Para entender aquele princípio que foi rotulado de Lei de Say é necessário começar o raciocínio
pelo básico: por que duas pessoas decidem, livre e voluntariamente, transacionar
entre si?
Porque elas acreditam que irão melhorar sua situação
após a troca. Elas não fariam a troca caso esperassem ficar em pior situação.
E no que consiste essa transação livre e voluntária
entre duas pessoas? Consiste no oferecimento
mútuo de bens e serviços.
E este é o ponto.
Ver a transação como um oferecimento mútuo de ambos os lados mostra que o fenômeno da
oferta e da demanda não é um problema sem solução, como a charada do ovo e da
galinha. O indivíduo produz aquilo que, em
sua melhor estimativa, imagina que outras pessoas irão querer consumir, na expectativa de que essas outras estão produzindo
ou irão produzir aquilo que ele quer consumir.
Falando mais coloquialmente, as pessoas acordam cedo
e vão produzir (trabalhar) para tentar atender às demandas de terceiros. Caso sejam
bem-sucedidas em atender a demanda de terceiros, elas serão recompensadas
(remuneradas) por isso. Essa remuneração irá agora lhes permitir demandar bens
e serviços para satisfação própria.
Ou seja, ao produzirem e ofertarem para terceiros,
essas pessoas podem agora demandar bens e serviços para proveito.
Mas de nada adianta apenas produzir e ofertar para
terceiros: esses terceiros têm de querer adquirir essa produção. Caso isso não ocorra,
isto é, caso as pessoas não se interessem por adquirir a sua produção, você não
será recompensado por isso. E, logo, não terá como demandar bens e serviços.
A produção, portanto, sempre será inerentemente especulativa.
Em pequenos arranjos sociais, essa especulação normalmente
não é muito difícil. Duas pessoas náufragas em uma ilha tropical, por exemplo,
podem discutir antecipadamente o que cada uma fará e oferecerá para a outra. Em
arranjos sociais mais amplos, formado por milhões de indivíduos, essa especulação
é bem mais difícil. É aí que entra em cena o sistema de preços livres e de transações
monetárias: para ajudar as pessoas a descobrirem o que as outras querem por meio
dos sinais enviados pelos preços -- que expressam as preferências dos
consumidores, e mostram quais bens e serviços estão mais escassos e quais estão
mais abundantes -- e pelo mecanismo de lucros e prejuízos.
Mas a essência especulativa não se altera: as
pessoas produzem aquilo que julgam que as outras querem, na expectativa de que essas
outras irão fornecer aquilo que as primeiras querem.
A Lei de Say, portanto, pode ser descrita da
seguinte maneira: o valor dos bens e serviços que qualquer indivíduo pode
comprar é igual ao valor de mercado daquilo que ele pode ofertar. Ou, em um
sentido macroeconômico agregado, o valor
dos bens e serviços que qualquer grupo de pessoas pode comprar no agregado é
igual ao valor de mercado daquilo que eles podem ofertar no agregado.
A Lei de Say, portanto, simplesmente expressa a
realidade de que nós produzimos para
poder consumir.
Sempre
verdadeira
A Lei de Say sempre será verdadeira e para sempre
permanecerá irrefutável porque ela se refere ao conceito subjetivo de valoração.
A oferta colocada no mercado sempre fornecerá
o meio com o qual o ofertante poderá comprar outros bens e serviços, mas somente
na mesma extensão do valor subjetivo atribuído
pelos consumidores a essa oferta.
De novo: de nada adianta você produzir e ofertar
bens e serviços que ninguém quer; bens e serviços cujo valor subjetivo atribuído
a eles pelos consumidores seja nulo ou extremamente baixo. Isso não lhe dará
poder de compra para satisfazer suas demandas.
No entanto, e este é o ponto, mesmo que esta oferta
fracassasse em criar qualquer poder de compra para seu ofertante -- por ter
sido considerada completamente sem valor de mercado, como cavar buracos no meio
do nada --, isso não revogaria em nada a Lei de Say; ao contrário: seria mais
uma manifestação dela própria.
Tal fenômeno também distingue a Lei de Say da teoria
do valor-trabalho de Marx: Say reconhece o fato crucial de que o ato de produção,
por si só, é insuficiente para criar poder de compra; só cria poder de compra o
ato de produzir algo que é valorado por terceiros, os quais também produziram
algo de valor no mercado e que, por isso, têm poder de compra e podem adquirir
o que você produziu.
Em suma, não é a produção ou o trabalho que
importam, mas sim o que é produzido e
para quem.
