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Debate
sobre capital externo no setor aéreo vai da abertura total ao avanço gradual
O
fim de restrições à participação de capital estrangeiro em companhias aéreas
brasileiras foi debatido [no dia 8 de setembro] pela comissão especial de
senadores que analisa o projeto de lei (PLS
258/2016) do novo Código Brasileiro de Aeronáutica.
Houve
posições a favor da total abertura para o capital externo, com a queda do
limite atual de 20% sobre o capital votante, ao lado de propostas para um
avanço gradual, inicialmente para até 49%, com salvaguardas para proteger o
mercado de trabalho de aeronautas e acordos de reciprocidade com os demais
países.
A
visão mais flexível foi defendida pelos representantes da área governamental,
que lembraram a situação de escassez de poupança no país, o que eleva o custo
de capitalização das empresas aéreas. De acordo com o secretário de Política
Regulatória da Secretaria de Aviação Civil, Rogério Teixeira Coimbra, mais
investimentos via capital externo, em qualquer setor, significa maior oferta de
serviços e mais concorrência, com melhores preços e mais variedade de opções
para os passageiros. [...]
O
assessor de Relações Institucionais da Gol, Alberto Fajerman, foi o único entre
os representantes das companhias aéreas a defender a abertura total do capital
aos investidores externos. Primeiro, ele observou que a companhia é a única do
país que opera em bolsa de valores. Com a abertura, a empresa poderá compor seu
capital de modo a ter acesso ao segmento mais atrativo das bolsas, o chamado
"novo mercado". Ao contrário dos representantes do governo, ele disse, no
entanto, não existir correlação entre a medida com queda nos preços de
passagens ou com a qualidade dos serviços. [...]
O
representante da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ricardo Bisinotto
Catanant, [observou que] a discussão sobre a flexibilização não ocorre somente
no Brasil. Na União Europeia, já haveria uma abertura até 49% do capital
externo entre os países membros, com diretriz para estudos para medidas de
flexibilização se estenda a nações de fora do espaço comum. Disse ainda que os
Estados Unidos já vêm tentando implementar essa flexibilização há mais de uma
década. [...]
A
representante da companhia aérea Azul, Patrizia Xavier, diretora de Relações
Institucionais da empresa, foi a primeira a defender uma solução gradualista, a
começar pela discussão sobre os termos de reciprocidade (concessões mútuas)
entre o Brasil e outros países, e não por uma abertura unilateral. Além do
mais, lembrou que restrições ao capital externo ainda é uma regra em todo
mundo. No caso da Nova Zelândia, disse, a medida só serve para determinadas
rotas. Quanto ao Chile, observou que o país exige reciprocidade. "Estamos
fazendo algo inovador. Não existe no mundo nenhum país que abriu 100% do seu
capital", sustentou.
Para
Tarcísio Geraldo Gargioni, vice-presidente comercial da Avianca, a liberação
imediata para 100% pode de fato envolver riscos. Sua posição é de que seja
feita um escala inicial maior de participação estrangeira, até 49% do capital
votante. Até porque, na sua visão, os problemas de infraestrutura aeroviária e
as incertezas econômicas atuais desmotivariam o capital estrangeiro.
Guilherme
Leite, gerente jurídico da Latam, disse que a empresa vê com "bons olhos" a
discussão sobre a flexibilização do capital acionário, não se posicionando
sobre o nível ideal de abertura para o capital estrangeiro nesse momento.
Também disse que não esse não seria o ponto para "salvar" as empresas nacionais
e fazer o negócio voltar a crescer. Na sua visão, o debate tem que ser
acompanhado da revisão dos encargos trabalhistas, que seriam muito altos no
país, e ainda de mudanças na cobrança do ICMS.
Tanto o representante da Gol (que defende a abertura
para 100% de capital estrangeiro) quanto a representante da Azul (contra os
100%) estão corretos em suas respectivas afirmações: abrir 100% para o capital
estrangeiro não necessariamente levará a uma queda nos preços de passagens ou a
um aumento da qualidade dos serviços (posição da Gol), e nenhum outro país do
mundo faz isso (posição da Azul).
É por isso que tal medida, necessária e extremamente
bem-vinda caso aprovada, seria, por si só, inócua naquilo que realmente
interessa aos consumidores, turistas e executivos brasileiros: queda nos preços
e melhoria nos serviços.
