Cansado da baixa qualidade dos carros nacionais, Roberto
recorreu a uma importadora e comprou um BMW, produzido na Alemanha e trazido
diretamente de lá. Dado que o país era governado por pessoas racionais, Roberto
não teve de pagar tarifas de importação (ou pagou uma tarifa extremamente
baixa, tipo 1%).
Eis a pergunta: essa transação voluntária entre Roberto e um
vendedor alemão -- intermediada por uma importadora, que está ali para agilizar
e facilitar a transação -- foi justa ou injusta? Alguém foi prejudicado por
ela? Alguém ficou em pior situação por causa dela?
Repare: Roberto tinha total liberdade para escolher
entre manter seu dinheiro ou comprar um carro nacional ou estrangeiro. Ele
optou pelo estrangeiro. O vendedor alemão, por sua vez, tinha total liberdade
de escolha entre manter seu carro ou vendê-lo para Roberto. A transação só ocorreu
porque tanto Roberto quanto o vendedor alemão acreditaram que melhorariam sua
situação após a transação. Ninguém foi coagido a nada. Ninguém agiu contra sua
vontade. Ninguém foi violentado.
Qual seria o argumento contra essa transação
pacífica e totalmente voluntária efetuada por dois indivíduos, que não
violentaram ninguém ao fazer essa transação?
E, caso você não ligue muito para automóveis, troque
"BMW" no exemplo acima por "sapatos" ou "smartphones", e "Alemanha" por
"China".
Muda alguma coisa? Se sim, qual o seu argumento
contrário?
(Sempre lembrando que o salário
médio da indústria da China já supera o do Brasil e do México, o que
significa que o argumento de que os chineses praticam "trabalho escravo" não
mais se sustenta).
Ainda estamos no aguardo de um único mercantilista
tentar explicar por que essa transação pacífica e voluntária realizada por dois
indivíduos representa um tipo de comércio injusto e que deve ser restringido. O
fato é que, quando se entende que uma transação comercial é realizada por
indivíduos, os mercantilistas ficam sem qualquer tipo de argumento contrário e
racional, que não recorra à defesa da coerção e da violência.
Mas os mercantilistas são espertos e gostam de jogar
com emoções. Por isso, em vez de reconhecer que o comércio sempre ocorre entre
indivíduos, eles gostam de dizer que o comércio ocorre entre nações. Para eles,
não foi Roberto comprando de um alemão ou de um chinês, mas sim "o Brasil tendo
um déficit comercial
com a Alemanha ou com a China", algo supostamente "muito ruim" e que tem de ser
impedido por políticos e burocratas. Essa deturpação da linguagem é eficiente
porque apela ao nacionalismo e incita os mais incautos.
O fato incontornável, no entanto, é que o comércio
internacional ocorre entre um indivíduo de um país com um indivíduo de outro
país. Qual o argumento para dizer que isso é injusto e deve ser impedido?
Mais ainda: quem realmente pode ser contra esse
arranjo? Se você responder: "as montadoras nacionais e seus sindicatos",
parabéns. Você é o aluno mais brilhante da classe.
Observe que nunca são os consumidores nacionais que
reclamam da oferta de bens a preços baixos. Sempre são apenas alguns produtores
nacionais e seus sindicatos que fazem isso. Algo a se pensar.
Os
ganhadores
Quando o governo impõe uma sobretaxa aos produtos
importados, o consumidor é o maior perdedor. Esse encarecimento artificial dos
produtos importados significa que os produtores nacionais estarão agora livres
e despreocupados para elevar seus preços e reduzir a qualidade de seus
produtos. Como não há mais concorrência estrangeira a quem os consumidores
nacionais recorrerem, estes agora são obrigados a pagar mais caro por bens
nacionais de qualidade mais baixa.
Quem realmente perde mais com isso? Os mais pobres.
O protecionismo, na prática, transforma a população
em um gado preso em um curral: o povo, principalmente o mais pobre, fica praticamente
proibido de comprar produtos estrangeiros baratos e é obrigado a comprar apenas
os produtos nacionais mais caros produzidos por empresários e sindicatos protegidos
e privilegiados.
Com o protecionismo, o intuito do governo é proteger
as empresas nacionais e blindá-las contra os desejos dos consumidores --
principalmente dos mais pobres, que ficam sem poder aquisitivo para comprar
produtos bons e baratos feitos no exterior.
