Enterrada em uma recente postagem de
blog feita por Paul Krugman estava a seguinte e surpreendente declaração:
"Sim,
o protecionismo reduz a renda mundial."
A frase está perfeitamente correta, e sintetiza
praticamente tudo o que você precisa saber sobre o protecionismo: ele reduz a
renda mundial da população, principalmente dos mais pobres.
O protecionismo, como o próprio nome diz, serve para
proteger as empresas nacionais ruins e blindá-las contra os desejos dos consumidores
-- principalmente dos mais pobres, que ficam sem poder aquisitivo para comprar
produtos bons e baratos feitos no exterior.
Para os protecionistas, as indústrias nacionais não devem
ser submetidas à liberdade de escolha dos consumidores nacionais. Os
consumidores não devem ter o direito de escolher produtos estrangeiros.
Eles devem ser obrigados a comprar apenas produtos nacionais mais caros.
Sem a concorrência de produtos estrangeiros, e com aqueles
cidadãos mais pobres podendo comprar apenas produtos mais caros fabricados
nacionalmente, os grandes empresários industriais do país não têm motivo nenhum
para reduzir seus preços e elevar a qualidade de seus produtos. Eles
passam a usufruir um mercado cativo.
E os consumidores, principalmente os mais pobres,
passam a ser tratados como gado em um curral: ficam proibidos de comprar
produtos estrangeiros baratos e são obrigados a comprar apenas os produtos
nacionais mais caros desses empresários privilegiados.
Enquanto os lucros destes se tornam inabalados, a
renda disponível dos mais pobres vai definhando.
Qual é a melhor maneira de eliminar o protecionismo
-- se por meio de acordos
unilaterais, bilaterais, continentais etc. -- é algo que pode ser debatido,
mas não deveria haver dúvida de que o protecionismo deveria ser abolido por
causa de seu impacto negativo sobre a renda.
No entanto, e estranhamente, Krugman não termina por
aí. Algo ainda o incomoda. Em todo o restante de sua postagem, bem como
em todas as outras em que ele aborda o assunto, ele inventa explicações forçadas
e convolutas para justificar por que o protecionismo não deve ser atacado.
Por exemplo, imediatamente após ter feito essa afirmação contra o protecionismo, ele diz que:
"mas
se você quiser argumentar que a liberalização comercial foi o principal motor
do crescimento econômico, ou qualquer coisa nesse sentido, bem, os modelos não indicam
isso."
A liberalização comercial é o "principal motor do
crescimento econômico"? Não sei se é o "principal
motor do crescimento econômico". Aliás, não se conhece algum modelo que afirme que a liberalização comercial, por si só, seja o "principal
motor do crescimento econômico". Mas o
que realmente se sabe, e o próprio Krugman reconhece, é que o protecionismo "reduz
a renda mundial da população".
Isso, e apenas isso, já não seria o bastante para
condená-lo?
Em outra ocasião, Krugman afirmou
o seguinte:
"Com
efeito, a defesa elitista de um comércio cada vez mais livre é uma enganação. [...]
O que os modelos de comércio internacional utilizados pelos verdadeiros
especialistas dizem é que, no geral, acordos comerciais não geram mais comércio
e nem criam e nem destroem empregos."
Sim, isso parece estar correto. O livre comércio não deve ser buscado com o
intuito de "aumentar
empregos", mas sim com o intuito de aumentar
a renda e a qualidade de vida. E,
sobre a renda, lembre-se de que, segundo o próprio Krugman, o protecionismo "reduz
a renda mundial"!
Livre
comércio e empregos
Agora, é verdade que uma maior concorrência entre
trabalhadores nacionais e estrangeiros pode levar a um declínio nos salários (e
no emprego) em alguns setores da
economia. Porém, esse seria apenas um
efeito de curto prazo. A livre concorrência
entre produtores domésticos e estrangeiros também leva a uma redução nos preços
dos bens e serviços, os quais podem agora ser livremente importados de
fora. Portanto, ao passo que os salários
nominais podem cair em alguns setores, os salários
reais sobem para todos, pois estará havendo um declínio geral de preços na
economia.
Graças ao livre comércio, os consumidores agora irão
gastar menos dinheiro em bens e em vários serviços. Consequentemente, eles poderão agora gastar
mais dinheiro em outros bens e serviços, levando a um aumento da demanda e,
logo, dos lucros nos setores que fornecem estes bens e serviços. Consequentemente, haverá mais investimentos nestes
setores. E essa maior taxa de
investimento naturalmente levará à criação de mais empregos nestes setores,
desta maneira contrabalançando qualquer eventual aumento no desemprego que
possa ter ocorrido.
Alternativamente, os consumidores podem optar por
poupar essa renda extra possibilitada pelo declínio nos preços. Esse aumento na taxa de poupança tende a
gerar um declínio nas taxas de juros, tornando mais lucrativos determinados
investimentos de longo prazo e intensivos em capital, os quais não eram viáveis
antes. Aproveitando a oportunidade
fornecida por esse aumento na poupança, empreendedores irão tomar emprestado
para investir nesses projetos de longo prazo e intensivos em capital, os quais,
por si sós, não apenas criam mais empregos, como também geram um aumento na
demanda por bens de capital, o que eleva os lucros nas indústrias produtoras de
bens de capital e, consequentemente, levam a mais investimentos e empregos
nestes setores.
