Há 13
milhões de desempregados no Brasil. Ao mesmo tempo, o que não falta é trabalho
a ser feito no país.
Isso, por si só, leva a um aparente paradoxo: como
pode haver desemprego se há uma infinidade de serviços a serem feitos?
Donde vem o ditado: "Tá faltando emprego, mas tá
sobrando trabalho!"
Pare pra pensar: vivemos em um mundo de
escassez. Nenhum bem ou serviço surge pronto do nada. Todos eles
precisam ser criados e trabalhados. Um carro não surge do nada. É
preciso trabalhar o aço, o alumínio, a borracha e o plástico que vão
formá-lo. E esses quatro componentes também não surgem do nada. Eles
precisam ser extraídos da natureza ou fabricados sinteticamente. O mesmo é
válido para todos os outros bens de consumo que você possa imaginar, de laptops
a aviões, passando por parafusos, palitos de dente e fio dental. Todos
precisam ser trabalhados.
Da mesma forma, o fato de você estar com fome não
vai fazer com que uma pizza surja pronta para você. Alguém precisa
trabalhar para fazê-la. E os ingredientes utilizados na fabricação dessa
pizza, por sua vez, também não surgiram do nada. Todos eles precisaram ser
fabricados ou plantados e colhidos.
Ou seja: não vivemos na abundância. As coisas
não existem fartamente à nossa disposição. Todas elas precisam ser
trabalhadas. Sendo assim, sempre haverá, em todo e qualquer lugar, algum
trabalho a ser feito. Seja na fabricação de um bem de consumo, seja na
prestação de algum serviço -- nem que seja a limpeza de uma janela, a troca de
uma lâmpada ou a limpeza de algum banheiro.
Esse é um fato inegável: vivemos em um mundo de
escassez em que sempre há algum trabalho a ser feito. E a quantidade de pessoas
para executar esses trabalhos é limitada.
O que nos leva ao ponto principal: por que há
escassez de emprego se há uma infinidade de trabalho a ser feito e poucas
pessoas para fazê-los?
Se a demanda por trabalho é infinita e a oferta de
mão-de-obra é naturalmente limitada, por que não temos um pleno emprego?
Desemprego
involuntário
Em um ambiente genuinamente livre, no qual as
pessoas podem voluntariamente fazer qualquer acordo entre si sem sofrer a
interferência de terceiros, não há desemprego involuntário. Ou seja, a pessoa que quer trabalhar não fica
sem trabalhar. Todo o desemprego é voluntário: só fica sem trabalhar quem não quer
trabalhar.
Por exemplo, em um mercado totalmente desimpedido,
você encontraria facilmente alguém disposto a lhe pagar -- sem medo da justiça
trabalhista -- para trocar uma lâmpada, varrer um chão, limpar uma janela,
consertar um carro, instalar uma televisão, reparar algum eletrodoméstico,
programar um computador ou mesmo projetar um prédio (caso você seja realmente
bom).
No extremo, se essa demanda por mão-de-obra cair, então
o preço dessa mão-de-obra também irá cair, até que toda a mão-de-obra disponível
volte a estar empregada.
O desemprego involuntário, portanto, é um fenômeno inexistente
em um mercado livre, pois segue a mesma lei da oferta e da demanda que se
aplica a todo o resto da economia: se a demanda por um produto cai, então o preço
deste produto tende a se reduzir o suficiente para que todas as unidades disponíveis
sejam adquiridas.
Logo, se sempre há trabalho a ser feito, e se há mais
trabalho a ser feito do que mão-de-obra para fazê-lo, por que então há desemprego
involuntário?
Obviamente, esse descompasso só pode ser causado por
algum tipo de interferência externa nesta arena em que a demanda por bens e
serviços e a oferta de mão-de-obra para executá-los se equilibram.
Quem
atrapalha tudo
Eis a nossa realidade: o mercado de trabalho não apenas
não é livre, como é um dos mais regulados e controlados da economia. Pelo governo e pelos sindicatos.
