Todos os anos, diversas categorias profissionais
iniciam movimentos para o aumento de salários. Um exemplo são os bancários, que
já possuem uma greve anual que se tornou quase uma tradição.
A principal reivindicação costuma ser o aumento real
dos salários, ou seja, aumento acima da inflação. Neste ano, os banqueiros
estão oferecendo a correção pela inflação, mas os bancários querem aumento real
de 5%, acima da inflação de 3,87, além de outras reivindicações (fonte).
Já faz um bom tempo que os bancos registram lucros
recordes todos os anos e os funcionários reclamam que "os banqueiros não querem
dividir esses lucros com eles" (fonte).
Só que isso é falso. A verdade é que os banqueiros
compartilham os seus lucros todos os anos com centenas de milhares de pessoas.
E nem precisa trabalhar para o banco para ter direito de fazer parte dessa
partilha.
Todos os anos, os bancos distribuem bilhões de reais
na forma de proventos como: dividendos (isentos de imposto de renda), juros
sobre capital, bonificações e subscrições para aquelas pessoas que compraram
suas ações.
Na prática, qualquer pessoa pode se tornar sócia de
um banco. Ou seja, embora nem todo mundo possa ser bancário, todo mundo pode
ser banqueiro. Para isso, basta comprar as ações dos bancos que são negociadas
na bolsa de valores. Elas custam alguns poucos reais e o processo de compra é
tão fácil quanto o de comprar qualquer coisa pela internet.
O simples ato de comprar ações de um banco já
garante o direito de participar dos seus lucros, assim como os grandes donos
dos bancos participam. Quanto mais ações o acionista tiver, mais proventos ele
receberá, pois eles dependem do número de ações que cada acionista possui.
Cada grande banco brasileiro possui centenas
de milhares de donos. São pessoas comuns que compram ações dos
bancos e se tornam "pequenos banqueiros". Considerando apenas as pessoas
físicas, o banco Itaú possui 108.853 donos; o Bradesco tem 321.014
donos; o Banco do Brasil tem 336.352 donos; e o Santander, 152.867
donos no Brasil. Centenas de milhares de outros pequenos investidores são donos
de ações de bancos de forma indireta, por meio de fundos multimercado, fundos
de ações e planos de previdência que investem em ações de bancos.
Essas centenas de milhares de "pequenos banqueiros" se
beneficiam quando os bancos lucram, pois suas as ações se valorizam (ganho de
capital). Tudo isso acontece de forma passiva, sem a realização de qualquer
trabalho.
O setor bancário foi o que teve o maior volume de
lucro distribuído na forma de dividendos e juros sobre capital entre seus
acionistas. Foram mais de R$ 28,3 bilhões, maior valor desde 2010, entre todos
os setores. Só os bancos representam 35,63% do total de distribuições feitas
por 251 empresas listadas na bolsa, que juntas repartiram R$ 79,6 bilhões (fonte).
Na prática, qualquer pessoa pode ser dona de uma pequena parte de qualquer uma
dessas empresas.
O funcionário de um banco poderia comprar ações do
banco onde trabalha e até ações dos bancos concorrentes para não ficar de fora
dessa partilha bilionária de lucros. Até mesmo os clientes dos bancos poderiam
receber de volta as tarifas e juros que pagam aos bancos se investissem nas
suas ações.
Salário ou dividendos?
Agora, façamos um exercício de imaginação.
Suponha que todos os funcionários dos bancos
deixaram de trabalhar em troca de dinheiro e passaram a trabalhar em troca de
ações. Em vez de receber salário, "vale disso", "vale daquilo", auxílios,
férias remuneradas e 13° salário, os funcionários dos bancos passaram a receber
ações e os seus dividendos, juros sobre capital etc.
Isso significa que os bancos deixariam de ter
funcionários e passariam a ter sócios.
Como todos os funcionários seriam pequenos
banqueiros, quanto maiores fossem as receitas e menores fossem as despesas
(custos, desperdícios, desvios, baixa produtividade, etc.), maiores seriam os
lucros distribuídos para todos os pequenos banqueiros que trabalham no banco.
Quanto maiores os lucros do banco, mais as ações iriam se valorizar e maiores
seriam os ganhos para todos.

