Com a estrepitosa implosão de todos os recentes
experimentos socialistas (Venezuela)
e intervencionistas (Brasil
e Argentina) na
América Latina, restou apenas uma única bandeira a ser empunhada com algum
vigor pela esquerda: o estado empreendedor.
O estado empreendedor seria aquele que faz parcerias
com -- e concede subsídios para -- empresas e, com isso, se torna capaz de
criar bens e serviços para a população.
Atualmente, a condutora intelectual deste movimento
é a professora Mariana Mazzucato. Nascida em Roma a 16 de junho de 1968,
mudou-se com os pais, quando ainda tinha 4 anos, para os EUA, país em que viveu
quase toda a sua vida até o ano 2000.
Atualmente, a doutora Mazzucato leciona "Economia da Inovação" na
Universidade de Sussex, no Reino Unido.
Junto a Thomas Piketty e Paul Krugman, pode-se dizer
que Mazzucato também já adquiriu um lugar cativo entre os "economistas
estrelas" que defendem políticas governamentais intervencionistas, não importa
o quanto estas já tenham se revelado desastrosas.
Mas, contrariamente a Piketty e Krugman, que fazem
apenas repetir chavões e lugares-comuns, o argumento da professora Mazzucato é,
convenhamos, um tanto provocador e original.
Segundo suas pesquisas, o setor privado não deveria se queixar dos altos
impostos que tem de pagar, e nem das travas regulatórias às quais tem de
obedecer. Em vez de reclamar, as empresas
e os consumidores deveriam, isso sim, agradecer
ao governo, pois impostos e regulamentações são os principais
impulsionadores da inovação e do crescimento.
Em seu livro O
Estado Empreendedor, a autora se compromete a "demonstrar que o Estado não
é um ente burocrático lento e pesado, mas sim a organização mais empreendedora do mercado, a qual assume os
investimentos de maior risco."
Por este ponto de vista, quando o estado gasta o
dinheiro dos pagadores de impostos com Pesquisa e Desenvolvimento, ele alcança
descobertas científicas que o setor privado utilizará para fabricar novos
produtos e serviços. Talvez sua frase
mais provocadora seja a de que "sem
o estado, o Google não existiria".
Mazzucato aplica a mesma lógica ao iPhone e a várias
outras inovações que utilizamos no dia a dia, as quais, segundo ela, só existem
por causa do estado, a quem deveríamos ser gratos por financiar pesquisas
visando a descobertas -- ao contrário dos empreendedores privados, que só
pensam no lucro.
Esse raciocínio de Mazzucato pode até soar
convincente à primeira vista, mas a pergunta inevitável é: não seria ele
decorrente de uma análise apressada -- para não dizer mal feita -- em relação à
sequência correta dos acontecimentos?
Para começar, a economista em momento algum se
pergunta como o estado conseguiu o dinheiro para financiar pesquisas. Dado que o governo se financia ou por meio de
impostos que confisca do setor privado ou por meio de endividamento (títulos públicos que vende
ao setor privado), não estaríamos perante uma situação completamente oposta à apresentada por Mazzucato?
Pode ser que o Google só tenha surgido após todos os
investimentos estatais feitos pela National Science Foundation (NSF -- agência
governamental americana que promove pesquisas em todos os campos
da ciência e engenharia), mas a pergunta ainda permanece:
quantas empresas privadas importantes tiveram necessariamente de existir antes para que o estado pudesse lhes
cobrar impostos (ou tomar dinheiro emprestado) para assim poder financiar a
criação da NSF?
Mais: a tese de Mazzucato simplesmente não consegue
explicar processos fundamentais como a Revolução Industrial. Na época, o gasto estatal direcionado à
Pesquisa e Desenvolvimento era praticamente inexistente. Com efeito, em 1930, o gasto estatal em
P&D representava somente
14% de todo o gasto com P&D nos EUA (os outros 86% eram privados).
Essas constatações empíricas, por si sós, mostram
que o setor privado, quando livre, não vê problema nenhum em assumir riscos e
empreender, mesmo não havendo um governo que o subsidie.
Outro ponto completamente ignorado pela tese de
Mazzucato é o famoso "custo de oportunidade".
Dado que o governo tem de tomar dinheiro do setor privado para financiar
pesquisas, então o setor privado inevitavelmente fica com menos recursos para
que ele próprio faça pesquisa e desenvolvimento. E também com menos recursos
que poderiam ser direcionados a melhores fins. Questão de lógica econômica.
Toda ação econômica carrega custos de oportunidade,
e pode gerar consequências não-previstas. O investimento estatal feito com
recursos extraídos do setor privado pode obstruir o desenvolvimento de outras
áreas da economia, as quais agora, sem recursos suficientes (pois foram
confiscados pelo estado), não mais terão como levar adiante seus projetos e
inovações.
Apple e Google são os exemplos favoritos de
Mazzucato. Segundo ela, sem o estado,
tais empresas não existiriam. Além de
todos os problemas de custos de oportunidades já citados acima, Mazzucato
ignora que várias outras empresas também tiveram acesso ao mesmo investimento
estatal em P&D utilizado por Google e Apple, mas nenhuma delas alcançou o
êxito de ambas em termos de inovação tecnológica.