Para que haja queda nos preços das passagens aéreas e
melhorias na qualidade dos serviços, apenas uma medida será realmente eficaz: a
adoção de um livre mercado.
Sobre o setor aéreo brasileiro
Até meados da década de 1990, o setor aéreo
brasileiro era rigidamente controlado pelo governo. A regulamentação
determinava inclusive os preços das tarifas -- ou seja, era o governo, e não o
mercado, quem fixava os preços das passagens. Com preços arbitrariamente
fixados (lá nas alturas), a concorrência entre as empresas aéreas se dava
apenas nos detalhes, como qualidade do serviço de bordo e da comida, atenção
dispensada pelos tripulantes, sorteios de quinquilharias a bordo ou entregas de
brindes, frequência dos voos, e até mesmo a beleza das aeromoças (as da TAM
eram particularmente imbatíveis).
Sob esse arranjo, os preços (muito) maiores
permitiam que as empresas aéreas disponibilizassem uma maior frequência de voos
em determinadas rotas, assim como um melhor serviço de bordo. Entretanto,
o índice de ocupação das aeronaves era baixo. A partir do final da década
de 1990, começou a haver uma maior flexibilização nos preços, porém estes ainda
eram controlados. Houve apenas um alargamento nas chamadas bandas
tarifárias. Foi só em 2005 que as tarifas para os vôos domésticos foram
completamente liberadas; e só em 2008 aconteceu o mesmo para os voos dentro da
América do Sul.
Como resultado, o setor aéreo doméstico vivenciou
uma explosão de demanda sem precedentes. Mesmo havendo poucas empresas
nacionais de grande porte concorrendo entre si, essa desregulamentação já foi
suficiente para desencadear uma notável disputa por passageiros. Como
agora as companhias aéreas concorrem com base no preço, as tarifas estão muito
mais baixas do que estavam há vinte anos -- e isso em termos nominais; se
considerarmos toda a inflação monetária havida nesse período, as tarifas em
termos reais certamente estão nos menores níveis de toda a história do país.
Em 12 anos, os
preços das passagens aéreas caíram 43%.
Em 2002, o valor médio de comercialização das passagens era de R$
580,58. Em 2014, esse valor passou para R$ 330,25. Uma queda substantiva.
Essa queda nos preços permitiu que muito mais
pessoas pudessem fazer viagens aéreas, garantindo às companhias altos índices
de ocupação. E os resultados para a população, pelo menos em termos de
capacidade e facilidade de locomoção, foram predominantemente positivos.
Após essa desregulamentação, as companhias aéreas reconfiguraram suas rotas e
renovaram seus equipamentos, o que tornou possível vários aprimoramentos na
capacidade de utilização das aeronaves. Foram essas eficiências que
genuinamente democratizaram as viagens aéreas, tornando-as mais acessíveis para
a população de baixa renda.
O governo gosta de se vangloriar de que sua política
econômica está permitindo que "o povo voe". Ora, a única
política do governo foi sair do caminho, abolindo barreiras que ele mesmo criou
e que sequer deveriam ter sido criadas, pra começar. O governo não fez
nada; apenas deu mais liberdade para que a livre iniciativa fizesse mais
coisas. Bastou permitir um pouco de livre mercado, e a classe operária pôde ir
ao paraíso...
O
oligopólio
Mas, obviamente, nem tudo são flores. Sendo um setor ainda estritamente regulado
pelo governo, é claro que há várias distorções, as quais se refletem sobre a
qualidade dos serviços prestados aos passageiros e aos custos ainda altos das
passagens aéreas.
Apesar de toda a queda nos preços das passagens aéreas,
o Brasil ainda é o 12º
país mais caro do mundo para viajar de avião. O preço cobrado no Brasil, para cada 100
quilômetros voados, é bem superior ao praticado nos maiores mercados aéreos.
Brasileiros pagam, por exemplo, 48% mais que os britânicos e 223% mais que os
norte-americanos.
O problema é óbvio: há apenas quatro companhias aéreas
no Brasil. TAM (agora Latam), Gol, Azul
e Avianca oligopolizam um mercado continental composto por 200 milhões de
consumidores.
