A característica
proeminente de um colapso social é sempre a mesma: uma profunda contração na divisão do trabalho. Onde não há contração da divisão do trabalho,
não há colapso.
Já a característica
proeminente do progresso social é exatamente oposta: um aumento na divisão do trabalho.
A Venezuela está
vivenciando um colapso social. Está
havendo uma profunda contração da divisão do trabalho naquele país (veja dois
exemplos aqui e aqui).
Já o resto do mundo -- com
a exceção de Coreia do Norte e, por enquanto, Cuba (que rapidamente entrará na
economia) -- está testemunhando um aprofundamento da divisão do trabalho e um
consequente progresso social como jamais havíamos visto na história da
humanidade.
Qualquer pessoa que
acredite que está por vir um colapso econômico tem de demonstrar que (1) há uma
causa plausível, e (2) o mundo está enfrentando condições em que essa causa
está se tornando cada vez mais provável.
A possibilidade de haver
uma grande reversão na divisão do trabalho está em declínio. A difusão da tecnologia e
dos aplicativos de
celular que transformam a todos em empreendedores, em conjunto com a Lei de Moore (que diz que
o poder de processamento da informática em geral dobra a cada 18 meses, e com
custos decrescentes), está acelerando a divisão do trabalho ao aumentar o
número de empreendedores e ao reduzir o custo da informação.
Estamos de volta à
observação feita por Hayek, ainda em 1945, em seu artigo O uso do
conhecimento na sociedade. O
conhecimento é descentralizado. O livre
mercado cria incentivos para que aquelas pessoas que possuem informação
especializada possam colocar esse conhecimento para usos lucrativos. Disse ele:
O caráter peculiar do problema de uma ordem
econômica racional é determinado exatamente pelo fato de que o conhecimento das
circunstâncias sob as quais temos de agir nunca existe de forma concentrada e
integrada, mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento incompleto e
frequentemente contraditório, distribuídos por diversos indivíduos
independentes.
O problema econômico da sociedade, portanto, não é
meramente um problema de como alocar "determinados" recursos -- se
por "determinados" entendermos algo que esteja disponível a uma única
mente que possa deliberadamente resolver o problema com base nessas
informações. Em vez disso, o problema é como garantir que qualquer membro da
sociedade fará o melhor uso dos recursos conhecidos, para fins cuja importância
relativa apenas estes indivíduos conhecem. Ou, colocando sucintamente, o
problema é a utilização de um conhecimento que não está disponível a ninguém em
sua totalidade. [...]
Hoje, é quase uma heresia sugerir que o conhecimento
científico não corresponde à totalidade do conhecimento. Mas um pouco de
reflexão irá mostrar que, sem sombra de dúvida, existe um corpo importantíssimo
de conhecimento desorganizado que não pode ser chamado de científico,
entendendo "científico" como o conhecimento de certas regras gerais:
o conhecimento de certas circunstâncias particulares de tempo e lugar.
É em relação a isso que praticamente todo indivíduo
tem alguma vantagem comparativa em relação a todos os outros, pois ele possui
informações únicas sobre que tipos de usos benéficos podem ser feitos com
certos recursos; usos estes que só acontecerão se a decisão de como utilizá-los
for deixada nas mãos desse indivíduo ou for tomada com sua cooperação ativa.
Basta apenas nos lembrarmos do quanto precisamos
aprender em qualquer profissão depois de termos completado nossa formação
teórica, quão grande é a parte da nossa vida profissional em que passamos
aprendendo habilidades específicas, e quão valioso, em todas as circunstâncias
da vida, é o conhecimento das pessoas, das condições locais e de certas
circunstâncias especiais.
Conhecer e saber operar uma máquina que não estava
sendo adequadamente explorada, ou explorar a habilidade de alguém que poderia
ser mais bem aproveitado, ou estar consciente de um excedente de reservas que
pode ser usado durante uma interrupção temporária do fornecimento é tão útil
socialmente quanto o conhecimento das melhores técnicas alternativas. O transportador
que ganha sua vida descobrindo como melhor aproveitar seu espaço de carga que
ficaria vazio, o agente imobiliário cujo conhecimento consiste quase que
exclusivamente em encontrar oportunidades temporárias, ou o indivíduo que faz
arbitragem, que lucra a partir das diferenças locais entre os preços de certos
bens -- todos eles realizam trabalhos eminentemente úteis que são baseados em
um conhecimento especial das circunstâncias de um momento fugidio, desconhecido
por outros.
Vale repetir: ao redor do
mundo, as instituições de mercado estão se espalhando. E as exceções provam a regra de Hayek: a
Coreia do Norte, a Venezuela e Cuba (que logo adotará uma economia de mercado).
Também ao redor do mundo,
os custos de comunicação estão caindo. Eis um exemplo impressionante
disso. Parece até impossível.

