Nota
do Editor: o artigo a seguir foi adaptado para a realidade brasileira
Sejamos claros e diretos: haveria sindicatos em uma
sociedade totalmente livre.
Na medida em que um sindicato pode ser entendido
como uma associação voluntária tanto
de empregados quanto de patrões, e sem
poderes coercitivos, não há nada de errado com o sindicalismo.
O problema começa exatamente quando o sindicalismo não
apenas adquire poderes coercitivos, como também passa a ser uma associação protegida pelo
governo e com benefícios monopolistas.
O sindicalismo pode ter tanto um aspecto voluntário
quanto um aspecto coercitivo. A filosofia da liberdade e da livre iniciativa é
totalmente consistente com o sindicalismo voluntário, mas é diametralmente
oposta ao sindicalismo coercitivo.
O sindicalismo voluntário é consistente com a
liberdade quando ele serve para representar pacificamente as demandas de um determinado grupo de trabalhadores de
uma determinada empresa. Este sindicato
-- representando trabalhadores específicos de uma empresa e lidando com questões
estritamente localizadas -- negociaria perante o empregador o cumprimento dos
direitos acordados em contrato (jornada de trabalho, alimentação, calendário,
turnos de descanso etc.).
O sindicalismo se torna coercitivo, no entanto,
quando as características acima desaparecem e os sindicatos se transformam em megacorporações
de amplitude nacional, bancadas compulsoriamente por todos os trabalhadores, protegidas
pelo governo, com o poder de proibir membros não-sindicalizados de trabalhar em
determinadas áreas, e podendo recorrer à violência para alcançar suas demandas.
Greves
no setor privado e violência
Ludwig von Mises, em seu livro Ação Humana, deixou clara a
distinção entre sindicatos voluntários e sindicatos coercitivos:
A
questão não é o direito de formar associações livremente; a questão é se uma
associação de cidadãos privados deve usufruir o privilégio de recorrer
impunemente à ação violenta. [...] O problema não é o direito de greve, mas o
direito de -- pela intimidação ou pela violência -- forçar outras pessoas a
fazer greve, e o direito adicional de impedir qualquer pessoa de trabalhar em
um estabelecimento ou setor que esteja em greve.
Para que uma paralisação seja bem-sucedida, ela tem
de ter alta adesão. E para haver alta adesão, os sindicatos têm de fazer com
que seja impossível a empresa ou o setor continuar operando. Para isso, os
sindicatos não apenas têm de coagir e intimidar todos aqueles colegas que
querem continuar trabalhando normalmente (chamados de "fura-greves"), como também
devem proibir -- por meio da intimidação -- que os patrões contratem
trabalhadores temporários substitutos.
Em ambos os casos, o "sucesso" só é alcançado por
meio da coerção e da violência.
Para garantir o sucesso de sua empreitada,
sindicalistas e grevistas sempre recorrem à violência -- ou à ameaça de
violência -- contra os "fura-greves" e contra os trabalhadores não-sindicalizados
que porventura venham a ser contratados temporariamente, ambos formados por
pessoas que querem e estão dispostas a trabalhar (o tão reverenciado piquete
nada mais é do que uma tentativa criminosa de intimidar outros trabalhadores ou
mesmo clientes que queiram atravessar a multidão).
Agindo assim, sindicalistas grevistas proíbem os empreendedores e capitalistas de empregar mão-de-obra em seus meios de produção.
Por causa disso, por causa deste recurso à coerção,
uma greve sempre será ilegítima.
Defensores e apologistas dos sindicatos rebatem
dizendo que os trabalhadores têm "o direito de fazer greve". Sim, têm. Ninguém nega isso. Todos
também têm o direito de pedir demissão caso estejam insatisfeitos. A questão não
é fazer greve. A questão é se o empregador pode, livremente, contratar
trabalhadores substitutos para continuar produzindo sem que estes sofram
assédio, coerção e violência dos grevistas.
Em tese, o empregador pode sim contratar
trabalhadores substitutos, mas apenas para
aqueles serviços "cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela
deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção
daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do
movimento".
Ou seja, na prática, a lei é bastante subjetiva, o
que sempre abre brechas de interpretação, fazendo com que não haja,
efetivamente, nenhuma garantia de proteção contra a violência de grevistas.
E não apenas a lei é totalmente subjetiva, como também,
e para piorar, é específica em um ponto: empregadores não podem contratar
substitutos permanentes, isto é, não podem demitir grevistas, independentemente
do motivo da greve. Segundo a lei: "Parágrafo
único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve".
Portanto, além do habitual uso da violência por
parte de sindicalistas, a própria lei que os protege é completamente
equivocada: ela parte do princípio de que o empregado, de alguma maneira, é o "dono"
do seu emprego, de modo que é ilegal o empregador demitir trabalhadores
grevistas.
Essa "propriedade sobre empregos" é uma clara violação
ao próprio direito de propriedade do empregador, que não mais tem o direito de
demitir ou de não contratar quem ele queira. Assim, o empregador deixa de ser o
proprietário efetivo de sua empresa e dos seus meios de produção. Ele não mais
pode dispor do seu meio de produção como queira.
Não, ninguém tem o "direito a um emprego" ou o "direito
a manter um emprego no futuro"; o indivíduo apenas tem o direito de ser pago
pelo trabalho pelo qual foi contratado e que já foi efetuado. Ninguém deve ter
o "direito" de enfiar a mão no bolso do seu empregador para sempre: isso não é
um "direito", mas sim um roubo sistemático da propriedade alheia.
Os
sindicatos que atuam no setor público
Mas tudo fica ainda pior quando a greve é feita por
sindicatos do setor público ou por sindicatos de empresas concessionárias de serviços
públicos (as quais usufruem monopólios garantidos pelo estado). Não apenas
todas as características acima são exacerbadas, como também toda a população acaba
arcando com a fatura.
