, a cifra voltou para 1,8% do PIB em 2015.

Gráfico 3: evolução do déficit nominal do governo irlandês
em relação ao PIB
Em paralelo a toda esta
contundente política de austeridade do governo -- de novo: a austeridade foi
aplicada no governo, e não jogada sobre o setor privado --, a economia não apenas
não entrou em colapso, como ainda se tornou uma das mais vibrantes e de mais
rápida recuperação de toda a zona do euro.
O desemprego, que chegou a 15% em 2011 e 2012, caiu de maneira considerável
nos anos seguintes, estando
hoje em 8,8%, e com tendência de queda.
Adicionalmente, o PIB per
capita -- que é a métrica
que realmente importa -- está hoje em níveis superiores aos de antes da
crise financeira, superando os 43 mil euros anuais. Obviamente, a inflação de preços no país é
inexistente.
Finalmente, o fato de o
imposto de renda de pessoa jurídica ser um dos menores do mundo -- alíquota
máxima de 12,5%, contra 34%
no Brasil --, e o fato de o governo, contra todas as exigências dos órgãos internacionais,
ter se recusado a elevá-lo, apenas ajudaram a solidificar o clima
pró-empreendedorismo do país.
Embora estes resultados
possam surpreender a muitos, não há mistério nenhum. A redução dos gastos e, consequentemente, dos
déficits orçamentários do governo, em conjunto com a manutenção de uma baixa
carga tributária sobre os empreendimentos, permitiram à Irlanda criar um clima
atrativo aos investimentos. Ainda mais
importante: ajudaram a garantir que tudo continuará assim -- sem surpresas --
no futuro. Ao reduzir seus gastos, seus déficits
e seu endividamento, e ao não aumentar os impostos, o governo, pelos motivos
explicados no início do artigo, reduziu o nível de incertezas em toda a
economia, estimulando os investimentos.
Conclusão
Aqueles que se posicionam
contra todo e qualquer corte de gastos do governo deveriam, ao menos, estudar o
caso da Irlanda. O crescimento econômico,
a redução do desemprego e o aumento da riqueza não apenas são totalmente compatíveis
com a redução do gasto público, como também são mais facilmente possibilitados
por este.
Por tudo isso, todo e
qualquer déficit orçamentário do governo tem de ser combatido com cortes de
gastos, e não com aumentos de impostos.
Se o objetivo é viver em
um país dinâmico, não fagocitado pela burocracia e pelos impostos, com níveis
toleráveis de endividamento e onde os cidadãos não padeçam dos excessos e
esbanjamentos de sua classe política, então é necessário fazer intensa pressão
pelo corte de gastos, e jamais tolerar idéias
de aumento — ou de criação — de impostos.
No Brasil, por exemplo, a
extinção dos super-salários
dos sultões do setor público já seria um bom começo. A abolição do BNDES e a devolução do dinheiro a ele emprestado pelo Tesouro também fariam muito pela causa. Os 39 ministérios deixados por Dilma, que custavam mais de R$ 400 bilhões por ano e empregavam 113 mil apadrinhados, e cujos salários consomem R$ 214 bilhões, também são um alvo apetitoso. Não basta apenas fundir um ao outro, e transformar alguns em secretárias. Tem de fechar.
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Juan
Ramón Rallo é diretor do Instituto
Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na
Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.
Iván
Carrino é analista econômico da Fundación Libertad y Progreso na
Argentina e possui mestrado em Economia Austriaca pela Universidad Rey Juan
Carlos, de Madri.
Leandro
Roque é o editor e tradutor do site do Instituto
Ludwig von Mises Brasil.