Gráfico
1: porcentagem da população que possui telefone celular
Um relatório do Instituto de Pesquisa Pew
Research afirma que:
Dentre
os proprietários de telefones celulares na África, a atividade mais popular é o
envio de mensagens de texto. No geral,
uma mediana de 80% dos proprietários de celulares em sete países da África
sub-saariana pesquisados dizem fazer isso com seus celulares. Isso inclui 95% na África do Sul e 92% na
Tanzânia. Em todos os países, pelo menos
metade dos donos de telefones celulares afirma que enviam mensagens de texto
por meio de seus aparelhos. [...]
Ao
passo que as redes de telefonia celular na África sub-saariana vêm se
espalhando rapidamente, a penetração da telefonia fixa nos sete países
pesquisados é perto de zero. Uma mediana
de apenas 2% da população desses países diz possuir uma linha de telefonia fixa
em seus domicílios, com uma mediana de 97% dizendo não possuir nenhuma. Dentre todos os países pesquisados, a
variância de pessoas que dizem ter uma linha fixa é muito pequena. Linhas fixas são simplesmente raras no
continente.
A África está entrando no século XXI. Quando as baterias solares se tornarem mais
baratas -- e isso é garantido --, a África irá superar a barreira econômica
imposta pelo complexo geração-linhas de transmissão-distribuição. Quando os sistemas de purificação de água se
tornarem baratos o suficiente para que os vilarejos possam comprar, o
continente irá superar a barreira econômica imposta pela necessidade de se ter
encanamentos.
O inventor e empreendedor Dean Kamen está trabalhando
no sistema de purificação de água: o Slingshot. Dê a ele mais dez anos. Se ele fracassar, outros irão descobrir uma
solução. É apenas questão de tempo.
O que é válido para a África subsaarina se aplica
também às áreas rurais da Índia e da China.
Próxima etapa: Wi-Fi gratuita fornecida pela Google
ou pela Amazon ou pelo Facebook.
Quando? Não mais tarde do que
2025.
E então teremos a penetração
maciça dos smartphones:
[...]
analistas em geral concordam que a penetração de smartphones na África dobrará
dentro de três a quatro anos. É difícil
discordar dessa análise se você levar em conta a crescente presença de
fabricantes de smartphones no continente, bem como os decrescentes preços
cobrados pelos aparelhos mais simples e até mesmo medianos.
Por
exemplo, a Huawei,
a terceira maior fabricante de smartphones do planeta, está presente em todas
as regiões da África. A empresa chinesa
tem sido agressiva em sua estratégia de introduzir smartphones android por
menos de US$ 100. E seus Huawei
Ascend Y220, vendidos por US$ 70, têm sido muito populares no Zimbábue.
A
Samsung já possui uma presença dominante no continente, e a gigante coreana tem
a meta de manter uma fatia de 50% dos 22 milhões de smartphones vendidos na
África em 2014.
Com isso, rapidamente todo o mundo terá acesso à
educação gratuita: a Khan Academy. E essa terá a concorrência de todos os cursos
já disponibilizados no Coursera.
A divisão do trabalho intelectual está só
aumentando. Isso é uma evidência de que
não haverá colapso econômico.
Infraestrutura
e centralização
A infraestrutura sempre foi a justificativa para uma
maior centralização estatal. De que
outra maneira as pessoas conseguiriam água e saneamento básico, eletricidade,
linhas telefônicas e estradas?, perguntam os estatistas. Temos de ter serviços de utilidade pública,
os quais devem ser
estritamente regulados pelo estado, afirmam eles.
Mas e se a energia solar fornecer 80% da energia de
nossa casa -- tudo exceto o ar condicionado?
E se os satélites fornecerem 90% da nossa conexão de
internet?
Com isso, sobrariam apenas as estradas
e os serviços de água e
saneamento.
Ao redor do mundo em desenvolvimento, linhas
telefônicas e elétricas não mais são necessárias para o desenvolvimento de
comunidades modernas. Se houver água
subterrânea (como poços artesianos), encanamentos podem ser dispensados. Se houver um eficiente sistema de purificação
de água, os complexos sistemas de tratamento também podem ser dispensados.
A educação já é livre na internet. Hoje. Nenhuma escola estatal é necessária (a
menos que o estado
obrigue os pais a colocarem suas crianças na escola).
Por causa dos dígitos eletrônicos, grandes fatias de
infraestrutura que antes dependiam de impostos e burocratas não mais são
necessárias. Isso significa que sociedades
do terceiro mundo serão capazes de entrar no século XXI mais rapidamente. As principais barreiras serão políticas,
éticas e tribais, não tecnológicas.
Isso significa que a pobreza do terceiro mundo será
superada rapidamente. Isso significa que
a produtividade de pessoas criativas irá produzir mais riqueza para o resto de
nós.