Para o governo, as indústrias nacionais não devem
ser submetidas à liberdade de escolha dos consumidores nacionais. Os
consumidores não devem ter o direito de escolher produtos estrangeiros. Eles
devem ser obrigados a comprar apenas os produtos nacionais mais caros.
E com um agravante: quando a população é obrigada a
comprar produtos nacionais artificialmente mais caros, sobra menos dinheiro
para investir ou gastar em outros setores da economia, como lazer, alimentação,
educação, vestuário, o que acaba reduzindo o emprego e a renda nestas áreas.
A restrição às importações e a reserva de mercado
criada por ela fazem com que a capacidade de consumo e de investimento da
população seja artificialmente reduzida. E sempre que a capacidade de
consumo e de investimento da população é artificialmente reduzida, lucros e
empregos diminuem por toda a economia.
Portanto, proteger empregos em um setor por meio de
tarifas de importação gera queda da renda e desemprego em vários outros setores
da economia.
Mas os empresários corporativistas que enchem os
bolsos com o dinheiro extraído dos consumidores por meio dessa violência
imposta pelo estado jamais mencionam isso. Eles querem que o público extorquido
acredite que a tarifa é, na verdade, um benefício para os trabalhadores. Sim,
há algum benefício marginal para os trabalhadores que trabalham especificamente
nas indústrias protegidas. Mas se o objetivo é falar de quem realmente lucra
com as tarifas, então o enfoque não tem de estar nos trabalhadores. O enfoque
tem de estar nos empregadores de um ínfimo punhado de trabalhadores que são
beneficiados pelas tarifas.
Com o protecionismo, você consegue ver os empregos
protegidos e os salários artificialmente elevados naquelas indústrias
protegidas. Mas você não vê os empregos perdidos e a queda de salários naqueles
outros setores da economia que tiveram sua demanda reduzida porque os
consumidores tiveram de gastar mais dinheiro para adquirir os produtos daquelas
indústrias protegidas.
Por isso, sempre que você ouvir um político dizendo
que quer proteger empregos impondo tarifas de importação sobre determinados
bens estrangeiros, mantenha sua mão em sua carteira e suas costas firmemente
contra a parede. Você está prestes a ser assaltado. Só que o político não irá
tomar o seu dinheiro em nome dos lucros das grandes empresas protegidas pela
tarifa de importação; ele não terá a hombridade de falar isso. Ele irá tomar o
seu dinheiro em nome de estar protegendo empregos que deixarão de existir caso
ele não confisque o seu dinheiro.
Eles acreditam que conseguirão o seu apoio caso
coloquem as coisas dessa maneira. Em outras palavras, eles acreditam que você é
um otário.
Não é nada surpreendente que empresários
corporativistas queiram impor tarifas em seus concorrentes estrangeiros. Todos gostam de receber ajuda do governo federal.
A questão está em os consumidores aceitarem isso. Se
eles realmente quisessem subsidiar os empresários nacionais, não haveria
necessidade de o governo impor tarifas de importação. Os próprios consumidores,
voluntariamente, comprariam apenas os produtos nacionais. Mas o fato de eles
não fazerem isso voluntariamente, e terem de ser obrigados pelo governo a pagar
dinheiro extra para esses empresários nacionais, mostra bem a realidade: no que
depender das preferências voluntárias dos consumidores, esses empresários
ficariam sem dinheiro.
Só que as coisas nunca são colocadas dessa maneira
clara e direta. O governo sempre recorre ao protecionismo em nome de estar
"protegendo empregos". Mas não são os trabalhadores os principais beneficiários
das tarifas. As tarifas fornecem fartos lucros para os grandes empresários.
"As tarifas protegem os trabalhadores!"
Eis uma lição que
jamais deve ser esquecida: sempre que o governo intervém na economia, há
ganhadores e perdedores. Para saber quem são, apenas siga o dinheiro.
Um slogan popular em
prol das tarifas de importação é este: "As tarifas protegem os empregos!". De
certa forma, é um slogan correto. A pergunta é: "quais empregos são
protegidos?". Outra pergunta é: "Quem arca com tudo?".
No mundo real, é impossível
conseguir algo em troca de nada. Se alguns empregos são artificialmente protegidos pelo governo -- isto é, se o governo
impede que os consumidores demonstrem livremente sua preferência de consumo --,
então, inevitavelmente, há pessoas tendo coercivamente de pagar para garantir
essa proteção.