Quando policiais, professores de escolas ou
universidades públicas, metroviários, motoristas de caminhões de lixo ou de
ônibus municipais fazem greve, não há policiamento, aulas, nem coleta de lixo,
nem metrô e nem ônibus enquanto a greve durar. O objetivo claro é prejudicar a população
(que paga seus salários) e usá-la de refém para poder barganhar perante os políticos
-- os quais, por sua vez, utilizarão o próprio dinheiro da população para
satisfazer as demandas dos sindicalistas.
A estabilidade no emprego de funcionários públicos proíbe
as demissões até mesmo após a greve. Já as regulamentações trabalhistas sobre o
setor concessionário fazem com que seja virtualmente impossível (e até mesmo
perigoso) contratar empregados substitutos para os grevistas. Motoristas de ônibus
em greve, por exemplo, bloqueiam garagens e não permitem a contratação de
motoristas substitutos. Eles chegam ao ponto de até mesmo apedrejar
ônibus dirigidos por colegas que não aderiram à greve.
Assim, quando funcionários públicos e funcionários
de empresas concessionárias de serviços públicos entram em greve, eles
conseguem paralisar completamente, e por tempo indefinido, a
"indústria" monopolista em que "trabalham", prejudicando
toda a população.
Os pagadores de impostos irão reclamar asperamente
da ausência de aulas, de coleta de lixo e de serviços de ônibus e metrô, o que
forçará os governantes a se curvarem perante as exigências dos sindicatos sob o
temor de perderem o próprio emprego (via reeleição ou mesmo revolta popular) em
decorrência da insatisfação dos eleitores.
Vale ressaltar que o enorme poder exercido pelos
sindicatos dos funcionários públicos significa que são eles que efetivamente
exercem o poder de tributar. Dado que os sindicatos dos funcionários públicos
podem facilmente forçar os políticos a elevar gastos e impostos para que a receita
atenda às suas exigências de privilégios, são eles, e não os eleitores, que
controlam o crescimento dos gastos do governo e da carga tributária dentro da jurisdição
política.
Funcionários públicos e seus sindicatos são os
maiores beneficiários daquilo que se convencionou chamar de "tributação
sem representação" (não que a tributação com representação
seja muito melhor). É por isso que alguns estados americanos possuem
leis que proíbem greves comandadas pelos sindicatos dos funcionários públicos.
(Mas os sindicatos frequentemente fazem greve assim mesmo).
O poder desses sindicatos deixa os políticos presos
a um grande dilema: se eles se curvarem e atenderem às exigências salariais
dos sindicalistas, e elevarem impostos para financiá-las, aumentam as chances
de eles, os políticos, perderem seus cargos nas próximas eleições. A
"solução" para esse dilema sempre foi a de oferecer ao funcionalismo
aumentos moderados nos salários, porém compensados com promessas espetaculares
de benefícios pós-aposentadoria, com pensões magnânimas.
Isso permitiu que os políticos satisfizessem os
desejos dos sindicatos ao mesmo tempo em que empurrassem os custos de tal
política para o futuro, quando os próprios políticos já teriam se retirado da
vida pública. Mas, em vários locais do mundo (como no estado do Rio de Janeiro),
a conta já chegou.
O
modus operandi
Por estarem primordialmente interessados em
maximizar suas receitas, os sindicatos dos funcionários públicos utilizam as
regulamentações do setor público como ferramenta para proteger o emprego de
absolutamente qualquer burocrata estatal, não importa o quão incompetente ou
irresponsável ele seja. Afinal, quanto menos burocratas estiverem
empregados, menor será o volume das contribuições pagas aos sindicatos pelos
seus membros.
Assim, é praticamente certo que os sindicatos irão à
justiça (também comandada por funcionários públicos sindicalizados) para
recorrer de qualquer tentativa de dispensa de qualquer funcionário público. Isso
significa que demitir um professor incompetente, por exemplo, pode levar meses,
ou anos, de disputas jurídicas.
Os sindicatos dos funcionários públicos também são
os paladinos da "sinecura" -- a prática sindical de obrigar o governo
a contratar mais do que o número de pessoas necessárias para fazer algum
serviço. Como no setor público não há preocupações com lucros e prejuízos,
e a maioria das agências é monopolista, a conta é simplesmente repassada aos
pagadores de impostos. Sinecuras no setor público são vistas como um benefício tanto
para os políticos quanto para os sindicatos -- mas certamente não para os
pagadores de impostos.
Os sindicatos auferem mais receitas quando há um
maior número de burocratas empregados, e os políticos ganham a simpatia dos
sindicatos por terem nomeado ou permitido a contratação de mais funcionários
públicos. Cada emprego criado desta forma geralmente significa dois ou
mais votos, dado que o burocrata sempre poderá arrumar para o político o voto
de pelo menos um membro da família ou de um amigo próximo.
Por tudo isso, cada sindicato de funcionários
públicos é uma máquina política de fazer uma implacável e inflexível pressão
por maiores impostos, maiores gastos governamentais, mais sinecuras e mais promessas
de generosas pensões.
E a fatura vai integralmente para a população.
Conclusão
Não importa se o movimento grevista é feito por
funcionários públicos ou por empregados de empresas privadas: o fato é que
greves não são um movimento de resignação em massa, o que
seria um direito dos trabalhadores. Greves são simplesmente uma maneira de
tentar punir empregadores e consumidores por meio de uma total paralisação dos
serviços.
E, no caso de uma greve de funcionários públicos, o
pagador de impostos é ao mesmo tempo o empregador e o consumidor punidos.
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