Como o marxismo já foi abandonado na esmagadora
maioria dos países, o mundo evitará esse obstáculo ao progresso. Ninguém quer viver na Coreia do Norte.
O keynesianismo está no banco do motorista
hoje. Mas já está perdendo força até
mesmo na América do Sul.
Nosso desafio será o de apresentar uma defesa da
liberdade de maneira clara para a vindoura nova geração de empreendedores do
terceiro mundo. Os comunistas não serão
nossos concorrentes na internet. Nem os
socialistas.
O volume de materiais especializados promovendo a
liberdade é enorme hoje. Não era assim há 50 anos. O momento está sendo
providencial. As tecnologias estão do
lado da descentralização. Os custos de
comunicação estão caindo. Portanto, a
combinação de conteúdo e formato digital é ideal.
A infraestrutura está cada vez mais digital. E está em busca do lucro. Ela pode estender seu domínio sem subsídios e
regulações estatais. Ela pode ser
instalada rapidamente. Qualquer
resistência será fútil.
Os dígitos estão expulsando a infraestrutura
física. A alavancagem política que
governos nacionais e regionais têm nessa área será cada vez mais
insignificante. A Lei de Moore está em
ação.
À medida que a liberdade se espalha, a riqueza
aumenta. Essa é uma mensagem de
libertação.
O
que poderia atrapalhar?
Portanto, o que poderia atrapalhar tudo isso e
reduzir essa divisão do trabalho?
Tarifas de importação (marginalmente), um sistêmico
colapso do sistema bancário (não é possível), hiperinflação (improvável), uma grande
depressão (possível), e pragas (possível, mas improvável -- a última foi em
1348-50), e guerrilhas (ainda existem na África sub-saariana).
Um colapso sistêmico do sistema bancário não é
possível. Por que não? Porque os 20% dos correntistas que detêm 80%
dos depósitos volumosos não
podem sacá-los e convertê-los em cédulas. Sim, um banco pode quebrar. Mas
todo o sistema bancário não pode. O
banco que quebrar será adquirido a um preço de barganha por outro banco.
Pode haver
hiperinflação? Sim. Ela pode durar mais do
que alguns anos? Não. Nenhum Banco
Central minimamente sério permitiria uma hiperinflação. E por um motivo simples:
uma hiperinflação seria péssima para os próprios burocratas do governo. Pense:
esse pessoal quer se aposentar e receber suas magnânimas pensões. Uma
hiperinflação destroçaria todo o poder de compra de suas pensões. Não há a
menor chance de eles fazerem isso consigo próprios. Adicionalmente, eles
sabem que uma hiperinflação deixará a economia em pandemônio. Isso irá afetar
sobremaneira a qualidade de vida deles próprios. Por que deixariam isso ocorrer?
Portanto, a ameaça número um é uma depressão
econômica. Qual é a cura? Mais e melhores informações sobre empregos e
oportunidades. Com a difusão da
informação e com a queda dos seus custos, isso está aumentando. O segredo é ter flexibilidade de preços e descoberta
de preços guiada pelo livre mercado. Isso pode ser afetado pelas políticas monetárias do Banco Central e
pelas políticas fiscais keynesianas.
Sim, uma grande recessão está por vir. Haverá uma contração econômica. Haverá uma redução marginal na divisão do
trabalho. Mas os custos de informação
são baixos e estão caindo. Se não houver
uma guerra comercial entre os países, vendedores encontrarão compradores na
internet.
Haverá uma distribuição de riqueza. As maiores perdas percentuais serão sofridas
pelos ricos do primeiro mundo, cuja riqueza está majoritariamente concentrada
em mercados sustentados pelas políticas monetárias dos Bancos Centrais (ver aqui e aqui). Mas isso não será um colapso. Eles
irão sobreviver. Não terão de fazer
malabarismos nas ruas ou virar camelô. Terão apenas de cancelar umas férias nas Bahamas. E talvez mandar os filhos para universidades públicas
em vez de particulares. A vida será mais difícil. Marginalmente.
O Ocidente já vivenciou uma década em que a divisão do
trabalho encolheu marginalmente: a década de 1930. As pessoas não morreram nas ruas (exceto as
que pularam dos prédios por vergonha). Adicionalmente, a riqueza do mundo àquela época era bem menor. Uma depressão realmente derrubava acentuadamente
a qualidade de vida das pessoas. Hoje,
com toda a riqueza já existente, uma depressão econômica irá reduzir apenas
marginalmente a qualidade de vida. Ninguém
passará fome (exceto na
Venezuela, que adotou o socialismo, o qual representa a abolição direta da divisão
do trabalho).
Haverá milhões de pessoas donas de imóveis que terão
de se desfazer deles e ir morar de aluguel. Mas isso não é um colapso. Isso é
uma oportunidade para aqueles que têm poupança e bons históricos de crédito. Esses irão aumentar seu patrimônio. Esteja entre eles.