Desde
ontem, o Royal Bank of Scotland (RBS) -- do qual o governo do Reino Unido é
acionista majoritário -- se tornou o primeiro banco do Reino Unido a impor
um taxa de juros negativa sobre alguns
de seus correntistas. Na prática,
isso significa que o banco irá cobrar
para que esses correntistas lhe emprestem dinheiro.
Repetindo:
em vez de pagar para obter um empréstimo, o banco cobra para obter um empréstimo.
Por
enquanto, as taxas de juros negativas incidirão apenas sobre clientes
corporativos, incluindo gerentes de fundos de investimento e fundos de pensão, que
mantiverem depósitos em determinadas moedas estrangeiras, dentre elas o euro. Mas, algumas semanas atrás, o RBS já notificou
mais de um milhão de pequenos empreendedores que têm conta no banco de que eles
também poderão ser cobrados caso o Banco Central da Inglaterra reduzisse a taxa
básico de juros -- que hoje está em 0,25% -- para território negativo.
Especialistas
já estão alertando que essa inédita medida do RBS irá "disparar alarmes" entre
os pequenos empreendedores e demais clientes comuns, podendo desencadear em uma
clássica corrida bancária caso o Banco Central da Inglaterra jogue os juros
para território negativo.
Na
Alemanha, a situação está ainda pior: dois
grandes bancos já estão praticando taxas de juros negativas sobre depósitos
acima de 100.000 euros. E não só de
empresas, mas também de pessoas físicas.
Embora
taxas de juros negativas tenham se tornado comuns na Europa e mesmo no Japão,
elas ainda não foram expandidas, em grande escala, para as contas bancárias dos
clientes. Por exemplo, o Banco Central
Europeu, o Banco Central da Suíça, o Banco Central da Suécia, o Banco Central
da Dinamarca e o Banco Central do Japão instituíram taxas de juros
negativas sobre toda e qualquer quantidade de dinheiro que os bancos comerciais desses países depositam
nos respectivos Bancos Centrais.
Isso significa que os bancos comerciais desses países têm de pagar para
depositar seu dinheiro em seus respectivos Bancos Centrais. Mas os correntistas, até então, estavam
isentos disso.
Aparentemente,
não mais.
Na
zona do euro, desde que o Banco Central Europeu (BCE) reduziu a taxa básica de
juros em março para menos 0,4% (- 0,4%), os bancos já pagaram um total de
aproximadamente 2,64 bilhões de euros para manter seus fundos depositados no
BCE. Essa prática está afetando
diretamente os lucros dos bancos, como mostra
essa reportagem do Financial Times.
Não
é de se estranhar que os bancos europeus estejam em dificuldades financeiras,
com alguns correndo
sérios riscos de quebra.
E
com os banqueiros centrais da Europa ameaçando novos cortes de juros, instituições
financeiras privadas estão explorando uma possibilidade
de contornar essas cobranças: converter os dígitos eletrônicos depositados
no BCE -- sobre os quais incidem os juros negativos -- em cédulas de dinheiro,
e então guardar essas cédulas em instituições não-bancárias, como cofres.
A
ideia de manter pilhas de dinheiro vivo guardadas dentro de cofres de alta segurança
parece saída de uma trama de um filme antigo, mas já está acontecendo na Europa
moderna. Como descreve esta
reportagem, a companhia de seguros alemã Munich Re já colocou dezenas de milhões
de euros em um cofre de alta segurança a um "custo aceitável". O Commerzbank, o segundo maior banco da
Alemanha, está considerando uma opção similar.
A coisa simplesmente não faz
sentido
Em
tese, o objetivo do BCE ao jogar a taxa básica de juros em território negativo
-- e, com isso, cobrar dos bancos que deixam dinheiro depositado no BCE -- é
estimular que eles emprestem esse dinheiro para pessoas e empresas.
Só
que há várias falhas neste raciocínio.
1)
Comecemos pelo óbvio: é impossível os bancos não terem dinheiro depositado no
Banco Central. O dinheiro que os bancos
mantêm depositado no BCE constitui sua reserva bancária, um item que faz parte
da base monetária. Toda e qualquer transação
eletrônica -- em que os dígitos eletrônicos são movimentados de uma conta
bancária do Banco A para outra conta bancária do Banco B -- é compensada pelo
Banco Central por meio das reservas bancárias.
O Banco Central retira dígitos eletrônicos das reservas do Banco A e transfere
esses dígitos para as reservas do Banco B.
No total, a quantidade de reservas bancárias não se alterou.
Mesmo
que as taxas negativas estimulassem os bancos a emprestar, esse dinheiro seria,
na melhor das hipóteses, transferido de um banco (o banco da pessoa que pegou o
empréstimo) para outro banco (o banco da pessoa que foi paga pelo tomador de empréstimo). No geral, a quantidade de dinheiro nas
reservas bancárias continuaria a mesma.
Portanto,
é impossível os bancos europeus saírem emprestando dinheiro a rodo de forma a
reduzir suas reservas bancárias (que é a intenção do BCE). O dinheiro que sai de um banco termina em
outro banco. A quantidade total de
reservas bancárias permanece a mesma.