Livre
comércio e especialização
Fabricada na Malásia utilizando máquinas feitas na
Alemanha, algodão proveniente da Índia, forros de colarinho do Brasil, e tecido
de Portugal, em seguida sendo vendida no varejo em Sidney, em Montreal e em
várias cidades dos países em desenvolvimento (ao menos naqueles que são mais
abertos ao comércio exterior), a camisa típica da atualidade é o produto dos
esforços de diversas pessoas ao redor do mundo. E, notavelmente, o custo
de uma camisa típica é equivalente aos rendimentos de apenas umas poucas horas
de trabalho de um cidadão comum do mundo industrializado.
Obviamente, o que é verdadeiro para uma camisa vale
também para incontáveis produtos disponíveis à venda nos países capitalistas
modernos.
Como é possível que, atualmente, um trabalhador
comum seja capaz de adquirir facilmente uma ampla variedade de bens e serviços,
cuja produção requer os esforços coordenados de milhões de trabalhadores? A
resposta é que cada um desses trabalhadores faz parte de um mercado tão vasto e
abrangente, que passa a ser vantajoso para muitos empreendedores e investidores
organizarem operações de produção altamente especializadas, as quais são
lucrativas somente porque o mercado para seus produtos é grande.
Esta especialização tanto do trabalho quanto da
produção, ao longo de diferentes setores industriais ao redor do mundo, é
exatamente o fenômeno da globalização.
Suponha, por exemplo, que as camisas possam ser feitas
somente de duas maneiras. A primeira é manualmente. Para um fabricante de camisas
que utiliza este método -- independentemente de quantas camisas produz --, o
custo para produzir cada camisa é de $ 250. Trabalhando em tempo integral na
produção manual de camisas, o camiseiro consegue produzir dez camisas por mês.
A segunda maneira é produzindo as camisas em uma
fábrica altamente mecanizada. Se a fábrica funciona ao máximo de sua capacidade
de um milhão de camisas por mês, cada camisa tem um custo de produção de $ 5.
Porém, como as instalações e todo o maquinário da fábrica exigem um grande
investimento inicial, operar a fábrica abaixo de sua capacidade máxima faz com
que o custo de cada camisa aumente. A razão para este aumento é que
produzir menos camisas -- já tendo incorrido em um investimento alto -- impede
o fabricante de diluir todo o custo do investimento, algo que só ocorre quando
a produção é máxima. Quanto menor for a produção da fábrica, maior será
o custo por camisa produzida.
Sendo assim, qual método de produção seria utilizado
pelo fabricante? A resposta é: depende do tamanho de seu mercado.
Se um fabricante de camisas pretende servir a um
mercado de milhões de pessoas, ele utilizará o método da fábrica. Contudo, se
ele espera atender a um mercado de apenas umas poucas dúzias de clientes em
potencial, ele optará por produzir as camisas manualmente. Se cada fabricante
de camisas tivesse acesso somente a mercados pequenos, o preço das camisas
seria mais elevado do que se os fabricantes tivessem acesso aos mercados
maiores.
Este exemplo proporciona um importante argumento em
prol do livre comércio: ao expandir os mercados para além das fronteiras
políticas, as empresas podem aproveitar melhor as vantagens daquilo que os
economistas chamam de "economias de escala",
possibilitando assim que os consumidores usufruam preços mais baixos.
Outra vantagem da especialização é que ela permite
aos consumidores aproveitarem ao máximo os recursos e talentos localizados em
lugares distantes. Canadenses podem desfrutar dos abacaxis cultivados no Havaí,
ao passo que havaianos podem desfrutar do xarope de maple produzido no Canadá;
os franceses aproveitam a expertise financeira concentrada na cidade de Londres,
enquanto os londrinos desfrutam dos vinhos da Borgonha e Bordeaux. Brasileiros
se beneficiam de produtos tecnológicos manufaturados na China, ao passo que os
chineses usufruem a carne e o café produzidos no Brasil.
Embora outros fatores estejam sempre presentes, as
características geográficas de uma região -- por exemplo, seu clima, topologia
e reservas de minerais --, assim como os talentos especiais de sua força de
trabalho, determinam quais são os bens e serviços que podem ser produzidos
nessa região com o menor custo -- ou, como dizem os economistas, "com
vantagem comparativa".
Quanto mais livre for o comércio, maior a
probabilidade de que regiões se especializem na produção daqueles bens e
serviços que sua população local é capaz de produzir com mais eficiência, e em
seguida importem aqueles bens e serviços que são produzidos de maneira mais
eficiente em outras localidades.
O livre comércio proporciona aos consumidores a
oportunidade de comprar bens e serviços dos melhores produtores do mundo. Se as
camisas pudessem ser mais bem produzidas domesticamente, então o livre comércio
ajudaria a manter esses produtores lucrativamente no negócio (não haveria
outros locais de onde importar camisas melhores e mais baratas).