A tabela acima mostra o preço das ações dos bancos
que possuem maior volume de ações diariamente negociadas na bolsa. Os valores
da tabela mudam a todo o momento (visite aqui
para ver a atualização diária). Na tabela, você também pode ver a
valorização dessas ações no ano e nos últimos 365 dias. O campo DY mostra a
distribuição de dividendos em relação ao preço da ação.
Seguindo o nosso exemplo imaginário, funcionários do
Santander que recebem ações no lugar de salário, teriam valorização de 43% em
suas ações nos últimos 12 meses e dividendos (DY) de 4,7% desse valor.
O gráfico abaixo mostra a variação no preço da ação
do banco desde 2011. É simples observar a alta expressiva após o impeachment de
Dilma Rousseff. O fenômeno ocorreu com todos os grandes bancos e com muitas
grandes empresas listadas na bolsa.

Seguindo o nosso exercício: os funcionários do Itaú
com ações da holding (empresa que controla o Banco Itaú) teriam valorização de
26% e dividendos de 9,3% ao ano. Já os funcionários acionistas do Bradesco não
estariam muito felizes com o resultado quando comparado com os concorrentes.
Certamente estariam se reunindo para discutir sobre o que fazer para que o
banco pudesse ter suas ações mais valorizadas e com mais dividendos
distribuídos.
Podemos constatar que as ações das empresas em que
os bancários trabalham valem cada vez mais. Já o salário que eles recebem, cada
vez menos (em termos reais). A própria demora no reajuste do salário pela
inflação já faz com que o dinheiro se deprecie ao longo do ano. Enquanto isso,
as ações se valorizam (ganho de capital) muito acima da inflação e distribuem
lucros para aqueles que assumiram o risco de comprar ações da empresa.
Todas essas questões conflitantes entre funcionários
x banqueiros (sócios dos bancos) têm relação com a questão do risco.
Lucros ou segurança?
Um trabalhador assalariado prioriza a segurança,
mesmo que isso limite ganhos. É por isso que ele se prende a uma fonte de renda
fixa. Um emprego nada mais é do que um investimento de renda fixa. Você investe
o seu tempo e a sua força de trabalho no emprego e recebe uma renda fixa no
final do mês na forma de salário e direitos trabalhistas. É uma renda segura e
previsível.
Um acionista prioriza os ganhos (lucros), mesmo que
isso represente riscos. Os ganhos de capital, dividendos e demais proventos
recebidos por aqueles que compram ações de empresas são fontes de renda
variável, sem qualquer estabilidade ou garantia de recebimento. Você
investe o seu dinheiro e recebe uma renda variável, sem garantia de ganho. É
uma renda sem limites, porém incerta e imprevisível.
Tempo ou dinheiro?
Podemos dizer que os funcionários investem tempo, nos
bancos onde trabalham, e recebem salários. Assim podem fazer o que
quiserem com o dinheiro.
Já os investidores (acionistas) investem dinheiro, comprando
ações do banco, e recebem dividendos. Assim podem
fazer o que quiserem com o tempo.
Os funcionários investem tempo em troca de dinheiro.
Os investidores investem dinheiro em troca de tempo livre.
É dessa ideia que surge aquela famosa frase do livro
do Robert Kiosaki que diz: "Os
pobres e a classe média trabalham pelo dinheiro. Os ricos fazem o dinheiro
trabalhar para eles." (Dica: para quem tem o livro eu recomendo a leitura
do "Capítulo 2 – Lição l: Os ricos não
trabalham pelo dinheiro". É a parte mais importante da obra dele. O resto é
apenas repetição das mesmas ideias.)
Com ou sem limites?
Todo salário tem um teto. Por melhor profissional
que você consiga ser dentro de uma determinada área, existe um limite para o
seu salário.
Já o ganho de capital e demais proventos que os
sócios das empresas recebem não possuem qualquer limitação. Ninguém impede
alguém de comprar cada vez mais e mais ações de uma empresa. Não existe um teto
estabelecido para a valorização das ações de uma empresa ou os lucros que ela
receberá no futuro. Quanto mais os pequenos sócios dos bancos recebem lucros, mais
eles podem usar esses lucros para comprar mais ações. Quanto mais ações
possuem, mais lucros recebem. O risco está na possibilidade de prejuízos.
Já o emprego e o salário não são escaláveis. Você só
pode ter um número limitado de empregos, por ter um número limitado de horas
por dia e disposição para trabalhar. O risco está em perder o emprego.