O êxito do iPhone, por exemplo, não se deve à
tecnologia financiada pelo estado. Já havia outros dispositivos com as mesmas
características do iPhone. O êxito do
iPhone se deve a seu desenho e a seu sistema operacional. E este foi um desenvolvimento puramente
interno, da empresa.
Exemplos
práticos
Além de defender a tese de que o estado deve ser o
maior responsável pelas pesquisas inovadoras nas áreas fundamentais da ciência
e tecnologia, Mazzucato separa o que chama de invenções "ligeiras" --
as produzidas pelo setor privado, como novos modelos de tablets --
e inovações "grandes", de horizontes mais amplos, como as da área da
saúde e mecanismos de "ciclo completo", como a Internet.
Ela afirma que as grandes inovações produzidas nos
EUA foram todas financiadas e criadas pelo estado, como a Internet, o GPS (pelo
Pentágono) e medicamentos (pelo Departamento de Saúde). E afirma que o setor
privado tem "medo" de assumir riscos, o que não acontece com o
estado.
Mas vejamos algumas curiosidades.
A Internet, ou melhor, sua tataravó, foi de fato
concebida em plena Guerra Fria por técnicos da NASA, mediante o ARPA (Advanced
Research Projects Agency), mas só se expandiu e progrediu com o
desenvolvimento da rede em ambiente mais livre, não militar -- ou seja, privado
--, em que não apenas os pesquisadores, mas também seus alunos e os amigos
desses alunos, puderam ter acesso aos estudos já empreendidos e usaram sua
inteligência e desenvolveram esforços para aperfeiçoá-los de uma forma
fantástica.
O mesmo processo se deu com a Internet propriamente
dita: foram jovens da chamada "contracultura" -- e não funcionários
do estado --, ideologicamente defensores da difusão livre de informações,
que realmente contribuíram decisivamente para a formação da Internet como hoje
é conhecida.
Vinton Cerf foi o indivíduo que desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são a espinha
dorsal (a rede de transporte) da internet. Tim Berners-Lee merece
os créditos pelos hyperlinks. Mas foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do
Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para
conectar diferentes redes de computadores.
Quanto ao GPS -- e poucos sabem disso -- foi uma
ideia de uma estrela de Hollywood, a belíssima Hedy Lamarr, nome artístico de
Hedwig Eva Maria Kiesler (1913-2000), nascida em Viena, estrela sexy de
filmes como Idílio Perigoso (1944), Sansão e Dalila (1949), O
Vale da ambição (1950) Meu Espião Favorito (1951), e A
História da Humanidade (1957), entre muitos outros. Hedy criou
a tecnologia básica para o Sistema de Posicionamento Global (GPS,
na sigla em inglês) durante a II Guerra Mundial.
Judaica de origem e horrorizada com o avanço
nazista, queria ajudar os EUA e os aliados. Havia aprendido sobre
radiocomunicação graças à convivência, ainda na Áustria, com o ex-marido, Fritz
Mandl, um rico fabricante de armas e seus colegas engenheiros. E sua
contribuição científica aconteceu quando já havia se divorciado de Mandl e
fugido para os EUA.
Conforme relatado aqui,
a famosa atriz inspirou-se no som do piano para bolar sua maior invenção: em
1940, conheceu o compositor George Antheil, também curioso por ciência. Certa
noite, quando tocavam piano, ela se deu conta de que cada tecla emitia uma
frequência de longo alcance diferente. E, assim como elas se alternavam
rapidamente em uma música, talvez algo parecido pudesse ser aplicado aos
espectros de comunicação militar. Aprimorada por Antheil, a análise de Lamarr
originou o sistema "salto de frequência", no qual estações de
radiocomunicação eram programadas para mudar de sinal 88 vezes
seguidas (o mesmo total de teclas de um piano). Com isso, as forças
inimigas teriam dificuldade em detectar esse registro alternado, que poderia
ser então usado por navios e aviões, para orientar torpedos.
A dupla chegou a patentear a ideia e a ofereceu à
Marinha dos EUA, mas foi rejeitada, sob o argumento de que seria demasiadamente
cara (existe algo "caro" para governos)? A invenção perdeu --
felizmente -- exclusividade militar e se tornou a base de várias tecnologias
atuais. Ela é aplicada, por exemplo, em satélites de orientação para
meios de transporte civis -- o famoso GPS (Global Position System) e também
no wi-fi e no bluetooth.
E há mais.
Masaru Ibuka, um engenheiro, e Akio Morita, um
físico, ambos japoneses, logo após a II Guerra Mundial, procuraram o Ministério
da Indústria e Comércio do Japão em busca de recursos para desenvolverem suas
ideias. Receberam um sonoro "não"! Resolveram, então, fundar a
empresa Totsuko, em maio de 1946, em um grande armazém bombardeado pelos
americanos, em Tóquio. A nova empresa não tinha qualquer maquinaria e
possuía muito pouco equipamento científico e contava apenas com a inteligência,
conhecimentos de engenharia e o espírito empreendedor de Ibuka e Morita.
