Dentro do imaginário coletivo, os conceitos de "pobreza"
e "desigualdade" se tornaram sinônimos: se há pobres é porque somos desiguais;
se a desigualdade aumenta é porque aumentou a pobreza.
Esta mentalidade tende a ser reforçada durante períodos
de recessão econômica: quando as rendas agregadas da sociedade (o PIB) entram
em contração, a economia passa a ser vista como um jogo de soma zero,
ou seja, se a renda de uma pessoa aumentou é porque a renda de outra
inevitavelmente caiu.
Porém, as recessões econômicas não duram para
sempre, e o fato é que a economia de mercado se mostrou capaz, ao longo dos
últimos 200 anos, de aumentar a renda de todos os cidadãos. Segundo as estatísticas
compiladas pelo economista britânico Angus Maddison, passamos de uma renda per capita mundial de 1.130
dólares por ano em 1820 para uma de 15.600 em 2015. E isso ao mesmo tempo em
que a população global aumentou de 1 bilhão de pessoas para 7 bilhões. (Veja o estudo. Confira também este vídeo).
Igualmente, em
1820, aproximadamente 95% da população mundial vivia na pobreza, com uma
estimativa de que 85% vivia na pobreza "abjeta". Em 2015, menos
de 10% da humanidade continua a viver em tais circunstâncias.
Ou seja, não só o número de
habitantes no mundo aumentou 7 vezes, como ainda cada habitante aumentou sua
renda em 11 vezes. Isto é uma façanha extraordinária.
Este fato, por si só, mostra como estão errados aqueles
que dizem que toda a riqueza do mundo já está dada e deve apenas ser "redistribuída
justamente". Se toda a riqueza do mundo já estivesse dada, devendo apenas ser redistribuída,
seria impossível que a renda per capita e a população mundial aumentassem simultaneamente. O que
ocorreria é que algumas pessoas aumentariam suas rendas à custa de todas as
outras, e a renda per capita permaneceria constante -- aliás, cairia, por causa
do aumento do número de indivíduos.
Que tenhamos conseguido multiplicar por 11 a renda
per capita do conjunto de habitantes do planeta (e por 20 em alguns países ocidentais,
como os EUA) ilustra claramente que a economia não é um jogo de soma zero. E,
principalmente, que desigualdade não é o mesmo que pobreza.
Uma sociedade pode ser muito igualitária e muito
pobre. Ou bastante desigual e rica. Albânia, Bielorrússia, Iraque, Cazaquistão,
Kosovo, Moldávia, Tajiquistão e Ucrânia são sociedades que apresentam uma distribuição
de renda muito mais igualitária que a da Espanha, mas são muito mais pobres. Por
outro lado, Cingapura é uma sociedade muito mais desigual que a Espanha, mas
apresenta uma renda per capita maior em todos os quintis da redistribuição de
renda.
A Etiópia, cujo coeficiente de Gini -- indicador que
mensura a desigualdade; quanto mais próximo de 1, mais desigual é um país -- é
de 29,6 e o Paquistão (30) são mais igualitários que a maioria dos países
desenvolvidos, como Austrália (35,2), Coréia do Sul (31,6) e Luxemburgo (30,8)
e Canadá (32,6).
Tajiquistão (30,8), Iraque (30,9), Timor Leste
(31,9), Bangladesh (32,1) e Nepal (32,8) são mais igualitários que Bélgica
(33), Suíça (33,7), Polônia (34), França (35,2), Reino Unido (36), Portugal
(38,5), Estados Unidos (40,8), Cingapura (42,5) e Hong Kong (43,4).
Já o Afeganistão (27,8) é uma das nações mais
igualitárias do mundo.
Por isso, o objetivo primordial de qualquer pessoa
preocupada com o bem-estar alheio deveria ser o de aumentar a renda total de
cada indivíduo, e não reduzir as diferenças de renda entre cada indivíduo.
O bem-estar de um indivíduo está estritamente
relacionado com seu nível de renda: quanto maior a renda, melhor sua alimentação,
maior seu acesso a bens e serviços, maior seu acesso a bons serviços de saúde,
maior seu acesso a uma boa educação, maior o seu tempo de lazer etc. Por outro
lado, como
mostram as estatísticas, o bem-estar das pessoas não tem nenhuma relação com
o grau de desigualdade da sociedade em que moram. Mais ainda: nem
sequer há evidências de que a desigualdade prejudica o crescimento econômico
e, por conseguinte, o aumento da renda de todas as pessoas.
Logo, não faz sentido nem mesmo qualquer preocupação
indireta para com a desigualdade. É claramente preferível uma sociedade com
rendas elevadas, porém muito desiguais, a uma sociedade de rendas ínfimas, porém
igualitárias. Qualquer política econômica de bom senso deve visar ao
crescimento econômico inclusivo (ou seja, um crescimento que beneficie a todos,
ainda que em proporções desiguais), e não a uma redistribuição de renda.
Redistribuir
renda é redistribuir miséria
É claro que, para algumas pessoas, o crescimento econômico
global não é desejável ou mesmo não é possível. Segundo elas, não podemos e não
devemos seguir explorando um planeta com recursos limitados (sobre essa
"exploração", vale ressaltar que tais pessoas não aceitam nem mesmo que haja um
aproveitamento mais eficiente dos recursos disponíveis por meio do aumento da
produtividade).
Para tais pessoas, o objetivo é frear o crescimento
econômico e redistribuir a riqueza que já
existe: nós não precisamos de mais,
precisamos apenas distribuir melhor.
