No mundo atual, as pessoas estão cada vez mais
preocupadas com o resultado de eleições para chefe de governo. A cada eleição
que ocorre em um país economicamente importante, as respirações ficam suspensas
(tanto entre a população deste país quanto no resto do mundo).
Foi assim nos EUA em 2016, e na França, na Alemanha
e na Holanda em 2017. E está assim agora no Brasil, em 2018.
É como se o padrão de vida de todos dependesse
diretamente do resultado da eleição -- o que, aliás, é um fato.
Mas eis a realidade, que vale para todos: as pessoas
só estão cada vez mais preocupadas com o resultado das eleições porque os estados estão cada vez
maiores, mais intrusivos e mais poderosos. As pessoas sabem que o indivíduo
que eventualmente estiver no controle destes aparatos estatais terá poderes
insanos sobre suas vidas e sobre toda a economia (da qual depende nosso
bem-estar). Ele terá o poder de regular cada aspecto econômico e social da vida
dos indivíduos.
E as pessoas, mesmo as intervencionistas, sabem que tais
poderes são extremamente perigosos caso fiquem sob o controle de "indivíduos
perigosos" -- isto é, indivíduos que não pensam o mesmo que elas.
Por outro lado, fosse o estado mínimo e sem poder, as
pessoas seriam completamente indiferente a quem eventualmente estivesse no comando
dele
Sendo assim, será que há alguma esperança, no mundo ocidental,
de que as pessoas não mais tenham de se preocupar com a política, com os
políticos e com a contínua
expansão do tamanho e do poder do estado? Há alguma
esperança de assumirmos algum controle e influência sobre nossos impostos,
nosso sistema de saúde, nossa energia, nosso comércio com os estrangeiros e,
acima de tudo, nossa relação com o governo e suas regulações?
Sim, desde que estejamos dispostos a copiar um
modelo estrangeiro que deu certo. Esse
modelo é a Suíça.
Naquele país sem saída para o mar, com um terreno
incrivelmente acidentado e sem recursos naturais (exceto água), as pessoas
foram capazes de criar um alto nível de prosperidade tendo por base a inovação
e o capitalismo.
100%
economia, 0% política
Os burocratas da União Européia os odeiam. Os
suíços não só estão fora da União Européia, como também representam o oposto
daquela agenda insanamente
centralizadora. A Suíça só aderiu à ONU em 2002,
e mesmo assim pela margem mínima de votos. Escolha qualquer área da
sociedade e você verá que os suíços fazem tudo à sua distinta maneira -- sempre
com a liberdade como pré-requisito.
Os corpos de bombeiros são um exemplo: geridos por
voluntários locais na maioria dos lugares fora das grandes
cidades. Armas e as forças armadas são outro exemplo. As armas
estão por todos os lados -- e o crime não está em lugar algum. Com
efeito, eles têm ao menos duas das mais pacíficas cidades do mundo - de acordo com
várias autoridades online. Zurique inclusive tem um feriado de meio dia em
outubro, para celebrar o torneio do "garoto atirador", no qual há uma
feira em estilo americano em que jovens garotos -- e
garotas também -- competem em uma disputa de tiro ao alvo com fuzis
de ataque.
A milícia defensiva dos suíços foi temida até mesmo por Hitler,
e até hoje tem se mantido onde tem de ficar -- em casa --, sem sair patrulhando
estrepitosamente o mundo, assassinando pessoas inocentes que porventura se
pusessem em seu caminho. Curiosamente, os suíços conseguiram se manter
protegidos sem ter de recorrer a guerras preventivas e sem ter de dizimar
famílias ao redor do mundo.
