O brasileiro é o português -- dilatado pelo calor, escreveu
Eça de Queirós.
A analogia é perfeita para iluminar uma personagem central da
crise brasileira (e um da portuguesa): Luiz Inácio Lula da Silva é o José
Sócrates dilatado pela ambição política. A diferença territorial entre Brasil
e Portugal é proporcional ao que parece ser o apetite de ambos pelo poder e
pelo uso do estado em benefício próprio, do partido e da ideologia que ambos
representam.
Até recentemente, o ex-presidente Lula gozava um prestígio
internacional que já não desfrutava tão amplamente no Brasil como anos atrás.
Sua imagem foi duramente golpeada a partir das investigações da Operação Lava-Jato,
conduzida pelo juiz federal Sérgio Moro com uma equipe de procuradores e
policiais federais.
O esquema de corrupção
na Petrobras
O conjunto de provas reunidas até agora revelou indícios de
várias irregularidades. A começar pela compra de um apartamento tríplex no Guarujá
e a aquisição e reforma de um sítio em Atibaia, ambas as cidades no estado São
Paulo. O pagamento teria sido feito por empreiteiras com dinheiro oriundo do
mega-escândalo de corrupção na Petrobras descoberto pela Operação Lava-Jato.
Até agora, a investigação já descobriu a movimentação de R$ 200
bilhões entre as empresas envolvidas; e, desse total, R$ 6,7 bilhões foram
desviados da Petrobras. Cerca de R$ 300 milhões foram devolvidos para a estatal
e os acordos obtidos pelos procuradores com os investigados permitirão
recuperar em torno de R$ 1,7 bilhão.
As informações levantadas até agora mostram que o esquema de
corrupção na Petrobras atendia aos interesses do PT e de seus aliados. Houve um
aparelhamento completo da estatal, aparelhamento este que seguiu o estilo de --
segundo a definição dos procuradores federais -- uma organização
criminosa, a qual drenou o dinheiro da petrolífera para financiar o projeto
de poder político.
O resultado para a empresa foi desastroso. Em abril de 2015,
a estatal divulgou perdas de R$ 6,194 bilhões com a corrupção e uma redução de
R$ 44,3 bilhões no valor de seus ativos. O balanço financeiro mais recente
divulgado pela Petrobras, relativo ao terceiro trimestre de 2015, registrava
prejuízo líquido de R$ 3,759 bilhões e uma dívida líquida de R$ 402,3 bilhões
no período entre janeiro e setembro do mesmo ano (em 2014, o endividamento
total era de R$ 282 bilhões). O lucro líquido nos nove meses, no valor de R$
2,102 bilhões, foi 58% menor do que o registrado no mesmo período de 2014.
O ex-presidente também é suspeito de receber, pelo Instituto
Lula, vantagens indevidas de empreiteiras investigadas sob a justificativa de
pagamento por palestras. Também recai sobre o ex-presidente a suspeição de que
tenha exercido tráfico de influência para favorecer a empresa Odebrecht com
empréstimos -- subsidiados pelo Tesouro, isto é, pelos brasileiros pagadores de impostos -- concedidos pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira, foi condenado no dia 8 de março a 19 anos e 4 meses de
prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e por integrar
organização criminosa.
No desenrolar das investigações, veio o golpe mais duro
contra o "mito Lula" e o símbolo que ele e o PT representavam: as diligências da 24ª fase da Lava-Jato, com apreensão de
documentos e com o depoimento do ex-presidente para a Polícia Federal.
Dilma em socorro de
Lula
Diante do risco iminente, o PT e o governo Dilma Rousseff
passaram a buscar uma solução que impedisse uma eventual prisão do
ex-presidente. E o expediente encontrado foi nomear Lula como
ministro de estado para que ele fosse blindado das ações do juiz federal Sérgio
Moro, que conduz a Operação Lava-Jato junto com uma equipe de procuradores e
policiais federais.
Uma vez no ministério, Lula passaria a ter foro privilegiado
e, no futuro, seria julgado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e
não mais por um juiz federal. E assim foi feito, segundo o conteúdo das conversas telefônicas gravadas por
autorização da justiça federal.
Em uma delas, gravada no dia de assumir o cargo de ministro
da Casa Civil, a presidente Dilma Rousseff diz que um portador iria
entregar a Lula o termo de posse para que ele o utilizasse "em caso de
necessidade" (caso um mandado de prisão fosse expedido e a polícia tentasse
prendê-lo).
A divulgação das conversas telefônicas caiu como uma bomba
no país. Logo depois da posse de Lula na quinta-feira (dia 17 de março), dois
juízes federais (um de Brasília e uma do Rio de Janeiro) suspenderam em caráter
provisório a nomeação do ex-presidente. Na sexta-feira (dia 18 de março) as
duas decisões foram derrubadas, mas uma terceira liminar da justiça federal (de
Assis, em São Paulo) impediu que o ex-presidente se tornasse ministro.
E na noite de sexta-feira (18 de março), o ministro do STF
Gilmar Mendes suspendeu a nomeação e determinou que a investigação envolvendo o
ex-presidente seja mantida com o juiz federal Sérgio Moro. Agora a decisão do
ministro só pode ser reformada se houver recurso para o plenário do Supremo.

