Em seu livro "O
Caminho da Servidão", escrito ainda em 1944, Friedrich Hayek explicou que,
quanto maiores e mais reguladores se tornassem os governos, maiores e mais
poderosas seriam as grandes corporações.
Para Hayek, quanto maior se tornasse o governo,
quanto mais subsídios e protecionismos ele praticasse, mais dominantes seriam
as grandes empresas e menos prósperas seriam as pequenas e médias empresas.
A economia seria cada vez mais dominada por grandes
empresas quanto mais poderoso, protecionista e regulador se tornasse o governo.
Vale enfatizar que Hayek explicou e previu tudo isso
em uma época em que havia pouquíssimas corporações.
O
problema
Em primeiro lugar, ser bem-sucedido em um ambiente
concorrencial é um feito que não traz nenhuma garantia de continuidade. Se uma
determinada empresa começa a apresentar altas taxas de lucro em um determinado
mercado, a notícia rapidamente se espalha e, consequentemente, vários outros
empreendedores ávidos por estes altos lucros irão adentrar este mercado para tentar se apossar de uma fatia destes lucros.
Ato contínuo, a única maneira de esta empresa
pioneira tentar manter sua fatia de mercado é ou reduzindo preços ou melhorando
a qualidade de seus bens e serviços. Dado que nem sempre é possível introduzir melhorias
na qualidade em um espaço de tempo tão pequeno -- a entrada da concorrência
sempre é rápida --, a opção inicial é pela redução de preços.
Mas, para se reduzir preços, é necessário reduzir
custos: caso contrário, as margens de lucro ficam apertadas.
Se a empresa for eventualmente bem-sucedida em
cortar custos, ela conseguirá manter sua margem de lucro. Só que essa margem
de lucro continuamente alta servirá para atrair ainda mais empresas para este
mercado, aumentando ainda mais a concorrência.
Inevitavelmente, em algum momento essa nova concorrência
eliminará de novo os altos lucros, forçando a empresa pioneira a recomeçar todo
o processo.
Sob este arranjo de livre concorrência, no qual o
governo não concede subsídios, não impõe tarifas protecionistas para proteger
determinadas indústrias, e não garante reservas de mercado por meio de agências
reguladoras, apenas aqueles empresários competentes -- aqueles que souberem
antecipar corretamente as variadas e variáveis demandas dos consumidores, e que
forem capazes de investir adequadamente seu capital de modo alcançar este
objetivo -- é que irão se dar bem.
O livre mercado, portanto, é um arranjo bastante
incerto, hostil e variável, no qual poucos empresários podem se sentir
permanentemente confortáveis.
Desnecessário dizer que tal arranjo é ótimo para os
consumidores, mas é uma dor de cabeça para empreendedores. Muito mais tranquilo
seria simplesmente abolir todo este processo concorrencial.
E é aí que entra o governo.
Governo
e grandes empresas: melhores amigos
Tendo em mente a dureza e a falta de sossego geradas
pelo cenário acima descrito, o que você faria se fosse um empresário rico e com
boas conexões políticas? O óbvio: você recorreria ao governo e pediria para que
tal cenário de livre concorrência fosse restringido ao máximo. Você não quer a
falta de sossego da concorrência pesada; você quer a tranquilidade da reserva
de mercado.
Por isso, sejamos diretos: o que a grande maioria
dos empresários realmente deseja é que o estado lhes proteja desta "concorrência
selvagem" e lhes assegure uma reserva de mercado e uma fatia garantida de lucro, a qual lhes permita
desfrutar a vida sem dores de cabeça e sem constantes preocupações acerca de
como melhorar seus serviços aos consumidores.
E qual a maneira de o estado fazer isso? Concedendo subsídios (ou empréstimos subsidiados com
os impostos da população) que deem vantagem de mercado para estas grandes
empresas, tarifas
protecionistas que protejam estes empresários da concorrência de
importados, e agências
reguladoras que cartelizem o mercado e dificultem a entrada de novos
concorrentes.
Esses são os benefícios mais diretos e mais fáceis de
serem percebidos. Mas há também aquelas regulamentações que, à primeira vista,
parecem ir contra os interesses das grandes empresas, mas que, na realidade, são
grandes aliadas.