A consequência disso é que, quando a demanda por mão-de-obra
cai em decorrência de uma recessão, governo e sindicatos não permitem que o preço
dessa mão-de-obra -- no caso, salários e encargos sociais e trabalhistas -- também
caia.
A redução dos custos da mão-de-obra, essencial em um
momento de queda na demanda por mão-de-obra, é obstaculizada por regulações governamentais,
como salário mínimo e encargos sociais e trabalhistas, e por imposições sindicais,
como acordos coletivos e dissídios coletivos.
Pior: a própria Constituição Federal
arbitra sobre isso, estabelecendo que uma empresa só pode reduzir salários se o
sindicato da categoria aprovar. Mesmo que o trabalhador aceite uma redução, ele
é proibido disso, pois o governo decretou ser ilegal.
Todas essas imposições são feitas com a
justificativa de "proteger os trabalhadores", mas logram apenas expulsar os
mais fracos e menos qualificados do mercado de trabalho. Afinal, se o custo da mão-de-obra
não diminuiu o suficiente perante uma queda na demanda empresarial por
trabalhadores, o que inevitavelmente irá ocorrer é que o desemprego
inevitavelmente aumentará.
E não se trata de uma consequência econômica extraordinária
própria do mercado de trabalho: isso é exatamente o mesmo que ocorre com
qualquer outro bem ou serviço. Se os consumidores de um produto deixam de
querer comprá-lo, mas seu preço se mantém inflexível, então esse produto não será
vendido para ninguém. Sem um ajuste em seu preço, o ajuste acaba sendo feito
por meio da quantidade demandada.
Igualmente, a legislação que pretende proteger os
trabalhadores de qualquer redução salarial e de qualquer redução nos encargos
sociais e trabalhistas acaba por condenar uma boa parte desses mesmos
trabalhadores ao desemprego, ou seja, ao corte salário completo.
Os
números
Para empregar legalmente alguém no Brasil, o
empregador terá de pagar, além do salário imposto pelo governo e pelos sindicatos,
mais 102% do valor
desse salário em impostos e encargos sociais e trabalhistas.
Dentre os encargos sociais, temos o INSS, o FGTS
normal, o FGTS/Rescisão, o PIS/PASEP, o salário-educação e o Sistema S.
Dentre os encargos trabalhistas temos 13º salário, adicional de remuneração,
adicional de férias, ausência remunerada, férias, licenças, repouso remunerado
e feriado, rescisão contratual, vale transporte, indenização por tempo de serviço
e outros benefícios.
Este
site mostra que, dependendo do caso, os encargos sociais e
trabalhistas podem chegar a quase 102% do salário, o que faz com que um salário
de R$ 880 gere um custo final total de R$ 1.777 para o empregador.
São exatamente essas regulamentações que governo e
sindicatos impõem ao mercado de trabalho que provocam esse descasamento entre
demanda por trabalho e oferta de mão-de-obra.
Os trabalhadores brasileiros são cheios de
"direitos sociais" (encargos sociais e trabalhistas pagos pelos
patrões); só que, para terem esses direitos, não só seus salários ficam cada
vez mais achatados, como eles também ficam cada vez mais sem empregos.
Soluções
empiricamente testadas
O leitor pode perfeitamente dizer que os argumentos
apresentados até são coerentes e fazem sentido no campo das idéias, mas que
jamais funcionariam na prática.
Mais: ele pode dizer que, em meio a uma crise econômica,
se os salários pudessem ser reajustados para baixo, o resultado não seria mais
empregos com menores salários, mas sim apenas menos empregos com menores salários.
Os empresários, dirá ele, aproveitariam a oportunidade para aumentar seus
lucros e não deixarão de demitir ainda mais pessoas, não importa que agora os salários
estejam menores.
A realidade, no entanto, é bem distinta.
