Friedrich Hayek, ao receber o Prêmio Nobel de
Economia em 1974, afirmou que economistas que só sabem teoria econômica não
podem ser bons economistas.
Essa frase, de uma verdade
cristalina e que se tornou famosa, me assomou à memória a propósito de uma
discussão muito atual no Brasil.
Trata-se da questão do
desequilíbrio orçamentário do setor público brasileiro, que não sai das
manchetes -- e de nossas vidas -- há muito tempo, mas que ganhou repercussão
maior com a mudança recente de governo e o anúncio do rombo
de 170,5 bilhões de reais herdado por Michel Temer e seu novo commander in chief das finanças
públicas, Henrique Meirelles. Uma verdadeira herança maldita e apenas um dos legados ruinosos
de sua antecessora e seus acólitos "progressistas" à la Unicamp.
Acresça-se que essa cifra se
refere ao conceito de déficit corrente, ou seja, não
inclui os juros da dívida interna e que, além disso, também não incorpora os
resultados da Eletrobras, bem como os dos fundos de pensão das empresas do estado,
que, a julgar pelo ethos petista,
devem ser, na mais otimista das hipóteses, obscenos.
Diante desse verdadeiro
descalabro das finanças do estado brasileiro, do quadro de retração
da produção, de desemprego e de inflação acima da meta, só analfabetos em
Economia podem negar que o múnus do novo governo é simplesmente gigantesco e
que a árdua tarefa deve começar pela arrumação das contas públicas.
Isso explica o cariz de austeridade
que Meirelles, acertadamente, vem ostentando desde que assumiu a Fazenda e a
Previdência, o que nos impõe a obrigação de chamar a atenção para a qualidade
do inadiável ajuste que precisa urgentemente ser feito.
Déficits são financiados,
necessariamente, ou por emissão de moeda, ou por dívida interna, ou por dívida
externa ou por tributos. Não se trata, aqui, de nenhuma teoria ligada a
qualquer escola de pensamento econômico, mas de simples constatação contábil,
inelutável, irrefutável, inescapável, impossível de ser negada, uma coisa do
tipo "débito deve ser igual a crédito" ou "ativo tem que ser igual a passivo".
É algo axiomático, que deriva imediatamente da consolidação das contas das
ditas autoridades fiscais com as chamadas autoridades monetárias.
Aonde estou querendo chegar? É
simples. Dado que um ajuste estrutural nas contas do setor público tornou-se
inadiável, qual a melhor forma de se proceder a esse acerto? Deixemos de lado
as hipóteses de financiamento via maior endividamento interno, já que a
proporção da dívida interna em relação ao PIB é bastante elevada;
abandonemos também a hipótese de maior endividamento externo, pois é de se
supor que nossos governantes tenham aprendido com o passado, especialmente com
o legado nefasto dos anos 1970, sob a batuta de Delfim Netto; e, por fim,
rechacemos também o financiamento pela emissão de moeda, uma vez que a inflação
voltou a pairar -- sempre solerte e velhaca -- sobre nossas pobres cabeças.
Sob essas hipóteses --
realistas, sem dúvida --, ficamos diante da seguinte opção para fazer o ajuste:
a) cortar gastos, b) aumentar receitas (tributar mais) e c) combinar a e b.
Se a economia do mundo real não
fosse o desenrolar da ação humana, ao longo do tempo, de muitos milhões de
indivíduos em ambiente de incerteza genuína, com seus planos e projetos de
vida, seus acertos e erros, suas buscas por conhecimento e seus sonhos e
realidades, a ciência econômica poderia ser mecânica, tal como a economia positiva de Milton Friedman, ou
restringir-se ao estudo do método das partidas dobradas, não tendo necessidade
de se preocupar com os impactos do ajuste sobre o tecido social e, portanto, seria
indiferente escolher a, b ou c. O importante, nesse caso, seria tão somente
equilibrar as contas do estado e ponto final.