Por exemplo, os impostos. Mesmo uma carga tributária
alta ou um código tributário confuso e complexo podem ser do interesse dos
grandes empresários: ambos não apenas impedem que novas empresas surjam e
cresçam, como ainda representam um grande custo para as pequenas empresas já
existentes. Ao passo que as grandes empresas, recheadas de contadores e
tributaristas, conseguem navegar com facilidade pelos labirintos do emaranhado
tributário, as pequenas empresas, que têm uma folha de pagamento menor e não podem
se dar ao luxo de contratar contadores experientes e caros, dificilmente sobreviverão
a esta etapa. Seguidas vezes cairão na "malha fina" da Receita e serão chamadas
de "sonegadoras criminosas".
Até mesmo as regulamentações sanitárias servem para
criar reservas de mercado: ao passo que sai barato aplicar regras da Vigilância
Sanitária para mais uma cozinha padronizada de McDonald's, as mesmas exigências
são proibitivas para uma pequena lanchonete ou um food truck.
Ou, como recentemente ocorreu
no Brasil, ao passo que imposições do Ministério da Agricultura podem ser
proibitivas para pequenos produtores rurais e pequenas empresas do ramo, as
grandes e poderosas podem simplesmente subornar os fiscais.
Com efeito, a
própria imposição governamental de padrões de qualidade uniformes representa
uma forma de cartelização do mercado: tal imposição dispensa as empresas de concorrer
entre si em relação à qualidade. E quando os padrões de qualidade exigidos são artificialmente
elevados, os concorrentes de menor capacidade e de preço mais baixo perdem
lugar no mercado.
Por fim, e não menos
importante: quanto maior uma empresa se torna, mais ineficiente ela tende a ser.
Se uma empresa cresce além de seu ponto ótimo, seus custos unitários de
produção tendem a subir. Consequentemente, esta empresa estará abrindo as
portas para potenciais concorrentes invadirem seu território, produzirem a
custos mais baixos e, com isso, reduzirem esta empresa novamente ao seu tamanho
ótimo.
Por isso, em um mercado
genuinamente livre e concorrencial, as chances de existirem várias grandes
empresas são extremamente baixas. Ironicamente, as grandes empresas fracassariam
pelos mesmos motivos por que estados grandes fracassam: além de sua burocracia
se tornar grande demais, torna-se impossível gerenciar uma mega-corporação
desde uma localização central.
A capacidade das grandes
empresas de explorar as economias de escala é limitada em um livre mercado: ao
ultrapassar certo ponto, os benefícios do tamanho (por exemplo, menores custos
de transação) são sobrepujados pelas deseconomias de escala (ineficiências
e maiores custos de produção).
A única instituição que
pode impedir que isso ocorra é, obviamente, o estado, que pode proporcionar a
esta empresa a possibilidade de socialização desses custos ao blindá-la contra
a concorrência: por exemplo, intervindo no mercado e estabelecendo impostos, exigências
ambientais, exigências para licenciamento e para capitalização, e outros fardos
regulatórios que exercem um impacto desproporcional sobre novas empresas, bem
mais pobres quando comparadas a empresas ricas e já estabelecidas.
Além de, obviamente, garantir as reservas de mercado desta empresa por meio de fartos subsídios ou empréstimos subsidiados por impostos.
Não
se deixe enganar pelas aparências
Quando o assunto é regulamentação, as grandes sempre
estarão do lado do governo. E sempre terão a mais bela das intenções: garantir
a qualidade do serviço e a segurança do consumidor. Elas sabem que o custo
extra, se existir, será compensado com o mercado cada vez mais padronizado e
centralizado em suas mãos.
Ao passo que os leigos vêem o aparato regulatório e
todas as regulamentações como sinônimo de restrição ao poder das grandes
empresas, a realidade é que tais regulamentações são as maiores aliadas das
grandes empresas contra eventuais ameaças de concorrência trazida pelas
pequenas empresas.
E essa relação de simbiose traz benefícios mútuos:
ao ajudar a criar grandes empresas, o governo alcança seu objetivo. Como?
Um governo inchado e intruso sempre almejou a um
objetivo supremo: controlar a economia e as pessoas. Estando o mercado dominado
por grandes empresas -- que se mantêm graças ao governo --, políticos e
burocratas precisam apenas lidar com os grandes empresários, por meio de
acordos escusos, para alcançar seu sonho do controle e do planejamento central.
Se o mercado fosse dominado por milhões de pequenas
empresas independentes, seria praticamente impossível políticos e burocratas
exercerem tanto controle sobre o mercado. É impossível efetivamente regular e
controlar milhões de pequenas empresas geridas localmente. Qualquer tipo de
controle ou planejamento central seria impossível em uma economia repleta de
pequenas empresas gerenciadas por indivíduos ou famílias.