E quem controla (e protege) esse oligopólio,
dificultando ao máximo o surgimento de novas empresas aéreas para concorrer com
as já estabelecidas? A ANAC,
Agência Nacional de Aviação Civil. Como
o espaço aéreo é propriedade autodeclarada do governo, é ele, por meio de uma
agência reguladora, quem determina quais companhias nacionais podem operar
determinadas rotas em determinados horários e quais aeroportos elas podem
utilizar.
Mas tudo piora: a lei nº 7.565, de
1986, proíbe companhias aéreas estrangeiras
de fazerem vôos domésticos no Brasil.
O artigo 216 da referida lei restringe o transporte
aéreo doméstico apenas a empresas brasileiras, o que significa que as empresas aéreas
estrangeiras são proibidas de fazer os chamados "vôos de cabotagem", que são os
vôos com origem e destino dentro do território nacional.
Mas empresas aéreas estrangeiras fazendo vôos nacionais
é a regra, por exemplo, na Europa. Até o
final da década de 1980, o setor aéreo europeu era tomado por dinossauros
estatais, com preços controlados e concorrência reprimida (semelhante a como também
era no Brasil). Com a desregulamentação,
iniciada na década de 1990, surgiram as empresas low cost low fare (baixo
custo, baixa tarifa) e a classe operária foi ao paraíso.
Hoje, é possível viajar de Londres a Madri pela Ryanair
pagando zero libra, mais a taxa de embarque. Basta ficar de olho nas
promoções. Você paga mais se deslocando até o aeroporto do que pela
viagem aérea. A mesma Ryanair recorrentemente oferece vôos por
9,99 libras.
Companhias aéreas sediadas em qualquer um dos países
membros da União Europeia podem voar livremente no interior do bloco. Também
foi eliminada qualquer restrição à nacionalidade dos capitais controladores das
empresas aéreas que operem apenas linhas internas ao bloco. A única limitação
vigente diz respeito à propriedade das empresas que operem linhas
internacionais externas ao bloco, que deverão manter 51% de capital europeu.
A abertura do mercado europeu, ocorrida a partir de
1997, permitiu a expansão de companhias de baixo custo, que fazem uso de aeroportos
secundários, empregam apenas um tipo de aeronave, não reembolsam passagens e
oferecem descontos para os passageiros que reservam com antecedência. O saldo
foi positivo para o consumidor, uma vez que aumentou a oferta de assentos e as
demais empresas aéreas foram obrigadas a baixar suas tarifas para enfrentar a
concorrência.
A cabotagem também é admitida entre as empresas da
Austrália e da Nova Zelândia, embora esses países não constituam um bloco econômico.
A exemplo do que ocorre na União Européia, não há restrição à nacionalidade do
capital das empresas que operem linhas entre os dois países.
Na América do Sul, o Chile admite a cabotagem de
empresas originárias de quatro países. Em substituição ao critério da
nacionalidade, criou-se o conceito de "principal local de negócios" para o
capital de controle das empresas aéreas.
Nos últimos anos, tem havido negociações entre a
Comunidade Européia e os Estados Unidos no sentido da constituição de uma Área Comum
de Aviação Transatlântica, que eliminaria as restrições de nacionalidade entre
as empresas de ambas as origens. Tais negociações ainda não apresentaram
resultados concretos, mas indicam uma tendência no sentido da ampla liberalização
da aviação internacional, com a derrubada das barreiras protecionistas adotadas
pela maioria dos países.
O
temor de fusões é revogado pelo livre mercado
Sempre que uma grande empresa aérea nacional anuncia
sua fusão com outra empresa aérea nacional, políticos e economistas gritam que
está havendo concentração de mercado e formação de oligopólio. Recentemente, a Azul
se fundiu com a Trip. Agora, já se
fala em fusão da Azul
com a Gol.
Ato contínuo, políticos e economistas tentam
implantar medidas -- como recorrer ao CADE -- para barrar a fusão.
No entanto, o temor do oligopólio decorre exatamente
do fato de eles terem criado um arranjo no qual empresas aéreas estrangeiras
são proibidas de fazer vôos nacionais dentro deste país. Sendo assim, com
o mercado nacional fechado ao mercado global, e com as empresas aéreas
nacionais usufruindo uma reserva de mercado (por obra e graça das
regulamentações estatais), a possibilidade de fusões e aquisições neste setor
realmente irá levar a um oligopólio.
