Donald Trump colocou a esquerda mundial em uma
encruzilhada.
De um lado, ela despreza o presidente-eleito por
suas tiradas provocadoras e politicamente incorretas, por seu repúdio à livre imigração
e por suas propostas de reduzir impostos e desregulamentar alguns setores
(nada, porém, foi especificado por Trump).
No entanto, quando o assunto é comércio
internacional, não há ninguém mais protecionista que o novo presidente
americano. Neste quesito, os sindicatos, o socialista Bernie Sanders e Trump se dão as mãos.
Em artigo
publicado pelo The Wall Street Journal,
a colunista Mary
Anastasia O'Grady resumiu a situação: "O senhor Trump é tão delirante em
temas comerciais, que faz com que Hillary Clinton e os democratas comecem a
parecer sensatos".
A mais recente novidade surgiu ainda antes de Trump
assumir a presidência: a Ford
decidiu cancelar um projeto de investimento de US$ 1,6 bilhão na cidade
mexicana de San Luis de Potosí. Após o cancelamento, a Ford anunciou que irá
investir US$ 700 milhões em uma fábrica em Michigan, emblema da indústria
automotiva americana e sede do primeiro documentário de Michael Moore (Roger e Eu), que narrava as
dificuldades de uma cidade de Michigan (Flint) após a GM ter fechado ali a sua
fábrica e se mudado para o México.
Esta mudança de atitude nos programas de
investimento da empresa está diretamente relacionada às promessas de campanha
de Trump, que afirmou que aquelas empresas americanas que abrirem fábricas no
México e que tentarem vender seus produtos nos EUA serão punidas com pesadas tarifas
de importação sobre seus produtos.
Ou seja, se a Ford, visando a manter seus custos de produção
baixos, optasse por abrir uma fábrica no México, ela perderia completamente
esse benefício da redução de custos tão logo ela fosse vender os carros para os
EUA, pois o país subiria acentuadamente as tarifas de importação.
O economista libertário Robert Wenzel disse
que, ao fazer esse tipo de ameaças a empresas, Trump em nada se distingue
de um presidente de uma república bananeira.
Já Michael Moore, um dos mais ferozes críticos de
Trump, deve estar festejando esta ameaça de Trump à Ford. Com efeito, graças a ela,
agora haverá alguns empregos a mais em Michigan e as empresas pensarão duas
vezes antes de se mudarem para o México (onde, consequentemente, empregos e salários
cairão).
E é exatamente esta a leitura superficial que está
sendo feita desta medida trumpista: o México perderá investimentos, os EUA ganharão
investimentos, e sendo Trump americano ele está correto em defender os
interesses de seu país. "Lamentamos muito, hermanos
mexicanos, mas nosso presidente quer que nós americanos vivamos melhor. Sendo assim,
vocês têm que perder para que nossos trabalhadores consigam emprego."
Entretanto, a realidade é um tanto distinta. Em economia,
nada é tão simplesmente direto. Sim, é evidente que o México será o mais
prejudicado. Mas também os americanos -- em termos da população geral -- não serão
beneficiados com isso. Ao contrário até.
Empresas
devem ser livres para decidir onde produzir
O efeito sobre o México é muito fácil de ser visto. Se
mediante ameaças diretas ou indiretas, as empresas americanas reduzem seus
investimentos no México, o país de 122 milhões de habitantes será prejudicado
ao ter uma menor demanda por sua mão-de-obra. Com menos empresas concorrendo
entre si para contratar mexicanos, os salários não subirão. Poderão até cair.
O volume de investimento estrangeiro direto dos EUA
no México foi de US$ 108 bilhões em 2014, o que faz dos EUA o principal
investidor estrangeiro no México. Se esse montante for reduzido, o México terá
de fazer muito mais esforços para atrair investimentos de outros países caso
queira manter o crescimento de sua economia.
Por outro lado, o analista que se concentrar
exclusivamente no estado americano de Michigan, terá a impressão de que tudo é
um mar de rosas. Afinal, a Ford, em vez de levar seus investimentos a países estrangeiros,
aplicará US$ 700 milhões de capital em solo americano. Previsivelmente, este
gasto gerará demanda por matérias-primas e mão-de-obra, e fará aumentar a produção
naquele estado.
Ótima notícia para Michael Moore, mas não tão boa
para o resto dos americanos.
Para facilitar o raciocínio, peguemos uma indústria
americana famosa por produzir seus bens na China e revendê-los nos EUA: a
indústria de celulares (smartphones).