Já com uma economia cada vez mais cartelizada sob o
comando do estado, o controle efetivo da economia depende de negociações com apenas
um punhado de megaempresários. Por isso, social-democratas adoram uma economia
formada por grandes empresas, sendo seus maiores
fomentadores.
Um dos maiores mitos -- para não dizer "a maior falácia"
-- do debate econômico é a ideia de que, se o governo for eliminado ou for substantivamente
reduzido, as grandes empresas "tomariam o controle" e "governariam o mundo". A realidade
é exatamente oposta: sem um governo para fornecer proteções e privilégios às
grandes empresas, estas simplesmente não existiriam. Existindo, seriam poucas.
Conclusão
Uma economia repleta de grandes empresas que dominam
vários setores da economia é um arranjo 100% criado pelo governo. Sem todos os
direitos especiais, subsídios, protecionismos e privilégios concedidos pelo
governo a grandes empresas amigas do regime, pequenas empresas teriam muito
mais liberdade e facilidade para surgir e entrar em qualquer mercado.
Apenas olhe ao seu redor. Todos os cartéis,
oligopólios e monopólios da atualidade se dão em setores altamente regulados
pelo governo (setor bancário, aéreo, telefônico, alimentício, elétrico,
televisivo, TV a cabo, internet, postos de gasolina etc.). Quem cria cartéis,
oligopólios, monopólios e reservas de mercado, garantindo grandes concentrações
financeiras, é exatamente o estado, seja por meio de regulamentações que impõem
barreiras à entrada da concorrência no mercado (via agências reguladoras), seja
por meio de subsídios a empresas favoritas, seja por meio do protecionismo via
obstrução de importações, seja por meio de altos tributos que impedem que novas
empresas surjam e cresçam.
O livre mercado não apenas não é pró-grandes empresas, como, ao contrário, é a maior -- e única
-- ameaça à proliferação e manutenção de grandes empresas.
Por si só, não há nada de errado com grandes
empresas. O problema é que, no arranjo econômico atual, as grandes empresas são
produto direto de subsídios, protecionismos e vários outros benefícios criados
pelo governo, inclusive impostos e regulamentações (que facilitam o domínio dos
grandes ao punir os pequenos).
Empresas grandes e já estabelecidas têm mais
capacidade e mais recursos para atender regulações minuciosas e onerosas. Empresas
pequenas, que querem entrar naquele mercado mas que ainda não possuem muitos
recursos financeiros, não têm essa capacidade.
Empresas grandes podem contratar lobistas (ou podem
simplesmente subornar políticos) para elaborar padrões de regulação que elas já
atendem ou que podem facilmente atender, mas que são impossíveis de serem
atendidos por empresas pequenas e recém-criadas.
Empresas grandes podem subornar fiscais e
burocratas. Empresas pequenas não têm essa capacidade financeira.
Empresas grandes têm acesso fácil a subsídios e a empréstimos subsidiados com o dinheiro de impostos. E não apenas porque têm mais capacidade de quitar esses empréstimos, como também porque o benefício auferido por elas é mais facilmente perceptível aos olhos da população, o que pode se traduzir em maior popularidade para os governantes.
Por fim, regulações fazem com que o estado, por meio de suas
licenças, conceda respeitabilidade a empresas escroques e impeça que
empreendedores sérios e genuinamente competentes possam servir livremente os
consumidores. Regulações impedem a formação de uma genuinamente boa
reputação comercial, aquela que só se consegue por meio das preferências
voluntariamente demonstrada por consumidores no livre mercado.
Regulações, em suma, são a mais insidiosa maneira de
se abolir a livre iniciativa, de garantir uma iniciativa privada ineficiente,
de impedir a proliferação de pequenas empresas, e de inundar o mercado com
empresas grandes, ineficientes e insensíveis às demandas dos consumidores.
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Leituras complementares:
Por que o BNDES deve ser abolido
A "Carne Fraca" pergunta: quem regula os reguladores?
Precisamos falar sobre o "capitalismo de quadrilhas"
O estado agigantado gerou o estado oculto, que é quem realmente governa o país
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Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.
Leandro Roque, o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
Joel Pinheiro da Fonseca, mestre em filosofia pela USP e economista pelo Insper.