Mas é exatamente aqui que
julgamos importante diferenciar a visão de um verdadeiro economista, como Hayek
enxergou a nossa profissão, dessa visão meramente contábil ou aritmética, de
que tanto faz a, b ou c.
Infelizmente, muitos
economistas respeitados e renomados, como, por exemplo, Mansueto Almeida (que
está no novo governo) e Fabio Giambiagi, vêm assumindo a postura de, com base
na impossibilidade política e legal de cortar profundamente os gastos públicos,
admitir que "algum aumento de tributos" se fará necessário. Entretanto, ao
fazerem declarações nesse sentido, estão pensando não como economistas no
sentido expressado por Hayek em seu discurso do Prêmio Nobel, mas como
contadores: o equilíbrio fiscal deve ser alcançado a qualquer preço, mesmo que
esse ônus recaia sobre os pagadores de tributos.
Cabe indagar por que
economistas comprometidos com a defesa da economia de mercado, equipados com as
modernas ferramentas de análise e considerados por muitos como liberais,
assumem essa postura de aceitar maior tributação como elemento para
reequilibrar as contas do estado. Em sua defesa, creio que podemos dizer que
não têm "culpa" se agem dessa maneira, pois apenas estão aplicando o que lhes
foi ensinado em seus cursos de graduação, mestrado e doutorado -- nos quais,
muito provavelmente, foram bons alunos.
Contudo, à luz da Escola
Austríaca -- e lembrando Noel Rosa, o "filósofo do samba" --, trata-se, sem
qualquer dúvida, de um palpite infeliz. Rejeito essa opção com veemência
e não me faltam motivos econômicos, políticos e morais para tal desacolhimento.
Sob o ponto de vista econômico,
a Escola Austríaca, como sempre, é diferente das demais, porque sua preocupação,
no tema que estamos abordando, vai muito além das contas do estado: concentra-se em indivíduos,
em nossas vidas.
Assim, um real a mais nas mãos
dos burocratas e políticos do estado significa necessariamente um real a menos
nas mãos do setor privado, do qual este real foi extraído compulsoriamente. Em
poucas palavras e para seguirmos a linha de Rothbard, os
impostos são uma modalidade de agressão, em que o estado nos toma
dinheiro à força para atender a propósitos que nem a mais ingênua das criaturas
acredita serem superiores aos seus intuitos particulares.
Imposto -- queiram ou não
queiram monetaristas, keynesianos e outros -- é coerção, é roubo
legalizado, é sugação de quem trabalha e produz, sempre travestida de boas
intenções. Por esse motivo, se é que existe alguma carga tributária ideal,
esta deve ser estabelecida no nível suficiente para manter o estado funcionando
minimamente e, mesmo assim, jamais em posição de monopolista. Como a carga
tributária e toda a sua legislação no Brasil são indecentes -- não menos que indecentes!
--, admitir novos aumentos, mesmo que "transitórios", é uma atitude típica
daquela visão meramente contábil a que me referi.
Adicionalmente, há o fato de
que aumentos de tributos têm efeitos recessivos, a não ser que se incorra no
grave erro de acreditar no postulado keynesiano
de que os gastos do setor público produzem algum "efeito multiplicador"
na atividade econômica, fenômeno que, se fosse verdadeiro, teria impedido toda
e qualquer recessão desde os anos 30 do século passado, quando a Teoria Geral foi publicada.
Quanto ao aspecto político, basta
que rememoremos a chamada Lei de Reagan, segundo a qual o imposto gera sua própria despesa, ou seja, mais impostos hoje
geram inevitavelmente mais gastos públicos amanhã. Isso, em um país em que o
sistema político e seus representantes estão longe de representar os anseios da
população (ou, como se dizia antigamente, o bem
comum), por si só já é motivo mais do que suficiente para que rejeitemos
qualquer aumento na tributação.
O próprio gráfico a seguir, que
contabiliza as receitas e as despesas primárias (ignorando gastos com o serviço
da dívida) mensais, mostra que as despesas sempre acompanham o crescimento das
receitas:

Fonte: Banco Central
Você realmente acredita que, em
uma situação de superávit provocada por um aumento de impostos, nossa classe
política se sentiria animada a prosseguir com as reformas indispensáveis no estado
brasileiro, cortando gastos?
