Existem
dois tipos de tarifas de importação: uma tem o intuito protecionista; a outra
tem o intuito arrecadatório. Uma é o exato oposto da outra.
Uma
tarifa com intuito protecionista é imposta exatamente para impedir que
as pessoas importem. Se ela realmente lograr tal objetivo, a receita do
governo será zero. Óbvio. Se o intuito do governo é desestimular as pessoas a
importarem -- e se as pessoas realmente não importarem --, então a arrecadação
do governo com essa tarifa será zero. E ele não ligará, pois era isso o que ele
queria.
Já
uma tarifa com intuito arrecadatório existe, ao contrário, para trazer o máximo
possível de receita para o governo. Ela não está ali para impedir as pessoas de
importarem; ao contrário, o governo está torcendo para que as pessoas importem o
máximo possível, pois só assim ele terá muitas receitas. E se o governo
exagerar na tarifa, então ela vira meramente protecionista, e a arrecadação do
governo tenderá a zero -- exatamente o contrário do que ele almejava.
Nos
séculos XVIII e XIX, não havia imposto de renda. E praticamente não havia
impostos indiretos. Logo, a maioria dos países recorria a tarifas de importação
como sua principal fonte de receita. Tarifas de importação são fáceis de serem
aplicadas: a mercadoria chega ao porto e lá está um fiscal da alfândega para
taxá-la. É difícil escapar.
Sendo
a maior fonte de receita em uma época em que não havia imposto de renda -- ou
cuja coleta era muito difícil e complicada --, tarifas de importação faziam
sentido do ponto de vista puramente
tributário.
Por
uma questão de lógica simples, sabendo que os governos da época sobreviviam
exclusivamente com as receitas dessas tarifas, a conclusão lógica é que, à
época, tais tarifas não tinham
caráter protecionista. Se tivessem, os governos simplesmente não teriam receitas.
Mas
os tempos passaram e vivemos hoje em uma época totalmente diferente. Tarifas
de importação não mais são vistas como um mero instrumento de
arrecadação. Hoje, sua função é bastante diferente. Tarifas sobre
bens importados são ferramentas eficazes para se subsidiar aliados políticos,
proteger empresários favoritos e, com isso, se praticar o capitalismo de estado --
ou o mercantilismo.
Tarifas
de importação são impostos sobre a compra de bens importados. A mercadoria
importada chega ao porto, desce do navio e lá está um burocrata da alfândega para
impor uma taxa ao valor total que o importador pagou.
O
protecionista -- que é um mercantilista -- sabe que impostos mais altos sobre a
compra de bens importados representam um subsídio às empresas nacionais. Por
quê? Porque eles impedem que os estrangeiros possam utilizar preços baixos
para concorrer com a indústria nacional.
O
protecionista, como todo mercantilista, quer reduzir a variedade de opções
disponíveis para os consumidores nacionais. Ele quer subsidiar a indústria
nacional permitindo que ela cobre preços mais altos do que aqueles praticados
por produtores estrangeiros sem que isso acarrete consequências negativas para
ela. A justificativa é que tal política irá "enriquecer a nação".
Um
protecionista é o filósofo supremo do capitalismo de estado. O
protecionismo é o filho bastardo do estado intervencionista keynesiano.
O
keynesianismo é uma filosofia que diz que gastos estatais magicamente criam riqueza
e que o endividamento do governo é positivo para a economia. Já o
protecionismo é uma filosofia que diz que a melhor maneira de enriquecermos é
limitando nossas escolhas e garantindo reservas de mercado. Ambas estão no
mesmo nível.
Enriquecer
uma nação por meio do aumento da tributação de seus consumidores é uma ideia
estranha: "Tribute mais e enriqueça". Se você acha que isso soa
a keynesianismo é porque é keynesianismo. Todo protecionista é, ainda que não saiba,
um keynesiano.
Aprovar
leis contra pessoas que querem apenas fazer uma transação voluntária de bens é
um ato de restrição ao comércio. Por que uma nação enriqueceria
restringindo o comércio? Qual é a lógica de dizer que enviar um burocrata
com uma arma e um distintivo com a tarefa de impedir que as pessoas
voluntariamente comercializem com quem elas quiserem -- por crerem que isso irá
melhorar suas vidas -- é uma atitude que aumentará a riqueza da nação?