Em uma recente
pesquisa feita sobre o mercado de trabalho italiano (um dos mais regulados
do mundo) entre 2008 e 2013 -- anos de intensa recessão --, os economistas Sergei
Guriev, Biagio Speciale e Michele Tuccio compararam o comportamento dos salários
e do nível de emprego tanto na extremamente regulada economia formal quanto na
desregulamentada economia informal.
Os resultados obtidos realmente não são nada
surpreendentes, pois corroboram bom senso: os salários se reduziram muito menos
na economia formal do que na informal (caíram 20% na economia informal, e se mantiveram
constantes na economia formal); porém, em contrapartida, o desemprego também aumentou
muito mais na economia formal do que na informal: o número de pessoas ocupadas
despencou 16% no mercado de trabalho regulado ao mesmo tempo em que aumentou 1,6% no mercado
desregulamentado.
Com efeito, os três pesquisadores estimam que, se a
flexibilidade houvesse sido estendida a todo o mercado de trabalho italiano, o
emprego teria caído menos de 5% -- e não os 16% vivenciados.
As opções do mercado de trabalho em meio a uma crise
econômica não são confortáveis: a curto prazo, ou os salários diminuem ou os
empregos diminuem. É absolutamente irreal querer que, ao mesmo tempo em que a
economia esteja encolhendo e a produção esteja caindo, tanto o número de
empregos quanto os salários pagos se mantenham constantes.
A massa salarial é o principal componente do PIB; e,
se o PIB se contrai, então a massa salarial também irá se contrair: seja porque
o número de pessoas recebendo salários cai ou porque o valor de cada salário pago
diminui. Em meio a uma crise economia, não há uma terceira alternativa.
Daí que é necessário escolher entre um mercado de
trabalho hiper-regulado que preserve os salários (e diminua os empregos) ou um
mercado de trabalho liberalizado que preserve o volume de empregos (e diminua
temporariamente ou os salários ou os encargos sociais e trabalhistas).
Conclusão
Se o governo e os sindicatos querem "fazer
algo" para ajudar os trabalhadores de maneira definitiva, então eles
realmente deveriam desonerar aquelas pessoas que estão dando emprego e dinheiro
para os trabalhadores. É particularmente perverso que ambos queiram onerar
exatamente aquelas pessoas que estão fornecendo oportunidades (e dinheiro) para
os trabalhadores.
A legislação trabalhista é uma ferramenta perversa
que foi criada para (supostamente) ajudar os trabalhadores menos capacitados
(que são justamente aqueles que recebem os menores salários). Na melhor
das hipóteses, ela ajuda alguns poucos ao mesmo tempo em que penaliza
drasticamente todos os outros -- ao tornar impossível que eles encontrem um
emprego legal.
Pior: a legislação trabalhista perversamente joga
todo o fardo exatamente sobre aquele grupo de pessoas que optou por ajudar
esses trabalhadores, que são os empregadores -- o único (e pequeno) grupo de
pessoas que realmente está se esforçando para resolver o problema.
Eis, portanto, uma solução justa e funcional: um
mercado de trabalho liberalizado, no qual trabalhadores e empresários sejam
livres para negociar dinamicamente seus acordos sem serem obrigados a se
submeter a normativas estatais e a imposições sindicais, as quais prejudicam
exatamente aqueles a quem dizem beneficiar.
Se os políticos genuinamente se importam com o drama
do desemprego, então a primeira medida que deveriam aprovar seria a revogação de
todas atuais normas
anti-trabalho e pró-sindicalismo, bem como o peso dos encargos sociais e
trabalhistas, responsáveis diretos por multiplicar o número de desempregados
durante a atual depressão econômica.
Enquanto isso não é feito, 13 milhões de pessoas continuam
arcando com as consequências de tamanha irresponsabilidade.
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Leia
também:
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A irrelevância da
necessidade do trabalhador e da ganância do empregador na determinação do
salário
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Juan
Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e
professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em
Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von
Mises Brasil.