Políticos são movidos pela
vontade de poder e, por conseguinte, estudar o poder é estudar a ação humana
dos entes políticos, que buscam sempre sua maior satisfação, que vem a ser a
manutenção ou ampliação de seu poder, ação que requer meios extraídos dos
pagadores compulsórios de tributos. Esperar que o estado venha a abrir mão de
receitas advindas de maiores alíquotas de tributos já existentes ou de um novo
imposto, após este ser adotado da boca para fora "transitoriamente", é o mesmo
que esperar que um coelho faminto rejeite uma cenoura que lhe ofereçamos.
Mas -- perguntarão, talvez -- a
situação das contas públicas do país não teria atingido um ponto tão calamitoso
que nos permita, a título de emergência, aceitar um aumento na carga tributária
para ajudar no seu reequilíbrio?
A resposta é: não, porque, como
apontou Hayek, "emergências" sempre serviram de pretexto para erodir liberdades
individuais.
Por fim -- e muito importante --
temos o aspecto moral, que os economistas-contadores também desconhecem, porque
não estudaram a obra dos austríacos. Nossos governos, seguidamente, promoveram
a gastança, para tanto se endividando, inflacionando e aumentando impostos; o
último desses governos promoveu um verdadeiro assalto, uma orgia de gastos.
Pois bem, você acha justo que inocentes -- ou seja, nós -- sejamos
obrigados a pagar pela imensa bacanal ao estilo de Sodoma e Gomorra promovida
pelo PT e seus aliados com o nosso dinheiro ou você acha isso imoral?
O estado, em razão de sua
própria constituição, de seu DNA, é um agressor potencial da moral: aumentar a
dívida interna é impor ônus para as gerações futuras; inflacionar é sempre e em
qualquer lugar punir os mais pobres e desprotegidos; e tributar, em português
bem claro, nada mais é do que extorquir de quem trabalha, ou seja, um ilícito
moral tornado legal por quem detém o poder.
O que fazer, então?
Chega de remendos. Basta de
ajustezinhos temporários que nem o velho inglês da conhecida expressão vai
desejar ver. Que se ponha um ponto final na velha prática do estado de cobrar
dos cidadãos seus próprios erros do passado, apenas para que possa repeti-los
no futuro. É tempo, é mais do que tempo, de realizar as reformas estruturais no
estado brasileiro de que tanto o país está carecendo.
Eis as mais básicas:
(1ª) Já que é ainda muito
prematuro falar em extinção
do monopólio estatal da moeda, que pelo menos se dê ao Banco Central a
"independência" ou autonomia prevista desde sua criação, em 31/12/1964, pela
lei 4.595 (mas que só ocorreu na gestão de seu primeiro presidente, Denio
Nogueira, no governo Castello Branco), desamarrando os mandatos de seus
presidentes dos mandatos do presidente da República. O objetivo é fazer de tudo para termos uma moeda forte;
(2ª) Privatizações em massa (aqui um plano mais
radical e aqui um
plano mais moderado) e sem medo de enfrentar resistências políticas e de
"movimentos sociais", na certeza de que deixará um país melhor para seus
sucessores;
(3ª) Abolição das vinculações
de receitas orçamentárias;
(4ª) Reforma tributária
profunda, voltada para vigorosa simplificação e não menos vigorosa redução da
carga tributária;
(5ª) Inserção sem medo e sem
ideologia na economia mundial;
(6ª) Extinção de todas as
agências regulamentadoras e abolição de proibições
à entrada e saída de empresas nos mercados;
(7ª) Mudança radical na
política externa, com a desvinculação do Mercosul e a assinatura de acordos que
realmente interessem ao país (e não a esse ou aquele partido);
(8ª) Estímulos ao
empreendedorismo, mediante medidas de desburocratização e criação
de facilidades para a abertura de empresas nacionais e estrangeiras, de
todos os tamanhos;
(9ª) Reforma previdenciária;
(10ª) Extinção do BNDES;
(11ª) Reforma trabalhista, com a extinção da anacrônica
CLT;
(12ª) Garantia absoluta dos
direitos de propriedade e punição de todo e qualquer movimento que os desafiar;
(13ª) Despolitização e da educação e da saúde, libertando-as da
estatização e da ideologização;
(14ª) Fortalecimento da
federação, com a consequente descentralização administrativa, de receitas e de
decisões, ora concentrada na União;
(15ª) Alteração na lei penal e
modernização das polícias, para que o crime passe a não compensar;
(16ª) Em um prazo maior,
reforma constitucional;
(17ª) Reforma política.
