Suponha que Paulo, Pedro e João se reúnam
semanalmente para jogar pôquer. E, em 75% das vezes, Paulo vence.
Pedro e João vencem, respectivamente, 15% e 10% das vezes.
Simplesmente conhecer estes resultados dos jogos não
nos permite dizer absolutamente nada sobre se houve ou não justiça e sensatez
nos jogos. As desproporcionais vitórias de Paulo podem ser o resultado de
ele ser um jogador astuto ou de ser um vigarista esperto.
Para determinar se houve justiça nos jogos é
necessário perguntar sobre o processo do jogo. Houve desobediência às
regras neutras do jogo? Havia cartas marcadas? Houve trapaça no
embaralhamento das cartas? Houve algum jogador que foi coagido a
jogar?
Se as respostas forem negativas, então houve justiça
nos resultados, independentemente de qual tenha sido os resultados. O
fato de Paulo ter vencido 75% das vezes é um fato que tem de ser
aceito.
Assim como no exemplo acima, qualquer discussão inteligente sobre
justiça social e igualdade econômica tem de reconhecer que os resultados observados
de um processo não servem para
determinar se houve ou não justiça e sensatez.
Saber que a renda anual de uma pessoa é de $ 500.000
e que a renda de outra pessoa é de $ 12.000 é algo que não nos diz
absolutamente nada sobre justiça econômica e social. Para determinar se
realmente houve injustiça econômica e social é necessário fazer perguntas sobre
o processo de enriquecimento.
A maioria das pessoas que faz pontificações altivas sobre
desigualdade econômica -- inclusive economistas, para vergonha geral --
simplesmente não reconhece, ou não deixa explícito, que a renda de uma pessoa é
resultado de algo que ela fez. Sendo assim, apenas observar um determinado
resultado não pode ser utilizado para determinar se houve justiça, isonomia e
sensatez.
Para determinar se houve justiça, isonomia e
sensatez é necessário ir além dos resultados e examinar o processo econômico
como um todo.
Comecemos pelo básico.
A criatividade, a engenhosidade e a
inteligência estão ausentes do debate
Em primeiro lugar, é necessário entender o que cria
a riqueza.
Por que as pessoas do século XIX não se comunicavam
por meio de telefones celulares? Por que
elas não utilizavam computadores? Ou mesmo,
por que as guerras da antiguidade não utilizavam mísseis teleguiados? Todos os
recursos físicos necessários para fazer mísseis, celulares e computadores já
existiam naquela época. Aliás, esses recursos físicos já existiam desde a
época do homem das cavernas. Por que o homem das cavernas não tinha um
computador portátil para interagir com seus semelhantes via Facebook?
A resposta é que, embora os recursos físicos já
existissem, a mente humana ainda não era engenhosa e criativa o bastante para
saber como transformá-los em celulares, mísseis, computadores e internet.
Criatividade, engenhosidade e inteligência são as características que transformam recursos brutos em recursos valorosos e geradores de riqueza.
Uma concepção errônea, mas extremamente popular, é a
de que o estudo da ciência econômica serve para capacitar alguém a prever os
rumos da bolsa de valores ou a fazer investimentos rentáveis.
Errado. A economia é um estudo sistemático sobre causa e efeito, e serve
para você entender as relações de causa e efeito. O estudo da economia
ajuda a entender o que acontece quando você faz coisas específicas de maneiras
específicas.
O caminho para entender resultados econômicos é
examinar as consequências das decisões tomadas e quais foram os incentivos que
levaram a essas decisões.
E isso nos permite entender como a riqueza é criada.
O que é riqueza?
Riqueza é tudo aquilo que gera uma fonte de
renda futura.
Não é a riqueza que dá valor à renda, mas sim a
renda que dá valor à riqueza. O valor de um terreno não depende do
terreno em si mesmo, mas sim do valor de todos os serviços que ele
permite. Um pedaço de terra em uma cidade inglesa tem mais valor que um
pedaço de terra no Zimbábue porque suas possíveis utilizações na Inglaterra
(residenciais, industriais, comerciais etc.) são mais úteis para o conjunto da
sociedade do que no Zimbábue.