Quem são os ganhadores?
Quem são os perdedores?
Os ganhadores são uma
porcentagem relativamente pequena de trabalhadores (empresários inclusos) que
produzem bens a preços mais altos e com menor qualidade do que os bens
importados oferecidos aos consumidores. O único motivo de esses trabalhadores
precisarem de proteção é porque eles não são eficientes.
E quem julga a
eficiência deles? Os consumidores. O cerne de uma economia de livre mercado é
este: os consumidores têm a autoridade suprema. Já o cerne de uma economia
intervencionista é este: o governo está ali para suprimir a autoridade suprema
dos consumidores.
Consequentemente, e por
uma questão de lógica, qualquer tentativa do governo de interferir na economia para
ajudar determinados grupos de interesse (grandes empresários e sindicatos)
sempre ocorrerá à custa daqueles consumidores que teriam comprado os bens que
os concorrentes estavam oferecendo, mas que não puderam fazer isso por causa
das regulamentações impostas pelo governo.
Agora, você pode
argumentar que há sim muitas indústrias nacionais eficientes, mas que, por
causa dos altos impostos, das leis trabalhistas e da burocracia do governo, se
tornam ineficientes perante os estrangeiros. Logo, tarifas de importação seriam
um "mal necessário" para remediar esse efeito deletério criado pelo próprio
governo.
Obviamente, tal
argumento é irracional. O fato de essas empresas estarem sendo atrapalhadas
pelo governo não justifica que o governo tenha de atrapalhar outras pessoas
para compensar o estorvo que ele gera sobre essas empresas. Se o governo afeta
a eficiência dessas empresas, então o lógico e racional é que ele deixe de
afetá-las, e não que ele passe a igualmente afetar os consumidores.
Quem defende tarifas de
importação sob esse argumento está, na prática, dizendo que a maneira correta
de corrigir uma coerção do governo é colocando o governo para coagir igualmente
outras pessoas.
Não seja um seguidor
dessa lógica.
Ademais, e igualmente
importante, mesmo que empresas eficientes tenham se tornado ineficientes por
causa dos impostos, da burocracia e das leis trabalhistas impostas pelo
governo, isso em nada muda o fato de que são os consumidores que, em última
instância, estão rejeitando os produtos dessa empresa. Sim, é lamentável que a
causa do declínio de uma indústria específica esteja nas intervenções do
governo e que a empresa seja realmente uma vítima; porém, isso em nada altera a
realidade de que, em última instância, foi o consumidor que perdeu o interesse
de consumir os produtos desta agora ineficiente (por causa do governo) empresa.
Qual seria a atitude lógica
e sensata? Defender que o governo retire suas intervenções danosas sobre essa indústria.
O que os protecionistas defendem: que o governo amplie suas intervenções danosas
sobre todo o resto da economia.
Impor tarifas de importação
para obrigar os consumidores a voltar a consumir os produtos dessa indústria simplesmente
agrava a situação. E o que é pior: além de afetar toda a economia (pelos motivos
descritos neste artigo), ainda concede um passe livre ao real causador de todo
o desastre.
Conclusão
Exceto os grupos de
interesse que realmente ganham com o protecionismo (e cuja postura, embora
imoral, seja racional), só defende o protecionismo pessoas que genuinamente
acreditam que o governo tem em mente apenas o bem-estar das pessoas. E que também
acreditam que o governo é um protetor dos "melhores interesses da sociedade".
O fato é que tarifas de
importação existem para proteger produtores ineficientes que não estão produzindo
bens que atendem aos reais desejos dos consumidores. É por isso que tais
pessoas recorrem ao governo federal para protegê-las. Mas não é para
protegê-las dos estrangeiros, mas sim para protegê-las dos consumidores que
querem voluntariamente comprar dos estrangeiros.
Você quer realmente
ajudar a indústria nacional? Agite para que o governo federal pare de
sobrecarregá-las com impostos, burocracia, leis trabalhistas arcaicas e regulamentações
onerosas. Não agite para que o governo, com o intuito de "corrigir" essa distorção,
expanda essa distorção para todo o resto da economia.
Não seja essa pessoa.
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______________________________________Walter Williams, professor honorário de economia da George Mason University e autor de sete livros. Suas colunas semanais são publicadas em mais de 140 jornais americanos.
Gary North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.