E há os bancos suíços, aquele
bastião que guarda algo como um terço da riqueza privada transnacional. A
posição suíça quanto ao sigilo bancário é mais bem descrita como sendo de
neutralidade, nessa constante guerra dos estados contra seus cidadãos. Toda
essa riqueza confiada aos bancos suíços certamente não se deve ao governo, e
mesmo os banqueiros são meramente beneficiários de um ambiente inteiramente
resultante de um distinto traço de liberdade que viceja dentro do povo
suíço. Isso vem desde muito antes da lendária rebelião promovida por
Guilherme Tell no século XIV. Se os detalhes dessa lenda são
mitos ou não, sua popularidade reflete o tradicional espírito de luta do povo
suíço quando se trata das imposições feitas pelo estado.
Antes de sua constituição
de 1848, a Suíça era uma confederação de estados, cada qual
soberano e independente. A unidade deles se dava por meio de um tratado de
defesa mútua contra agressões externas.
Em novembro de 1847 eclodiu a Guerra de Sonderbund ("aliança
separada", em alemão), que foi uma batalha originada por sete cantões
católicos conservadores que se opunham à centralização do poder e que, por
isso, se rebelaram contra a Confederação que estava em vigor desde 1814. Esta
foi provavelmente uma das menos espetaculares guerras da
história do mundo: com duração de 26 dias, o exército federal perdeu 78 homens
e teve outros 260 feridos. Mas saiu vencedor. A Conspiração Sonderbund se
dissolveu e a Suíça se tornou, em 1848, o estado que é até hoje.
Apenas pense nisso: a guerra suíça (caracterizada
por sua inacreditavelmente baixa violência quando comparada às outras guerras)
foi motivada puramente pela rejeição à centralização do poder e pelo ceticismo
quanto aos poderes usufruídos por uma entidade grande. E lembre-se de que
estamos falando de um país territorialmente pequeno (apenas 41 mil quilômetros
quadrados). O resultado foi, e é, um estado relativamente neutro que permite
uma maior quantidade de liberdade e prosperidade que praticamente todas as
outras nações européias.
Como país, a Suíça se tornou, já à época, o mais
economicamente desenvolvido da Europa. Era religiosa e etnicamente diverso,
altamente inovador e extremamente produtivo. Os huguenotes
expulsos da França pelas guerras religiosas criaram a indústria suíça de
relógios. Os alemães protestantes fugindo da opressão católica fundaram as
principais indústrias do país. Sempre houve um foco no conhecimento e na
educação como forma de compensar a escassez de recursos naturais. E a população
sempre foi integrada ao comércio global, sendo comerciantes vigorosos.
"A economia
estava por todos os lados; já a política nunca era perceptível": essa era a
frase utilizada para descrever esta produtiva, vigorosa, inovadora e
descentralizada nação já em meados do século XIX. Trata-se de uma descrição que
evoca uma fotografia maravilhosa de uma liberdade econômica que não é onerada
pelo fardo da política.
A Suíça conseguir manter algumas destas
características mesmo com todas as depredações estatais que se tornaram
tendência ao redor do mundo no século XX. O país permaneceu
sob um padrão-ouro até 1999, e resistiu à internacionalização até se juntar
à ONU em 2002. Com efeito, a internacionalização foi o que erodiu a
singularidade da Suíça como nação. O influxo de engravatados com MBA em
conjunto com a máfia da McKinsey está
arrastando a Suíça para o mais baixo denominador comum do estatismo e do
intervencionismo. A União Europeia almeja fazer a Suíça assinar um acordo
bilateral que inevitavelmente fará com que Bruxelas imponha gradualmente seu
socialismo multicultural ao país, exatamente como fez no Reino Unido.
Não obstante, a Suíça ainda possui pelo menos seis
vantagens estruturais que irá manter o país à frente de seus medíocres pares
por algum tempo.
1)
Descentralização
A Suíça permanece sendo uma confederação de 26
cantões. É mais centralizada hoje do que era até antes de 1848, mas as funções
do governo central são limitadas. Há uma constituição nacional, um exército
nacional e uma força de segurança, uma moeda única (o franco suíço, embora o
euro também circule livremente) e um banco central, e uma política externa
nacional. Mas a população conseguiu manter os poderes do governo central
relativamente muito bem acorrentados.