A
ideia de maior riqueza não pressupõe a ideia de maiores oportunidades de
comprar mais coisas do que antes? Sendo assim, como as pessoas estariam
mais ricas com o governo deliberadamente restringindo o número de bens que elas
podem comprar?
Protecionistas
negam que a maior riqueza de um país esteja diretamente ligada à sua maior
liberdade comercial. Eles argumentam o contrário: "Oportunidades
reduzidas são as bases da riqueza. Quanto menos oportunidade você tiver
para comercializar, mais rico você estará."
Se
isso soa insensato é porque é insensato. Mas trata-se de uma insensatez
amplamente disseminada e defendida, especialmente por políticos, intelectuais e
membros da academia.
Estes
mesmos também argumentam que, quanto mais impostos o governo coletar, mais rico
o país ficará. De novo, se você pensa que isso soa a keynesianismo é porque
é keynesianismo.
Combatendo
a tirania com mais tirania
O
mais incrível sobre os protecionistas mercantilistas é que eles são
completamente impermeáveis à lógica econômica. Eles amam burocratas com
armas e distintivos proibindo a liberdade de escolha das pessoas. Eles
estão convencidos de que armas e distintivos são a base do crescimento
econômico e da riqueza para todos. Eles realmente creem que, se o governo
enviar um número razoável de burocratas com armas e distintivos para confiscar
a riqueza alheia via impostos sobre bens importados, a nação ficará mais forte,
mais rica e mais livre. Eles acreditam que mais impostos e menos liberdade
de escolha tornam um país mais próspero.
Recentemente,
recebi um email de um leitor que, embora não conheça, posso afirmar ser um
protecionista mercantilista inveterado. Seu argumento é o preferido --
aliás, o único -- de todos os protecionistas ao redor do mundo. Eis o que
ele escreve:
Parece-me
que o senhor, ao defender o livre comércio, ignora por completo o
"conceito de nação" ou o nacionalismo. A questão não é que
nossas indústrias sejam menos eficientes do que as indústrias estrangeiras;
elas não são. O problema é que o governo impõe a elas uma carga tributária tão
grande que faz com que elas passem a ser "ineficientes" contra a
concorrência estrangeira. É o governo quem impõe "ineficiência"
à indústria nacional. Portanto, para deixar as coisas com um maior nível
de igualdade, o governo teria de remover estes fardos artificiais que ele
criou. Mas enquanto isso não for possível, ele tem sim de impor tarifas
iguais sobre os produtos estrangeiros para poder reequilibrar a situação.
Permita-me
resumir o argumento do cavalheiro.
(1)
A indústria nacional não é ineficiente.
(2)
Ela é oprimida pelo governo, que a sobrecarrega de impostos.
(3)
Portanto, precisamos de um governo ainda maior, ainda mais intrusivo e com
ainda maiores poderes tributários para retirar o fardo do governo sobre as
indústrias.
Faz
sentido? Ele é um protecionista mercantilista. Como todos os
protecionistas mercantilistas, ele não consegue pensar direito. Ele adotou
a ideia de que, ao se dar ainda mais poderes para o governo federal, os
cidadãos poderão, magicamente, sobrepujar os efeitos de um governo federal
muito poderoso.
E
ele defende tudo isso em nome do nacionalismo ou do "conceito de
nação".
A
seguir, um teste. Veja se você é um protecionista mercantilista. Se
você não for capaz de seguir o raciocínio abaixo, você é um protecionista
mercantilista.
Este
Lado e Aquele Lado
Você
mora de um lado da rua. No outro lado da rua mora João. João quer
vender para você um item que você quer comprar.
Silva,
seu vizinho de porta -- e que, portanto, mora no mesmo lado da rua que você --,
também vende um item parecido com este que João vende. Mas este item de Silva
custa 20% mais caro.
Silva
se aproxima de você e lhe diz que, pelo bem do "lado de cá" ou em
nome do "conceito Deste Lado", temos de impor um imposto sobre vendas
de pelo menos 25% sobre o item vendido por João. Afinal, não queremos
perder a riqueza que há Deste Lado da Rua. Sem um imposto sobre a
mercadoria de João, Aquele Lado irá ampliar sua presença Neste Lado.