Alternativamente, se as camisas fossem mais bem produzidas no exterior, os
consumidores domésticos somente poderiam ter pronto acesso a essas camisas por
meio do comércio.
Assim, o livre comércio faz com que os ineficientes
produtores domésticos de camisas tenham de redirecionar seus talentos para
outros setores em que sejam mais capacitados, removendo-os da produção de
camisas e alocando-os para outras atividades produtivas. Isso beneficia
os consumidores. Empreendimentos ineficientes são ruins para uma
sociedade. Eles consomem recursos escassos e não entregam valor. Na
prática, eles subtraem valor da sociedade. Não faz sentido econômico
manter uma fábrica de pentes em um país se sua população está mais bem servida
comprando pentes melhores e mais baratos de outros produtores.
Ao redirecionar os recursos ao redor do globo para
aquelas tarefas nas quais cada recurso aplicado faz um trabalho melhor, o livre
comércio rearranja os recursos mundiais de maneira a gerar a maior produção
possível, ao mesmo tempo em que proporciona aos consumidores o máximo acesso
(mais fácil e mais barato) a essa produção.
Ausência
de livre comércio é escravidão
Apenas imagine viver em uma sociedade na qual nosso
trabalho diário serve unicamente ao propósito de sobrevivermos, e não para
desenvolver nossos talentos. Pois essa é a realidade nos países que mais
restringem o livre comércio: as pessoas, ao serem praticamente proibidas de
utilizar os frutos do seu trabalho para adquirir aqueles bens e serviços que
são mais bem produzidos por estrangeiros, acabam sendo obrigadas a desempenhar
várias atividades nas quais não têm nenhuma habilidade.
Uma pessoa boa em informática acaba tendo de
trabalhar como operário em uma siderurgia, pois seu governo restringe a
importação de aço, que poderia ser adquirido mais barato de estrangeiros.
Estando isoladas da divisão mundial do trabalho,
tais pessoas trabalham apenas para sobreviver, e não para desenvolver seus
talentos. Elas não podem trabalhar naquilo em que realmente são boas, pois a
restrição ao livre comércio obriga os cidadãos a fazerem de tudo, inclusive
aquilo de que não entendem.
Isso é uma vida cruel.
Apenas imagine como seria sua vida se você tivesse
de fabricar seu computador (ou tablet ou smartphone), cultivar a comida que
você come, criar as roupas que você veste, e construir a estrutura na qual você
mora. Caso tivesse de fazer tudo isso, você certamente morreria esquálido,
faminto, nu, desabrigado e desempregado.
Graças ao livre comércio, no entanto, você não é
obrigado a se concentrar naquilo em que você não é bom. Em vez disso, você pode
apenas trocar os frutos do seu trabalho por todos aqueles bens de consumo que
você não é capaz de fabricar. Nesse cenário, quanto maior a sua liberdade
para adquirir esses bens -- não importa se eles foram fabricados na sua cidade
ou em uma indústria do Vietnã --, melhor.
O
protecionismo nos torna mais pobres
O protecionismo não apenas protege os ineficientes,
garante seus lucros, e obriga os consumidores a pagarem preços maiores (o que
configura uma redistribuição de recursos dos consumidores domésticos para os
produtores domésticos), como também interrompe todo o processo de especialização
descrito acima, desta maneira impedindo que o padrão de vida aumente no longo
prazo -- podendo, inclusive, levar ao seu declínio.
Ao dar uma sobrevida a empresas ineficientes, as
tarifas protecionistas impedem que a mão-de-obra seja retirada dos setores menos
eficientes e seja alocada para os comparativamente mais eficientes. Consequentemente, dado que o protecionismo
impede um maior grau de especialização, ou mesmo a reverte, os benefícios da especialização
não podem ser obtidos. A produtividade não
aumenta (ou, no mínimo, não aumenta como poderia) e, consequentemente, os salários
reais não sobem.
Contrariamente à retórica popular, o livre comércio não
"destrói empregos". Ele apenas leva a
uma mudança de alocação de recursos (mão-de-obra, capital e outros fatores),
retirando-os dos setores comparativamente ineficientes da economia doméstica
para outros mais comparativamente eficientes.
Esse processo de especialização nas linhas de produção comparativamente
mais vantajosas não apenas não destrói
empregos, como também permite grandes ganhos em eficiência e produtividade, o
que leva a um aumento na renda real.
É assim que, longe de prejudicar os trabalhadores
domésticos, o livre comércio faz exatamente o oposto -- ele os enriquece. Com efeito, é o protecionismo o que nos deixa mais pobres, trabalhadores inclusos,
ao artificialmente proteger as empresas ineficientes, levando a uma má alocação
de recursos e a um declínio no padrão de vida de todos.
___________________________________________
John
Tamny é o editor do site Real Clear Markets e contribui
para a revista Forbes.
Donald
Boudreaux foi
presidente da Foudation for Economic Education,
leciona economia na George Mason University e é o autor do livro Hypocrites
and Half-Wits.