O executivo do país é representado por um órgão
chamado Conselho
Federal, que é composto por 7 membros, sendo cada membro responsável por um
dos sete
ministérios da Suíça (que lá são chamados de Departamentos). Esses
sete membros são nomeados pelas duas câmaras da Assembleia Federal.
A presidência e a vice-presidência do Conselho
Federal sofrem um rodízio anual. Já o mandato dos 7 membros é de quatro anos. O
atual Conselho é formado por 2 social-democratas, 2 conservadores de
centro-direita, 2 conservadores nacionalistas, e um democrata-cristão.
Ou seja, o poder executivo não se concentra em
apenas uma pessoa. A maioria das decisões do Conselho é feita por consenso. E é
assim porque seu papel é muito mais decorativo do que funcional, dado que a
maior parte do poder é prerrogativa dos cantões. Decisões relacionadas a
educação, saúde, assistencialismo e até mesmo criação de impostos são feitas
exclusivamente em nível regional. O governo federal não pode editar medidas
provisórias e não tem poder de veto.
O presidente da Suíça -- que você não sabe quem é --
não tem praticamente nenhum espaço nas discussões políticas e econômicas que
ocorrem no país. Portanto, se você não
sabe quem é o presidente da Suíça, não se preocupe; vários suíços também
não sabem e ele muda a cada ano.
2) Subsidiariedade
A subsidiariedade é o princípio de resolver todos os
problemas e questões em nível mais local possível. Na Suíça, a maioria dos
impostos é impingida em nível municipal e cantonal. A fatia federal se limita a
20% de todos os impostos pagos. Isso faz com que a besta do governo central
viva continuamente esfaimada. Os cidadãos suíços são mais engajados em torno de
seus governos locais, que é quem toma as decisões de como irá gastar o dinheiro
de impostos.
Consequentemente, os cantões suíços são os
responsáveis pelo equilíbrio da política: os cantões conservadores são todos
aqueles que estão fora das grandes cidades, como Zurique, Genebra e Berna (a
capital). A população das comunidades menores rejeita a ideia de ter um governo
distante e centralizado em uma capital nacional.
Como resultado -- discutido abaixo --, os suíços
continuamente rejeitam propostas progressistas, como a de abolir a
energia nuclear e a de usufruir uma
renda garantida de 2,5 mil francos suíços mensais para cada
cidadão. Mais
de 75% dos suíços foram contra a medida.
Ademais, os suíços podem "votar com seus pés", mudando-se
para outra cidade ou cantão caso sintam que os impostos locais estão altos.
3)
Democracia direta
Na Suíça, o povo é soberano. Uma maneira como essa
soberania é mantida é por meio de referendos regulares, nas quais o povo vota
questões de política nacional, leis e mudanças na constituição. Tipicamente, há
um grande comparecimento às urnas nestes referendos, e as pessoas levam muito a
sério o controle democrático sobre o governo.
Normalmente, eis as etapas de um referendo:
a. Um projeto
de lei é preparado pelos especialistas na administração federal.
b. Esse
projeto de lei é apresentado para um grande número de pessoas por meio de uma
pesquisa de opinião: governos cantonais, partidos políticos, ONGs, associações
da sociedade civil podem comentar sobre o projeto de lei e propor mudanças.
c. O
resultado é apresentado a comissões parlamentares dedicadas ao assunto nas duas
câmaras do parlamento federal, é discutido em detalhes a portas fechadas e
finalmente é debatido em sessões públicos em ambas as câmaras do parlamento.
d. O
eleitorado possui o poder final de veto sobre o projeto de lei. Se qualquer
pessoa conseguir encontrar, em três meses, 50.000 cidadãos dispostos a assinar
uma petição pedindo um referendo sobre esse projeto de lei, um referendo será
marcado. Para que um referendo seja aprovado, o projeto de lei precisa ser
apoiado apenas pela maioria do eleitorado nacional, e não pela maioria dos
cantões. É comum a Suíça fazer mais de dez referendos em um determinado ano.