O problema é que apenas redistribuir a renda não tem
nenhum efeito duradouro sobre a pobreza mundial. Hoje, a renda per capita
global é de 15.600 dólares. Isso significa que, caso houvesse uma imediata distribuição
igualitária de renda, conseguiríamos apenas fazer com que cada cidadão passe a
ter 15.600 dólares.
À primeira vista, tal valor não parece pequeno. Uma família
composta por dois adultos e um menor desfrutaria de 46.800 dólares, aparentemente
mais do que a imensa maioria das famílias da Espanha, por exemplo. Mas o erro
deste cálculo é não entender os conceitos que realmente integram a definição de
renda per capita.
Em primeiro lugar, 15.600 dólares representam aproximadamente a
renda per capita atual de países como Argélia, Bielorrússia, Botsuana, Brasil,
China, Costa Rica, República Dominicana, Iraque, Líbano, Montenegro, Sérvia e
Tailândia. Ou seja, se redistribuíssemos perfeitamente a renda mundial, o
padrão de vida de um europeu ou de um americano seria reduzido ao nível desses
países [e nós brasileiros, como um todo, ficaríamos na mesma]. Trata-se de uma
constatação nada esperançosa, ainda que, em uma análise superficial, os 15.600
dólares por cidadão pareçam bastante.
Em segundo lugar, nem toda a renda per capita disponível
pode ser consumida: uma parte dela deve ser reinvestida de modo a garantir uma
geração de renda no futuro -- se consumirmos toda a renda gerada por uma
colheita, não será possível investir para gerar uma nova colheita no futuro.
Consequentemente, se uma pessoa ganhar 15.600 dólares
hoje e gastar em bens de consumo, visando a aumentar seu bem-estar, rapidamente
voltará a ser pobre. Terá algum luxo momentâneo, mas não terá renda futura.
Nas sociedades capitalistas, parte da renda reinvestida
faz os capitalistas garantirem suas rendas futuras. No entanto, se esta renda
for redistribuída entre todos, todos nós teremos de investir uma parte da nossa
renda para manter a mesma capacidade produtiva da sociedade. Quanto deveríamos investir?
O consenso é algo ao redor de 20% do PIB. Assim, da renda per capita de 15.600
euros, somente 12.480 poderiam ser consumidos.
Em terceiro lugar, e este é o ponto crucial: após
esta renda distribuída ter sido consumida, não haveria como ocorrer novas redistribuições.
Afinal, de onde viria a nova renda a ser redistribuída? Vale lembrar que não há
mais ricos e pobres. Todos estão em igual situação. Consequentemente, não haverá
mais de quem tirar.
Logo, e por definição, uma redistribuição de renda é
algo que só pode ser feito uma única vez. E, após a redistribuição, os
contemplados estarão em melhor situação apenas enquanto durar sua nova renda.
Tão logo ela seja consumida, tais pessoas voltarão ao estado de pobreza
anterior. E pior: com os empreendedores mais pobres, será muito mais difícil para
tais pessoas melhorarem de vida.
Em quarto lugar, e complementando o terceiro item, em
uma economia de mercado, a riqueza dos ricos não está na forma de dinheiro
guardado na gaveta. Também não está em amontoados de bens de consumo
dentro de suas mansões. A riqueza dos ricos está majoritariamente na forma
de meios de produção: instalações industriais, maquinários, ferramentas,
edificações, estoques, ferramentas de produção, equipamentos de escritório de
uma fábrica ou de uma empresa qualquer.
Esses meios de produção, além de tornarem o trabalho
humano mais eficiente e produtivo, produzem os bens e serviços que todas as
pessoas consomem. Mais ainda: esses meios de produção demandam o emprego
de mão-de-obra, e essa mão-de-obra é vendida pelas massas em troca de salários.
Quanto maior a riqueza de empreendedores e
capitalistas, maior será a produção e a oferta de bens e serviços. Consequentemente,
maior será a demanda por mão-de-obra. Consequentemente, maior será o padrão
de vida de todos.
Caso os ricos sejam espoliados destas posses, todo o
nosso bem-estar e toda a nossa capacidade de auferir receitas via trabalho
assalariado estarão seriamente comprometidos.
Conclusão
Em suma, dizer que a pobreza mundial se resolve com
redistribuição de renda e sem crescimento econômico é mentira. A única coisa
que teríamos seria a redistribuição da miséria.
O problema atual do mundo não é a desigualdade, mas
a pobreza que ainda resta. Tanto nos países desenvolvidos, como nos países em
desenvolvimento, existem muitas pessoas pobres (embora o número seja cada
vez menor).
A nossa prioridade deve ser tirá-los da pobreza e
não universalizar suas carências.
Mais uma vez, desigualdade não é pobreza: combater a
desigualdade não acaba com a pobreza e diminuir a pobreza não implica acabar
com a desigualdade. É imprescindível separar esses dois conceitos para não
sermos enganados pelos defensores do igualitarismo, os quais querem apenas
redistribuir a pobreza.
_______________________________________
Leia
também:
É o crescimento econômico em uma sociedade livre, e não a
igualdade forçada, o que salva os pobres
Estamos vivenciando uma
maciça redução na pobreza global
Em qualquer discussão sobre
desigualdade, estas são as quatro perguntas que têm de ser feitas
"Sem o estado, quem cuidará dos pobres?"
Em vez de culpar a
desigualdade, pense em criar mais riqueza