Por outro lado, se a Inglaterra for devastada por
uma guerra e Zimbábue se tornar um centro internacional de negócios, as terras
do Zimbábue passarão a ser muito mais valiosas do que as da Inglaterra, ainda
que, fisicamente, não tenha havido alteração nenhuma na composição destas
terras.
É por isso que o preço do metro quadrado hoje em
Hong Kong ou Cingapura é infinitamente superior ao valor de 50 anos
atrás. As terras são as mesmas, mas a utilidade da terra melhorou (aliás,
a qualidade da terra em si pode até ter se degradado), pois o valor que
subjetivamente se atribui às utilizações que o terreno proporciona se
multiplicou.
Em uma sociedade formada por bilhões de pessoas,
onde os recursos físicos possuem variados usos alternativos, a imensa maioria
das rendas não advém automaticamente dos recursos materiais, mas sim do uso
que se faz destes recursos materiais. Isso significa que a capacidade
de geração de renda depende muito mais da organização inteligente destes
recursos do que da disponibilidade dos mesmos.
É exatamente por isso que a Google (e tantas outras
empresas) conseguiu crescer e enriquecer mesmo tendo sido criada em uma garagem
e utilizando apenas recursos próprios; e também é exatamente por isso que os
governos -- mesmo tendo à sua disposição muitos mais recursos (confiscados) do
que qualquer empresa -- não conseguem gerar nada de proveitoso.
Um poço de petróleo hoje é o mesmo poço que já
existia há 100 anos. No entanto, seu dono hoje será incomparavelmente
mais rico do que o dono de 100 anos atrás, pois o petróleo hoje é utilizado em
processos produtivos que geram muito mais renda do que gerava há 100 anos.
O que se pode dizer com certeza é que, em ordens
sociais livres e complexas, a maior parte da riqueza de uma sociedade estará na
forma de sistemas organizacionais geradores de bens e serviços (renda), isto é,
de empresas que produzam bens e serviços valiosos para os consumidores; e
continuará nesta forma apenas enquanto estes sistemas empresariais seguirem
gerando valor para o consumidor.
Sendo assim, por que as pessoas que enriquecem desta
forma estariam cometendo alguma injustiça social?
Por outro lado, são famosos os casos de megaempresas
que se tornaram totalmente descapitalizadas em decorrência do simples fato de
que seus bens e serviços deixaram de ter valor para o consumidor (o recente ocaso
da Kodak é o mais famoso de todos). Ninguém
irá derramar lagrimas por seus executivos?
O real causador das desigualdades segue sendo
visto como o salvador
Um debate que desconsidere coisas simples como o que
realmente é riqueza, como ela é gerada, como ela é distribuída, e o que define
uma distribuição injusta é um debate meramente emotivo, e não racional.
Por outro lado, é fato que há várias pessoas que enriqueceram em
decorrência de fartos subsídios governamentais, de tarifas protecionistas e de onerosas
regulamentações que impediram o surgimento de concorrência e garantiram uma
renda exclusiva para esses plutocratas.
É também fato que a maneira como funciona o atual
sistema monetário e bancário é propícia a uma distribuição desigual de
riqueza.
Sendo assim, é irônico notar que, quando a
distribuição de renda é realmente injusta, isso ocorre por causa das interferências,
das regulamentações e dos gastos governamentais. No entanto, o que os defensores da
redistribuição de renda sugerem para corrigir essa injustiça gerada pelas
intervenções do governo é justamente mais interferências, mais gastos e mais
regulamentações governamentais.
Conclui-se que essas pessoas simplesmente não
entendem nem como a riqueza é criada, nem como ela é justa e injustamente distribuída,
e nem como ela é destruída.