Podemos agora entender por que David Ricardo disse
que: "Nunca há uma deficiência de demanda; são os homens que erram em sua produção".
Ricardo estava se referindo ao grande debate sobre "excesso
de oferta", travado no século XIX entre ele e Thomas Malthus, sobre a causa e a
cura das recessões econômicas. Malthus defendia a ideia que viria a se tornar a
essência do keynesianismo e da corrente econômica convencional: excesso de poupança
e poucos gastos, dizem eles, causam um excesso de bens não-consumidos, o que
significa que houve excesso de produção. Produtores ficam com mercadorias
encalhadas, suas receitas entram em declínio e eles acabam tendo de demitir
empregados. Ocorre uma recessão. Malthus, e posteriormente (e com mais ênfase)
Keynes, defendem que poupar menos e gastar mais é a solução para recessões.
Mas a validade da Lei de Say mostra que a visão malthusiana-keynesiana
está errada. Dado que a demanda é determinada apenas pelos produtos e serviços ofertados no mercado, erros
empreendedoriais em grande escala (os quais são revelados na recessão) têm
necessariamente de ser o resultado de erros -- também em grande escala -- cometidos
pelos empreendedores, os quais especularam, erroneamente, que o valor de
mercado que os consumidores atribuiriam a seus bens e serviços seria maior do
que realmente acabaram sendo.
Ou seja, empreendedores -- por vários motivos --
imaginaram que os consumidores atribuiriam a seus bens e serviços valores
maiores do que aquele que de fato foi atribuído. Não houve um 'excesso de produção';
houve, isso sim, um erro de cálculo quanto ao futuro valor de mercado dessa produção.
Esse tipo de erro empreendedorial coletivo ocorre
tipicamente quando o governo embarca em uma política de crédito farto e barato,
o qual gera um aumento temporário da renda disponível das pessoas, que então passam
a consumir mais. Ludibriados por esse consumo maior -- o qual foi causado pelo
mero endividamento barato e não por um aumento genuíno da produção e da renda --,
empreendedores passam a crer que haverá maior renda disponível no futuro, de
modo que seus bens e serviços serão mais demandados, o que significa que poderão
cobrar preços maiores. Mas tão logo essa expansão do crédito é interrompida,
todo o cenário de aumento da renda se revela fictício e artificial, mostrando
que nunca houve realmente um aumento da renda da população. Houve apenas
endividamento. Consequentemente, seus bens e serviços não poderão ser vendidos
pelo maior preço antecipado pelos empreendedores.
[Veja como toda essa teoria
de fato ocorreu na prática no Brasil da última década].
Logo, se empreendedores erraram em sua estimativa e
em sua produção -- por qualquer motivo --, então a correção deve
necessariamente passar pelo rearranjo dos esforços produtivos, de modo a
estimar mais corretamente os desejos dos consumidores e a melhor servi-los.
Esse diagnóstico da recessão é bastante diferente do
diagnóstico keynesiano, que enfatiza que houve uma redução da demanda em decorrência
de misteriosas flutuações no "espírito animal" dos empresários, o qual deve ser
retificado por meio de mais expansão do crédito, mais endividamento e mais
gastos governamentais.
No diagnóstico da Lei de Say, o governo deve remover
ao máximo os obstáculos burocráticos e regulatórios para que os empreendedores
possam rapidamente corrigir seus erros e descobrir quais bens e serviços os
consumidores realmente querem (e podem comprar). Dado que o mecanismo de preços
é a principal fonte de informação dos empreendedores, uma flexibilidade nos preços
de mercado é essencial para uma rápida recuperação.
Adicionalmente, uma vez que recursos escassos foram
mal alocados em empreendimentos para os quais nunca houve real demanda -- o que
significa que capital está sendo imobilizado de maneira destrutiva --, é necessário
haver ainda mais poupança (e não menos) para que trabalhadores e empreendedores
possam ser supridos e tenham fundos suficientes para ser aplicados em novos
investimentos.
Conclusão
Se aceitarmos a falácia de que são as ações individuais
virtuosas (como a poupança e a frugalidade), e não a intervenção estatal, o que
geram resultados sociais caóticos, então todas as maneiras de planejamento
central podem ser justificadas não apenas em nome do benefício público, como também
em prol da civilização. Mas essa medida, como bem atesta a história, é o caminho
garantido para a ruína civilizacional.
A Lei de Say continua sendo a guardiã da liberdade econômica,
da prosperidade e até mesmo da própria civilização.
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