As ações que os donos das grandes empresas possuem
são as mesmas ações que as pessoas podem comprar na bolsa de valores. A
fortuna dos grandes acionistas se justifica no fato de que eles investiram nas
empresas quando as ações não valiam quase nada. Os demais investidores
compraram as ações quando elas já estavam mais valorizadas.
Fim do emprego
Enquanto bancários e profissionais de outros setores
brigam por mais salários, mais garantias, mais direitos, mais segurança, os
acionistas das empresas em que eles trabalham pensam em como podem ter cada vez
menos funcionários.
Novas tecnologias, inteligência artificial, serviços
virtuais, atendimento e vendas online, robôs e toda a ciência trabalhando para
reduzir ao máximo os custos das empresas. O objetivo é gerar mais lucros para
serem distribuídos entre os acionistas no próximo trimestre. Quanto menos
trabalho humano, quanto menos lojas físicas, agências e escritórios, menores os
custos e maiores os lucros.
Somente no ano passado os bancos fecharam 1.500
agências no Brasil (fonte). Em apenas 2 anos, 7% de todas as agências do país
foram fechadas e as que sobraram estão cada vez menores (fonte).
A gerente de um dos bancos em que eu tenho conta
está a 3.090 km de distância do meu escritório. Vou tão pouco ao banco que
resolveram transferir a minha conta de uma agência física para uma "agência
virtual". Posso enviar e-mail, telefonar ou fazer videoconferência com a
gerente das 7h à meia-noite. E, das poucas vezes que precisei, funcionou.
Esse processo não tem retorno e não vai afetar
somente os bancos. Outras empresas passam pelo mesmo processo ou ainda irão
passar. Certamente, no futuro próximo, os bancos deixarão de existir como conhecemos
hoje. Todas as empresas deixarão de existir como conhecemos hoje. Talvez até o
emprego deixe de existir da forma como conhecemos.
As pessoas que possuem um emprego devem buscar
melhores salários e condições de trabalho, mas é importante ficar atento para o
que está acontecendo. Não devemos ter dúvidas de que grande parte do trabalho
humano será substituído, lentamente, assim que for economicamente viável. É uma
questão de tempo.
Não são as máquinas que vão ocupar o trabalho
humano. São os humanos que trabalham como se fossem máquinas que deverão trocar
de posição.
As pessoas vão desempenhar mais tarefas que as
máquinas ainda não sabem fazer muito bem, como aquelas ligadas à criatividade, ao
desenvolvimento de novas ideias, ao relacionamento com outras pessoas, a liderança,
a planejamento, a atividades que envolvem opinião, reflexão, educação, crítica,
beleza, arte, entretenimento etc. Essas atividades serão cada vez mais
valorizadas. e aquele que deseja ganhar mais no futuro tem de refletir sobre
como pode se desenvolver em áreas que dependam dessas habilidades.
Os trabalhos que as máquinas podem fazer irão valer
cada vez menos. Quanto mais as máquinas fazem o trabalho mecanizado e
repetitivo, seja ele físico ou mental, mais as pessoas terão tempo para consumir
produtos e serviços que envolvam a educação, cultura e entretenimento.
Nesse futuro, as pessoas vão pensar cada vez mais em
como obter mais ganho de capital, dividendos, lucros e proventos, e menos em
como ter um salário fixo com direitos trabalhistas.
Os jovens irão deixar de procurar um emprego. Talvez
criem seus próprios empregos com uma facilidade jamais vista. Talvez procurem
empresas nas quais possam se tornar sócios, investindo tempo e talento em troca
de participações nos lucros e dividendos sem garantias e segurança, mas também
sem limites para os ganhos.
Conclusão
Recomenda-se escolher, desde já, o seu futuro: salário
fixo e direitos trabalhistas ou maiores riscos e maiores retornos. O primeiro não
irá durar muito.
P.S.: este artigo não é uma recomendação de investimentos. Os bancos são apenas
exemplo para ilustrar o artigo. O mesmo exemplo pode ser utilizado para
ilustrar essas questões em diversos setores. Todo aquele que tem um emprego
deveria buscar meios de entender melhor o modo de pensar dos donos e acionistas
das empresas. Para aqueles que querem se tornar investidores, isso é
fundamental. Investir em ações pode ser um bom começo para uma mudança no modo
de pensar.
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Este
artigo foi originalmente publicado no site Clube dos Poupadores, cuja
leitura é fortemente recomendada.
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