Exatamente por terem transferido toda a produção para
a China, onde os custos de produção são baixos, os celulares nos EUA custam
apenas poucas centenas de dólares, e não milhares de dólares. Consequentemente,
ao poderem vender celulares a preços baixos nos EUA, essas empresas conseguem
atrair mais consumidores e, consequentemente, mais receitas. Esses preços baixos
permitem que as pessoas tenham mais dinheiro para investir e gastar em outras áreas
da economia.
Simultaneamente, os empregos que se perderam nos EUA
com a transferência da manufatura de smartphones para a China são mais do que
compensados pelo aumento dos empregos nos setores de pesquisa e
desenvolvimento, varejo, comércio, serviços gerais ao consumidor, reparos e
consertos, e todo e qualquer outro trabalho relacionado ao setor de tecnologia.
Em uma economia rica e moderna, o maior criador de
empregos modernos é o setor de serviços e não o setor industrial. Se os EUA tivessem
de fabricar seus próprios smartphones e tablets em Los Angeles, utilizando
trabalhadores americanos (como quer Trump), muita mão-de-obra qualificada seria
direcionada para as linhas de montagem. Consequentemente, haveria menos mão-de-obra
qualificada disponível para preencher os empregos criativos (e de alta remuneração)
que surgiram no Vale do Silício.
Quanto às tarifas de importação, é exatamente por estas
serem baixas nos EUA, que as empresas americanas podem importar, de forma
barata, peças, componentes e matérias-primas do exterior, o que permite que
elas consigam ter baixos custos de produção e, consequentemente, possam
investir esse dinheiro poupado contratando mão-de-obra qualificada e fornecendo
empregos a altos salários no país.
Se uma empresa fabricante de aparelhos
eletrodomésticos tivesse de fabricar localmente todos os seus parafusos,
roscas, porcas, arruelas, argolas, fios etc., seus custos de produção aumentariam
e, consequentemente, os preços de seus produtos finais. Com preços maiores, a
demanda por seus produtos seria menor. Com consumidores comprando menos,
haveria menos empregos disponíveis nessa empresa.
Já ao importarem tudo isso da China, essas empresas
podem contratar mais americanos a salários maiores do que seriam caso essa
empresa tivesse de fabricar todas as suas peças.
Portanto, ao querer banir a liberdade de as empresas
decidirem onde querem fabricar, e ao ameaçar com tarifas de importação, Trump
está colocando todo esse virtuoso arranjo em risco.
Voltando à Ford, quando a empresa decidiu
inicialmente investir no México para abrir sua fábrica ali, ela o fez
exatamente para melhorar a rentabilidade da empresa, reduzindo custos e, com
isso, podendo vender carros mais baratos aos próprios americanos, que assim
teriam mais dinheiro para investir e gastar em outros setores da economia.
E se há algo de que tanto os EUA quanto qualquer
outro país do mundo necessitam acima de tudo são empresas lucrativas.
Conclusão
Fabricar produtos nacionalmente não é algo
inerentemente bom ou ruim. Há vantagens e desvantagens em se produzir no
exterior. O melhor indicador sobre onde um determinado produto deve ser
produzido deve estar a cargo da análise econômica feita pela própria empresa
interessada. Dependendo de cada situação, pode ser mais vantajoso fabricar no próprio
país ou fabricar tudo no exterior.
Porém, quando tarifas de importação são aplicadas
pelo governo, isso distorce todos os sinais enviados pelo sistema de preços,
afetando inteiramente o comércio.
No final, o raciocínio é: se empresas americanas
decidirem permanecer nos EUA porque esperam redução de impostos e desregulamentação,
isso é bom. Se decidirem ficar porque esperam protecionismo, isso é ruim.
A Ford claramente queria construir no México. Voltou
atrás porque foi ameaçada pelo futuro governo. Isso não é decisão de mercado,
mas sim imposição política.
Mas há também uma reviravolta curiosa: a própria
Ford pode acabar se beneficiando caso
o governo Trump aumente as tarifas de importação sobre os carros estrangeiros,
garantindo assim uma reserva de mercado para as montadoras americanas. Caso isso
ocorra, seus maiores custos de produção poderão tranquilamente ser repassados
ao consumidor, de forma integral, pois não mais haverá concorrência externa.
Em definitivo, o roteiro protecionista é sempre o
mesmo, em todo e qualquer país: há uma classe privilegiada que ganha com o
protecionismo (sindicatos e empresas isoladas da concorrência externa) e uma
classe que se torna majoritariamente empobrecida, pois agora pagará mais caro
por tudo. Nos EUA isso não
será diferente.
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Iván Carrino é analista econômico da Fundación Libertad y Progreso na Argentina e possui mestrado em Economia
Austríaca pela Universidad Rey Juan Carlos, de Madri.
John Sulzer é articulista do The Liberty Conservative.