Os brasileiros realizaram a maior manifestação popular do país, exigindo a saída de Dilma
No mesmo dia da posse de Lula como ministro, milhares de
manifestantes voltaram às ruas do país depois de terem, no domingo (dia 13 de
março), realizado a maior
manifestação popular da história brasileira a pedir a saída da presidente e
a prisão de todos os envolvidos no mega-escândalo de corrupção revelado pelas
investigações da Lava-Jato e que tem como centro de operações a empresa estatal
Petrobras.
A nomeação do ex-presidente e a divulgação pela justiça
federal das gravações telefônicas também fortaleceram a oposição ao governo na
Câmara dos Deputados, que na quinta-feira elegeu os membros da comissão especial que analisará o pedido de impeachment da
presidente Dilma Rousseff que foi apresentado em dezembro do ano passado por três juristas.
A tramitação do processo deve durar 45 dias, segundo o
presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, que no início de maio foi denunciado por crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro pelo Procurador-Geral da República.
A pior crise de
sempre. Pior que a de 1947
A crise política brasileira é o resultado daquele que talvez
seja o mais desastroso governo da história do país. Nos
últimos sete trimestres, a economia encolheu em seis deles, e ficou
estagnada em um. Essa é a pior marca desde que o índice começou a ser calculado
em 1947. De 2014 até o fim de 2016, a projeção é de queda acumulada de 8,7%. A
taxa de desemprego está
em 8,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dilma Rousseff cometeu uma sucessão de erros de gestão
econômica em um país em que o estado é excessivamente intervencionista. Desde o início do primeiro mandato, sua
presidência acumula escândalos envolvendo desde a sua ex-assessora no gabinete,
Erenice
Guerra, a ministros de seu governo com denúncias de corrupção,
favorecimento de empresários pelo BNDES e de aliados, perseguição a
adversários, e aquele que marcaria de vez o final de seu primeiro governo e o
início do segundo: o Petrolão, apontado como sendo o maior esquema de corrupção
e desvio de dinheiro da história da política brasileira (e
do mundo) e que tem sido alvo de investigação da Operação Lava-Jato.
Como mostro no meu livro Pare de Acreditar no
Governo – Por que os Brasileiros não Confiam nos Políticos e Amam o Estado
(Editora Record, 2015), enganam-se aqueles que acreditam que práticas como as
evidenciadas pelo Mensalão e Petrolão sejam meros desvios éticos; são,
substantivamente, elementos estruturais da ideologia e da práxis de partidos
socialistas que veem seus próprios crimes como sendo algo nobre, uma "marca
característica de autenticidade", e os adversários e demais ideologias como
"oponentes a serem eliminados".
O aprofundamento das descobertas da Operação Lava-Jato tem
mostrado ao país (e agora ao mundo) a profundidade da degradação ética e moral
envolvendo a elite política do país, especialmente o PT. O mito Lula e a
simbologia antes representada pelo partido estão ruindo.
A utopia do PT era,
afinal, uma distopia
Quando Lula foi eleito em 2002, os raros críticos que se
levantavam contra o infame projeto de poder do PT esbarravam no paredão de
certo consenso público em face do significado histórico de sua eleição e dos
valores que ambos diziam ser portadores. Uma coisa, porém, é aquilo que alguém
diz ser; outra é o que realmente é.
O partido se apresentava como o empreiteiro de um futuro
glorioso e o supremo portador das virtudes públicas. Com esse discurso, muitos
foram seduzidos e enganados pela retórica que pretendia dissociar o PT de todos
os outros partidos políticos sob a aura da pureza ética. Isto, porém, não
elimina o fato maciço e imperturbável: acreditou nos petistas quem quis
acreditar. E o país hoje paga por isso.
Ao final de seus dois mandatos, beneficiado por uma conjuntura econômica
internacional favorável e por decisões ortodoxas que garantiam ao país
confiança interna e externa, Lula conseguiu eleger para a presidência a sua
sucessora, Dilma Rousseff. O que poucos perceberam é que Lula havia reduzido a
política, as instituições e uma parte da sociedade à sua própria estatura, a qual
hoje está sendo revelada pela Operação Lava-Jato.
Proteger-se de uma investigação num ministério de governo
parece ser um dos atos de encerramento da peça de teatro de um político hábil e
carismático que, em vez de se recolher e esconder-se sob o manto do mito que
ainda havia, decidiu continuar a ser quem sempre foi.
O governo do PT e os petistas construíram a sua própria
realidade e pretendiam encarcerar o Brasil nela. Mas não contavam com a parcela
da sociedade que, ao descobrir o que está acontecendo, se recusa a ser reduzida
à sua estatura ética e moral. As revelações diárias e as crises política e econômica
são politicamente simbólicas ao mostrarem que a grande utopia do PT era,
afinal, uma abominável distopia. Os brasileiros estão a mostrar que querem um
outro país.
Luiz Inácio Lula da Silva é o José Sócrates dilatado pela
ambição política? Sócrates está em prisão
domiciliar, com a polícia à porta, e está a ser investigado por corrupção,
fraude fiscal e branqueamento. Parece que o destino reserva o mesmo destino
para o seu amigo Lula.
________________________________
O artigo acima foi
publicado no site português Observador.