Trata-se, como o leitor já deve ter percebido, simplesmente, da Sony.
Como você poderá ver aqui e
também aqui, graças ao
espírito verdadeiramente empreendedor desses dois fantásticos homens, a Sony
cresceu e hoje seu nome está associado a inovação, tecnologia avançada,
qualidade e durabilidade. Ver televisão em uma Bravia,
trabalhar em um laptop Vaio, tirar fotos com uma Cybershot,
jogar Playstation, gravar com uma Handycam, ouvir
música em um Walkman -- essas são apenas algumas das
"crias" tecnológicas de dois indivíduos, graças ao "não"
recebido dos burocratas japoneses.
Perguntemos à Professora Mazzucato se eles eram
funcionários públicos.
E o que dizer do próprio Steve Jobs, que
revolucionou seis indústrias: computadores pessoais, filmes de animação,
música, telefones, tablets e publicação digital? Era por
acaso funcionário público? E Bill Gates e Paul Allen, criadores da
Microsoft em 1975, em Albuquerque, no Novo México? Eram burocratas iluminados
ou empreendedores que acreditaram em suas ideias e assumiram os riscos de
colocá-las em prática?
Mais exemplos: Jorge Paulo Lehmann é um burocrata?
E Alexandre Tadeu da Costa, fundador da Cacau Show? E
Antônio Alberto Saraiva, criador da Habib´s? E Romero
Rodrigues, da Buscapé Company? E Robinson Chiba, da China
in Box? E Flavio
Augusto da Silva, que, com apenas 23 anos, decidiu lançar um projeto
inovador com o objetivo de, em 18 meses, dar fluência na língua inglesa a
adultos, e que, para fundar sua empresa, a Wise Up, usou R$ 20 mil
de seu cheque especial, com juros de 12% ao mês?
Qual o papel exercido pelo estado em todos esses
casos, a não ser o de recolher tributos para benefício próprio?
O
BNDES nos trouxe algo de bom?
Em 2013, Mazzucato concedeu uma entrevista ao programa
"Milênio", da Globonews.
Elogiou o então governo brasileiro e o BNDES.
Compreensível. De certa forma, o BNDES faz aquilo
que Mazzucato defende: financia, subsidia e participa das decisões de grandes
empresas, tornando o estado um empreendedor.
E fazer do estado um empreendedor foi o exatamente o
objetivo do BNDES fez na última década. O Tesouro se endividou emitindo títulos
que pagam a SELIC e repassou esse dinheiro para o BNDES, o qual então emprestou esse dinheiro a
grandes empresas cobrando juros abaixo de 5%, e em prazos que chegam a 30 anos.
Ou seja, utilizando dinheiro de impostos, o governo
fez empréstimos subsidiados -- e a condições artificialmente favoráveis -- às
grandes empresas escolhidas por ele.
Estado empreendedor em sua melhor definição.
Mazzucato, com razão, elogiou este arranjo.
Essa política de privilégios a grandes empresas
ficou conhecida como a
política das "campeãs nacionais", e tinha como objetivo criar
empresas fortes e mundialmente competitivas em vários setores da economia:
de empreiteiras a telefônicas, passando por frigoríficos, empresa de alimentos,
de laticínios e de celulose.
Logo, a política de "campeãs nacionais"
nada mais foi do que uma política industrial na qual o governo transferia renda
da população para determinados setores ou empresas favorecidas, para que estas
então pudessem se desenvolver com a ajuda do estado.
As consequências econômicas dessa política
industrial do BNDES foram a explosão do endividamento do governo e a estagnação da economia (explicada em detalhes neste artigo). Já
a consequência moral foi
a Lava-Jato.
E a ideia, em si, contou com o apoio de Mazzucato.
Conclusão
Criatividade só se converte em inovação quando o
papel de descobrir as melhores oportunidades para as empresas cabe ao empreendedor,
e não ao burocrata.
Mazzucato defende que governo trate o
empreendedorismo como se este fosse algo relacionado a planejamentos
estratégicos, quando, na verdade, é um processo de descobertas inovadoras.
E a competitividade de uma economia depende desse
processo de descobertas.
A inovação e a criatividade são características
intrínsecas do ser humano. E elas se desenvolvem com maior ímpeto naqueles
países em que predomina a liberdade economia, a qual permite que as pessoas
possam se arriscar e usufruir os benefícios de seus empreendimentos. A tese de que a intervenção estatal é a chave
para que este processo se desenvolva não apenas atenta contra a lógica
econômica, como também serve apenas como argumento para intensificar políticas
intervencionistas, as quais sempre se comprovam nocivas para o desenvolvimento
de longo prazo dos países.
Quem deve escolher os vencedores do mercado não são os
burocratas do estado, como que Mazzucato, mas sim os milhões de consumidores.
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Iván
Carrino é analista econômico da Fundación Libertad y Progreso na
Argentina e possui mestrado em Economia Austriaca pela Universidad Rey Juan
Carlos, de Madri.
Ubiratan
Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor
Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Visite seu website.
Leandro
Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises
Brasil.