Hoje, um investidor tem de pagar para emprestar dinheiro a longo prazo para
os governos da Alemanha e
da Suíça.
A pergunta é inevitável: por que alguém aceitaria
pagar para que o governo pegasse seu dinheiro emprestado?
Tal ideia seria completamente inconcebível há não mais
que cinco anos. Hoje, a prática está se
tornando uma norma na Europa.
E o pior é que ela faz total sentido hoje.
Comecemos pelo básico.
Não
há escapatória
Muitas pessoas, normalmente leigas, se perguntam por
que pagar para emprestar dinheiro ao governo (que é o que ocorre quando as
taxas de juros são negativas) sendo que seria muito mais vantajoso simplesmente
deixar o dinheiro parado. Afinal, no
primeiro caso, você está perdendo um pouco do dinheiro; no segundo, você mantém
a quantia original intacta.
Essa pergunta é típica de quem não conhece o atual
sistema financeiro e monetário. A esmagadora maioria do dinheiro (mais de
85%) está na forma de dígitos eletrônico; apenas uma quantia mínima (não mais
do que 10%) está na forma de cédulas e moedas metálicas.
Sendo assim, simplesmente não há como investidores que
gerenciam bilhões de euros -- ou até mesmo aqueles que gerenciam
"apenas" milhões de euros -- irem até o banco da esquina e sacaram
tudo em espécie. Os bancos não restituem em espécie esses valores.
Eles são legalmente isentos, pelo governo, de fazerem isso. O dinheiro
eletrônico está "preso" no sistema financeiro e não há como esses dígitos serem
convertidos integralmente em cédulas e moedas metálicas. Tudo o que os
investidores podem fazer é transferir dígitos eletrônicos de um lugar para
outro. E só. Não há como sair dos
dígitos eletrônicos.
O Banco Central da Suíça, por exemplo, já
anunciou que os bancos não mais têm de fornecer cédulas para nenhum fundo
de investimento que queira sacar dinheiro. Uma empresa de seguros tentou
fazer isso, mas o banco se recusou. O Banco Central da Suíça, portanto,
fez uma declaração ao mundo: ele deixou claro que não há como fugir do dinheiro
eletrônico digital.
Portanto, dado que não há como fugir desse arranjo
monetário e bancário, a única maneira de grandes investidores preservarem seu
principal é aplicando-o justamente naquilo que é considerado essencialmente um
ativo livre de riscos.
E só há um ativo que seja oficialmente considerado
livre de risco: títulos da dívida de um governo considerado financeiramente
sólido (alemães e suíços são os que mais se destacam nesse quesito, mais ainda
que os americanos).
Adicionalmente, vale enfatizar que, em uma situação
em que as taxas de juros estão em queda, é possível obter elevados ganhos de
capital ao se comprar títulos de longo prazo: à medida que os juros vão caindo ainda mais, os preços de mercado
desses títulos vão subindo. Ou
seja, se você comprar um título por $ 100, e os juros caírem, você pode
revender esse mesmo título por, digamos, $ 102. Isso é uma taxa de
retorno muito positiva, e nada negativa.
O
que vem por aí
Tendo entendido agora que fundos de investimento e
hedge funds não têm como converter em papel-moeda todos os bilhões de dólares e
euros sob sua administração -- eles operam com dígitos eletrônicos e esses dígitos
eletrônicos podem apenas ser transferidos de um lugar para outro --, fica mais
fácil começar a entender o que se passa.
Mas por que então eles simplesmente não deixam esse
dinheiro parado em alguma conta-corrente de algum banco? Afinal, bancos ainda não estão aplicando
taxas de juros negativas sobre as contas-correntes.
É aí que a encrenca se revela: tudo indica que os
investidores não estão seguros quanto à solidez dos bancos europeus.
Esse fenômeno que está ocorrendo na Europa indica
que:
1.
Uma crise econômica se aproxima
2.
