Se você fosse presidente da Câmara e acordasse com a
crença absurda de que pode anular votações anteriores dos deputados, qual
votação anularia?
Waldir Maranhão escolheu a votação do
impeachment de Dilma. Eu iria muito mais longe.
Começaria logo anulando a votação de 2009 que
instituiu a tomada de três pinos. Uma simples canetada me tornaria o candidato
favorito à presidência em 2018.
Anularia também a lei 2004 de 1953, que criou a
Petrobras; a lei de Entorpecentes de 1938; a votação que proibiu a livre
importação de combustíveis no país; a lei 5.362 de 1967, pela qual Costa e
Silva retirou a autonomia do Banco Central. Ou até mesmo a lei 4.595, que criou
o Banco Central.
Anularia todas as votações que criaram esse mostro da CLT, o
conjunto das leis trabalhistas mais malucas do mundo.
E a lei que instituiu a reforma ortográfica.
Ainda melhor: anularia logo toda a Assembleia
Constituinte de 1988, esse conto de fadas que garante tudo de graça a todos.
Porém, muito mais importante que tudo: anularia a votação que
proibiu os cigarros Pan de chocolate.
Dá pra entender o deputado Maranhão: com tanta lei
ruim votada pelos deputados, deve ser irresistível a vontade de jogar fora o
trabalho dos colegas.
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Por que tantos eleitores petistas continuam
defendendo o PT mesmo depois de o partido ter traído ideais preciosos dos
petistas e levado à estratosfera a corrupção que prometia erradicar?
A explicação na qual aposto minhas fichas é esta: o
ser humano se agarra a uma convicção política como a ursinhos de pelúcia. Cuida
dela, a protege, se ofende quando a desmerecem e custa a se desapegar, mesmo
quando a crença já está encardida e malcheirosa.
Quando apresentamos argumentos, números e fatos para
tentar convencer os outros, caímos no erro de acreditar que as pessoas querem
mudar de ideia. Mas elas não estão dispostas a isso, pelo menos a maioria
delas. Só querem mais argumentos que fundamentem a opinião que já possuem.
Se você acordou com vontade de acreditar que
impeachment é golpe, e, mais ainda, se essa crença integra a sua autoimagem,
sua identidade coletiva e o modo como você enxerga e se coloca no mundo, não há
nada que o faça acreditar no contrário. Não adianta eu mostrar dezenas de bons
argumentos em defesa do impeachment de Dilma, ou dados mostrando os absurdos da
sua opinião. Você vai continuar acreditando nela -- e, pior ainda, talvez fique
com raiva de mim e das pessoas que concordam comigo. Essa raiva o fará
acreditar que impeachment é golpe com ainda mais convicção do que se eu não houvesse
tentado dissuadi-lo.
Em outras palavras, se eu digo que o seu ursinho de
pelúcia é feio e mixuruca, você fica bravo -- e se agarra a ele com ainda mais
força.
Talvez devêssemos ser indiferentes ou estritamente
racionais com ideias. Eu acredito em A; você me apresenta argumentos em defesa
de B; eu friamente mudo de ideia. Mas não. Misturamos todo tipo de paixões a
ideologias e convicções políticas.
Como diz o filósofo Emil Cioran: "Em si mesma, toda
ideia é neutra ou deveria sê-lo, mas o homem a anima, projeta nela suas chamas
e suas demências; impura, transformada em crença, insere-se no tempo, toma a
forma de acontecimento: a passagem da lógica à epilepsia está consumada…"
É por isso que vale muito pouco a pena gastar tempo
tentando mudar a opinião dos outros sobre o PT. Pessoas que defendem o partido
ainda hoje, ou que dão abraços em Lula durante cerimônias em homenagem a
ele, estão erradas não porque não tiveram acesso a informações corretas. Elas
simplesmente não querem estar certas.