Você
rejeita a sugestão de Silva como sendo totalmente absurda e sem sentido. Você
gosta do produto sendo vendido por João. É elegante. É barato. É um
bom negócio. "Sai da minha frente, Silva." (Sempre que você compra
algum bem, você está na realidade falando para todos os outros vendedores
saírem da sua frente).
Silva,
ao constatar que você é teimoso, irá atrás de Bruno, seu outro vizinho de
porta, e irá alertá-lo sobre a terrível ameaça representada por Aquele Lado
sobre o estilo de vida aqui Deste Lado. Ele não irá mencionar você, é
claro. Ele está apenas defendendo Este Lado em nome da verdade, da justiça
e do modo de vida Deste Lado.
Após
isso, Silva vai para outra casa mais ao lado e destila a mesma cantilena para
Pedro. Ele sugere que Pedro e Bruno se juntem a ele para aprovar uma lei
impondo um imposto de 25% sobre a venda do produto de João. Se esta lei
for aprovada, promete Silva, Este Lado será mais rico. Este Lado será mais
forte. Este Lado será mais livre.
E
a lei, então, é democraticamente aprovada.
Ato
contínuo, eles nomeiam um sujeito chamado Burocrata para impingir esta nova
lei. Burocrata tem um distintivo. Burocrata tem uma arma. Burocrata
se aproxima de você e alerta que, se você comprar o item de João sem pagar uma
tarifa de 25% para Este Lado, ele irá multá-lo em bem mais do que 25%. Ele
defende Este Lado com grande entusiasmo, dado que a alternativa a este emprego
tranquilo e poderoso seria a iniciativa privada. E ele jamais se saiu bem
no setor privado -- característica esta que ele compartilha com Silva.
Bruno
irá agora comprar de Silva. Pedro também irá comprar de Silva. E Burocrata,
que não tinha um emprego em tempo integral há anos, também está muito contente
em comprar de Silva.
Como
é que Este Lado está mais rico?
Por
que as palavras "Este Lado" tornam você mais rico? Como é que o
"conceito Deste Lado" faz de você alguém mais rico?
Qual
é a mágica que a linha invisível que divide Este Lado e Aquele Lado faz, em
termos econômicos? Protecionistas mercantilistas acreditam que uma linha
invisível passando no meio da rua é algo economicamente relevante. Igualmente, eles
acreditam que a linha invisível que contorna as bordas do país é economicamente
relevante.
Assim,
se você é um protecionista mercantilista, linhas invisíveis têm total sentido
econômico. Elas representam uma oportunidade de se subsidiar seus agentes
econômicos favoritos. Elas são uma desculpa perfeita para se praticar o
capitalismo de estado, algo muito eficaz em uma democracia.
Confusos
Além
de serem impermeáveis à lógica, protecionistas mercantilistas também são impermeáveis
aos fatos. Estes demonstram
que quanto mais aberta é uma economia ao comércio exterior, maior a renda da população
(quem compra mais barato tem mais dinheiro sobrando) e menor o desemprego (população
com renda maior investe mais, demanda mais, e cria mais emprego).
Mas
fatos também não interessam para pessoas de cabeça confusa. Para o
protecionista mercantilista, a melhor maneira de enriquecermos é limitando
nossas escolhas; é restringindo nossas opções como consumidores.
Um
protecionista acredita que, se alguém na China descobrisse a cura para o
câncer, a única maneira de proteger os cidadãos de seu país contra a
concorrência desleal e a inevitável pobreza que tal importação geraria seria
impondo uma tarifa de pelo menos 50% sobre a importação deste remédio. "Temos
de dar ao nosso povo a chance de concorrer", diz ele.
Se
você acha que isso é um argumento ignaro, você não é um protecionista
mercantilista. Você não crê que armas, distintivos e tarifas sobre importações
tornam as pessoas de um dos Lados da linha invisível mais ricas.
Mas
tais coisas de fato tornam algumas pessoas mais ricas: (1)
produtores ineficientes que podem agora vender a preços mais altos e não ir à
falência em decorrência da perda de consumidores, e (2) pessoas que usam
distintivos e carregam armas como meio de vida.
Se
você acha que estes dois grupos são mercantilistas devotos do "capitalismo
de estado" e não passam de que "extorsores assalariados", você
acertou a classificação das categorias.
Um
protecionista não está preocupado com o bem-estar do povo. Ele se preocupa
apenas com o bem-estar de um punhado de industriais -- mesmo que não saiba
disso.
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