Há uma grande desconfiança em relação ao sistema bancário europeu. Assim como ocorreu no Chipre,
caso os bancos europeus quebrem não mais haverá pacotes de socorro com dinheiro
público; os próprios correntistas é que terão de socorrer seus respectivos
bancos.
3.
Os títulos alemães e suíços são mais seguros que quase todos os outros
Em um cenário de grandes incertezas econômicas e de desconfiança em relação à solidez do sistema bancário, investidores
fazem exatamente o que estão fazendo agora: eles direcionam seu capital para
aqueles ativos mais seguros que existem, mesmo que para isso tenham de pagar
uma taxa (os juros negativos). E eles
pagam alegremente essa taxa, desde que ela lhes garanta proteção.
Mais ainda: caso os juros caiam ainda mais -- o que
significa que o preço dos títulos está subindo -- é possível auferir grandes
lucros.
Tendo em mente todo esse cenário, onde você colocaria
o seu dinheiro caso fosse rico?
Os grandes investidores já perceberam que os Bancos Centrais
não deixarão as taxas de juros de longo prazo subir. Os BCs estão recorrendo a todos os tipos de heterodoxias
monetárias -- desde a
compra de títulos governamentais de longo prazo até a compra de todos os tipos
de debêntures emitidos por empresas -- para tentar manter baixas todas as
taxas de juros de longo prazo.
O Japão foi o primeiro a fazer isso. Começou ainda na década passada. Após 2008, o Fed fez o mesmo. O Banco Central Europeu entrou na onda em
2010. O Banco Central da Suíça fez coro
a partir do final de
2011.
E, dado que as taxas de longo prazo tendem a se
manter em queda, faz total sentido para os grandes investidores europeus continuar comprando títulos
públicos.
Logo, eles estão fazendo
exatamente o que fazem em épocas de grande incerteza: tentando manter seu
principal. Eles querem receber de volta o máximo possível do valor total
de que eles inicialmente abriram mão. Para
isso, aceitam pagar aos governos alemão e suíço uma "taxa de custódia".
Isso
não ocorre nos EUA
Nos EUA, há um serviço privado que não existe na Europa. São as contas CDARS (Certificate of
Deposit Account Registry Service).
Quando você coloca seu dinheiro em um CDARS, ele divide
esse dinheiro em várias contas bancárias entre mais de 3 mil bancos diferentes. Cada conta bancária fica dentro do limite de
US$ 250.000 garantido pelo FDIC (o FGC americano) em caso de quebra bancária.
Ou seja, por meio dos CDARS, os milionários e
bilionários americanos podem dividir suas fortunas em mais de 3 mil bancos
distintos, em montantes que não ultrapassam US$ 250.000 por banco, de modo que
o montante total acaba contando com a cobertura da FDIC. Assim, eles têm a segurança de que serão
totalmente restituídos em caso de quebras bancárias, não perdendo nem um
centavo.
Na Europa, tal serviço não existe. Consequentemente, todos correm para os títulos
dos governos alemão e suíço.
As taxas de juros que os grandes investidores europeus
estão pagando aos governos alemão e suíço
em troca de seus títulos nada mais são do que um seguro contra um calote. Faz muito sentido.
Conclusão
O fato de que milionários e bilionários estão pagando
essa taxa aos governos da Alemanha e da Suíça indica que há um crescente temor
de que haverá uma monumental contração na economia européia -- pior do que
qualquer coisa já vista no mundo pós-Segunda Guerra.
Títulos públicos com juros negativos indicam um amplo
e profundo temor entre os grandes investidores de que está se avizinhando algo
pior do que a crise de 2008-2009.
"Melhor uma perda pequena e segura do que uma enorme
e altamente provável" tornou-se o mantra entre os grandes investidores
europeus.
Isso não é alarmismo barato. Trata-se de uma reação perfeitamente sensata
a um cenário inconcebível em 2010.
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