Consequentemente, os próprios criadores deste
cenário de reserva de mercado passam a aplicar políticas que visam a impedir o
surgimento deste oligopólio -- como leis anti-truste -- ou que, em última
instância, visam a tentar regular esse oligopólio.
Perceba, no entanto, que o erro foi cometido lá no
início -- quando o governo proibiu empresas aéreas estrangeiras de fazer voos
nacionais --, e o que se está fazendo agora é um mero paliativo. A partir
do momento em que o governo fecha um mercado à concorrência externa, tentar
regulá-lo é um esforço inútil. É impossível tornar mais eficiente, por
meio de imposições burocráticas, um mercado fechado que foi fechado à
concorrência.
Por outro lado, se o mercado aéreo de um país é
aberto ao mundo, de modo que empresas estrangeiras não são proibidas de -- ao
contrário, são bem-vindas para -- fazer vôos nacionais, não há a mais mínima
possibilidade de fusões que levem a um oligopólio. Para isso acontecer, todas
as empresas aéreas do mundo teriam de se fundir em uma só.
Como seria um livre mercado no setor aéreo?
Simples. Não haveria obstáculos. Qualquer
empresa estrangeira que quisesse vir para o Brasil operar vôos nacionais seria
bem-vinda. Se a American Airlines quisesse operar a linha
Curitiba-Fortaleza, estaria livre para isso. Se a Lufthansa quisesse
operar Florianópolis-Brasília, que o fizesse. Se a Air China quisesse
fazer São Paulo-Salvador, ótimo. Se a KLM quisesse fazer Recife-Rio de
Janeiro, melhor ainda.
Nesse cenário de concorrência pura, o que você acha
que ocorreria: queda nos preços e melhora nos serviços, ou aumento de preços e
piora dos serviços? Pois então. Este,
aliás, é o único cenário possível para se ter queda de preços e melhora de serviços.
Como
deve ser feito
Se apenas quatro empresas aéreas são autorizadas
pelo governo a servir um mercado de 200 milhões de consumidores potenciais, é
claro que os serviços serão ruins e os preços serão altos.
Os preços só irão cair e os serviços só irão melhorar
se houver liberdade de entrada no mercado.
Ou seja, se houver livre concorrência, com companhias aéreas de todo o
mundo sendo liberadas para fazer vôos nacionais no Brasil. Por que isso não pode ocorrer em um país de dimensões
continentais? Por que apenas quatro
empresas aéreas protegidas pelo governo podem usufruir esse privilégio?
De um lado, a abertura para a exploração da cabotagem
corresponderia à importação de serviços de transporte aéreo, uma vez que a
empresa aérea não teria sede no Brasil. De
outro, a eliminação das restrições ao capital estrangeiro permitiria a
constituição de empresas brasileiras, sujeitas às mesmas condições produtivas
das atuais empresas, embora controladas por grupos econômicos estrangeiros.
A abertura e a eliminação das restrições poderiam
ser promovidas pelas seguintes alterações na legislação nacional:
a) eliminação das restrições à participação do
capital estrangeiro em empresas brasileiras, mediante revogação dos artigos 181 e 182,
II, do Código Brasileiro de Aeronáutica;
b) eliminação das restrições à operação de linhas
domésticas (cabotagem) por empresas estrangeiras, pela revogação do artigo 216
do CBA.
A abertura do mercado doméstico de aviação para
empresas e capitais estrangeiros seria benéfica a todos, pois ampliaria a
oferta efetiva e potencial de transporte aéreo no país, contribuindo para
ampliar a concorrência, reduzir tarifas, melhorar o atendimento e ampliar o
universo de localidades atendidas. De quebra,
a maior oferta de serviços ainda geraria mais empregos.
Além de tudo isso, a agora mais fácil capitalização
de empresas em dificuldades financeiras também protegeria o emprego dos
respectivos trabalhadores.
Ou seja, não há argumentos econômicos (nem
sentimentais) contra a medida.
Leia também:
Como a desregulamentação melhorou e barateou o transporte na Europa
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Victor
Carvalho Pinto é doutor em Direito Econômico e
Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Fundador
do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e da Associação Brasileira de
Direito e Economia. Autor do livro "Direito
Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade", em 4ª edição, e de
diversos artigos publicados nas áreas de desenvolvimento urbano e
infraestrutura.
Leandro
Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises
Brasil.