2)
Empréstimos bancários dependem da capacidade e disposição do banco em emprestar
dinheiro, e do histórico de crédito e da disposição do tomador de empréstimo em
se endividar. Se o banco estiver
descapitalizado, ou se as pessoas e empresas estiverem endividadas, ou mesmo se
o banco acreditar que as pessoas e empresas não terão capacidade de quitar o empréstimo
(porque as expectativas quanto ao futuro da economia não são animadoras), não haverá
empréstimos.
3)
Uma taxa de juros negativa imposta pelo Banco Central sobre as reservas
bancárias aumenta os custos operacionais dos bancos. (Como dito acima, desde março, os bancos
europeu já gastaram 2,64 bilhões de euros apenas para manter seus fundos
depositados no BCE). Custos operacionais
mais altos reduzem
os lucros dos bancos. Lucros menores
afetam seu capital (patrimônio líquido).
E bancos descapitalizados não concedem empréstimos. Isso não apenas é uma questão contábil como também
é uma regra
imposta pelo Comitê da Basiléia.
Portanto,
a imposição de juros negativos sobre os bancos é uma medida que afeta diretamente sua capacidade de
emprestar dinheiro, e não uma medida que estimula mais empréstimos.
Adicione
a isso o fato de que as expectativas quanto ao futuro da economia européia não são
animadoras e também o fato de que as pessoas seguem endividadas, e ficará fácil
entender por que taxas de juros negativas acabam desestimulando ainda mais
novos empréstimos.
O
gráfico a seguir mostra a evolução dos empréstimos bancários na Europa. Ele resume tudo.

Por tudo
isso, é realmente um mistério por que o Banco Central Europeu acredita que
adotar uma política que afeta o capital dos bancos e torna sua atividade menos
lucrativa irá estimular a concessão de empréstimo. E quando se entende que não há como os bancos
se livrarem de suas reservas bancárias, o raciocínio do BCE fica ainda mais
bisonho.
Para coroar,
vale ressaltar que qualquer movimento significativo dos
bancos para converter as reservas bancárias depositadas no BCE em dinheiro vivo
irá solapar o próprio objetivo do BCE, que é o de estimular novos empréstimos. Com os bancos operando com dinheiro vivo,
todo o mecanismo das reservas fracionárias é interrompido.
A
menos, é claro, que os governos proíbam transações com dinheiro vivo. E, não coincidentemente, já está se formando
um movimento orquestrado visando exatamente a este fim.
O mundialmente famoso economista Kenneth Rogoff, professor de
Harvard e ex-membro do FMI, acabou de publicar um livro pavorosamente intitulado
The
Curse of Cash (A maldição do
dinheiro vivo). O livro vem colhendo
elogios efusivos de gente como Ben Bernanke, Alan Blinder e Michael
Woodford. Em seu livro, Rogoff
simplesmente defende a abolição de todo e qualquer dinheiro em espécie, e não
apenas de cédulas de alto valor nominal.
Embora admita que usar dinheiro vivo tenha algumas vantagens, Rogoff
apresenta a fantástica alegação de que o grosso do dinheiro vivo é utilizado
para facilitar a evasão de impostos e para financiar atividades ilegais, como
tráfico de seres humanos e terrorismo.
Ah,
sim, Rogoff também argumenta que uma economia sem dinheiro em espécie deixaria
a política monetária mais eficiente, impedindo que as pessoas retirassem
dinheiro dos bancos sempre que os banqueiros centrais -- aconselhados por
economistas sagazes como Rogoff -- decidissem que a taxa de juros ótima para
uma economia tem de ser profundamente negativa.
Conclusão
Ao passo que na Europa e no Japão os Bancos Centrais
instituíram taxas de juros negativas sobre toda e qualquer quantidade de
dinheiro que os bancos comerciais desses países depositam em seus respectivos
Bancos Centrais, nos EUA, o Fed está pagando juros
sobre toda e qualquer quantidade de
dinheiro que os bancos comerciais americanos depositem nele.
Os bancos americanos, por enquanto, não apresentam
riscos de solvência. Mas nada garante
que eles também não imponham taxas de juros negativas para seus clientes.
O
fato é que a guerra ao dinheiro em espécie está bem
avançada na Europa e está chegando aos EUA.
Alternativas como o Bitcoin se tornam
bastante atraentes.
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Leia também:
A era da insanidade - um
resumo das medidas surrealistas dos Bancos Centrais mundiais
Os Bancos Centrais mundiais
são hoje a principal fonte de risco e instabilidade à economia mundial
As taxas de juros negativas
na Europa sinalizam a aproximação de uma profunda crise econômica
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Joseph
Salerno, vice-presidente acadêmico do Mises Institute, professor de
economia da Pace University, e editor do periódico Quarterly Journal
of Austrian Economics.
Mike
Shedlock, orientador de investimentos da SitkaPacific Capital Management.
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von
Mises Brasil.