Entre 1893 e 2014, apenas
22 de 192 iniciativas populares foram aprovadas pelos eleitores. A
reticência com que essas iniciativas são recebidas pelos suíços indica
prudência da parte dos eleitores e aversão a leis criadas centralizadamente.
E foi esse sistema de pesos e contrapesos,
representado tanto pelos cantões agressivamente localistas quanto pela
ferramenta da democracia direta, que tornou a Suíça particularmente resistente
ao crescimento do poder do governo.
4)
Livre comércio
Praticamente não há debate sobre a importância do
livre comércio na Suíça. Ele é uma realidade imperativa. Trata-se de um país
fortemente dependente da importação de produtos básicos: energia, comida,
matéria-prima, commodities. Consequentemente, o país desenvolveu uma
estratégica indústria exportadora:
produtos e serviços de alto valor agregado, sempre aptos a satisfazer as
mais exigentes demandas globais.
Relógios sempre foram o mais famoso exemplo.
Atualmente, produtos biotecnológicos e maquinários ultramodernos compõem a pauta
exportadora. O livre comércio sempre foi a condição vinculante para a
prosperidade da Suíça. As tarifas de importação do país estão em zero por cento.
5)
Neutralidade
Na política externa e na diplomacia, a Suíça é
famosa por sua neutralidade e política externa de não-agressão. Este, aliás, é
um pré-requisito para a prática do livre comércio global: criar inimigos seria
totalmente contra-producente.
A Suíça possui um exército e o serviço militar é
compulsório, mas é voltado exclusivamente para a defesa contra invasores
externos. Guerras sempre foram a principal barreira ao progresso econômico, e a
reconstrução política após uma guerra quase sempre é um desastre pior do que a
própria destruição física da guerra. A Suíça conseguiu evitar tudo isso.
6)
Inovação empreendedorial
A Suíça sempre ocupa as primeiras posições na lista
de países com a maior facilidade para se empreender, embora sua posição tenha se
deteriorado no século XXI. É fácil abrir uma empresa no país, a tributação
é relativamente baixa, as leis são transparentes e o arcabouço jurídico é
totalmente previsível. Várias empresas internacionais escolheram a Suíça como
sede de suas matrizes.
A inovação está enraizada na cultura, no sistema
educacional do país e em toda uma rede de centros de pesquisa, o que se traduz
em investimentos nas pessoas e no conhecimento. Sem exageros, a inovação está
na mente e na alma de praticamente todo suíço, bem como nas instituições do
país.
Não
é perfeito, mas é o que há
De modo algum a Suíça é perfeita; afinal, trata-se
de um estado-nação, e todo conceito de estado-nação é deletério para cada vida
individual das pessoas que vivem neles e que os formam. Com efeito, o próprio conceito
de estado-nação clama por "inovações disruptivas".
Talvez, quem sabe?, serão os próprios suíços, com
sua tradição de descentralização, subsidiariedade, iniciativa individual, e livre
comércio de idéias, que irão implantar essas inovações -- isso, é claro, se
eles não forem sobrepujados por instituições globalistas como União Europeia,
ONU, FMI, Banco Mundial etc.
É a economia contra a política. O nosso desejo, é
claro, sempre foi o de "economia por todos os lados, e a política em lugar
nenhum". Mas isso tem se comprovado impossível de ser mantido.
O fato de que houve uma época em que a economia prevaleceu
na Suíça -- e suas consequências benéficas perduram até hoje -- serve como uma tênue
esperança de que tal arranjo possa, um dia, voltar a vigorar.
____________________________________
Leia também:
Que tal nunca mais se preocupar com política e eleições? É só adotar o liberalismo clássico