Estas são apenas algumas das
medidas que, ao lado de outras, sem dúvida contribuiriam para a criação de um
ambiente estável e propício para que indivíduos e empresas, em ambiente de
liberdade econômica e de garantia de direitos, pudessem trabalhar em paz,
regidos pelo axioma da ação humana e colocar nossa sociedade nos trilhos do
desenvolvimento.
Tudo isso não poderá,
infelizmente, ser feito em meia hora, ou em um mês, ou em um ano, ou em um
governo curto como deverá ser o de Temer; é tarefa para, no mínimo oito a dez anos,
porque envolve, antes de qualquer anúncio de "medidas" por parte de um ministro
da Fazenda, uma verdadeira revolução cultural, no sentido de mudar o conceito
que os brasileiros têm acerca de suas relações com o estado, do que dele devem
esperar e do que não devem esperar.
Um bom exemplo do descabido conceito
sobre o papel do estado prevalecente é a recente aprovação pelo governo, em
meio ao seu discurso de austeridade (e de ameaças, embora ainda tímidas e
veladas, quanto à imposição de novos tributos), de aumentos na remuneração de
servidores públicos, o
que terá um impacto de R$ 50 bilhões em 4 anos. Houve prioridade para os aumentos da
Advocacia Geral da União, da Defensoria Pública da União, do Tribunal de Contas
da União, da Câmara e do Senado.
Como vemos, trata-se daquele
velho dito do "faça o que eu digo, mas não o que eu faço", por parte de quem
deveria servir como exemplo de austeridade.
O caminho é longo, pedregoso e
repleto de obstáculos, dos quais o maior é o verdadeiro fetiche que o estado
representa na cabeça de nosso povo, um feitiço que faz com que os políticos se
julguem no direito de fazer de nossos bolsos uma autêntica casa da mãe Joana, onde
se sentem sempre à vontade para fazer o que bem entendem.
Em suma, será preciso muito
mais do que um simples ajuste fiscal transitório para colocar a economia nos
trilhos; é necessário proceder-se a um ajuste de longo prazo, a uma alteração
no regime fiscal, com todas as reformas que essa expressão implica, a começar
por uma profunda reestruturação do regime previdenciário e passando pela venda
das empresas estatais, pela eliminação das indicações políticas para a
burocracia, pela total separação entre governo e estado, pelas reformas
política e da Constituição Federal de 1988, pelo estabelecimento de regras
claras que dissipem o nevoeiro que os investidores enxergam atualmente quando
tentam vislumbrar o futuro, pelo respeito ao pacto federativo, pela imposição
de limites claros à concentração de poder e por outras providências, todas
devendo ser assumidas como processos.
A recente aprovação da nova
meta fiscal poderá ser capaz, como o governo espera, de melhorar as
expectativas dos agentes econômicos, fazer cair as taxas de juros e estancar a
crise econômica. Mas temos que passar a olhar para o longo prazo e, sem as
providências enumeradas acima, não haverá nenhuma garantia de que, assim que a
situação da economia melhorar um pouco, o governo não voltará a pôr álcool na
fogueira.
Por fim, e quanto ao governo
Temer? Para ser curto e grosso, minha posição, nestes primeiros momentos, é a de
observador desconfiando. Hayek, Mises e os demais austríacos, certamente,
diriam o mesmo.