Nota do Editor
O Ministro da Economia Paulo Guedes, em um evento, disse corretamente que:
Nós
somos 200 milhões de trouxas explorados por duas empreiteiras, quatro bancos,
uma produtora de petróleo, e seis distribuidoras de gás. Não há surpresa em por
que o povo brasileiro segue empobrecido. São poucos produtores, mercados
cartelizados, preços caros, e, ainda por cima, uma chuva de impostos. Sobra o
quê? Sobra pouco. Então, despertar as forças competitivas é o que nós estamos
fazendo desde o início.
E prosseguiu:
Nós
não despertamos, ainda, as forças de mercado. Jamais despertamos as forças de
mercado. O Brasil é um gigante acorrentado. O Brasil é um país amarrado por
todos os lados.
E então ele citou seus dois livros favoritos sobre o
assunto: O caminho da servidão e Prosperidade por meio da competição.
Em "O
Caminho da Servidão", Friedrich Hayek explica em detalhes como a expansão
de políticas estatizantes destrói a capacidade produtiva e a capacidade de
iniciativa de um povo. Trata-se de uma explicação simples, porém detalhada, de
como o estatismo degenera os regimes políticos, cria corrupção e destrói os
sistemas econômicos.
Tal fenômeno, lamentavelmente, já ocorreu diversas
vezes na história. O mais recente exemplo prático é o da
Venezuela, cujos cidadãos estão sofrendo exatamente esta degeneração
completa do regime político e econômico, com hiperinflação, destruição de
riqueza e milhões de pessoas fugindo do próprio país.
Já "Prosperidade
por meio da Competição", de Ludwig Wilhelm Erhard, o homem responsável pela
reconstrução da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, é um livro que pode
ser visto como um complemento ao de Hayek.
Neste livro, Erhard -- que foi discípulo de Wilhelm Roepke,
que, por sua vez, havia sido discípulo de Ludwig von Mises -- narra o que
efetivamente foi feito para reconstruir a economia alemã do pós-guerra.
Trata-se, portanto, de um livro que explica e ilustra na prática o que efetivamente
deve ser feito para se reconstruir um país devastado por políticas
estatizantes.
Ao passo que Hayek explica como os povos degeneram
seus sistemas políticos e econômicos por meio do estatismo, Erhard mostra como,
por meio do desenvolvimento dos mercados e do estímulo à competição, os povos
conseguem produtividade e enriquecimento.
Paulo Guedes, ao citar o livro de Erhard, demonstra
ao menos estar familiarizado com o que é necessário ser feito. E muita coisa boa de fato já foi feita. Que continue.
A seguir, um artigo sobre este essencial livro de
Erhard.
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A Alemanha, imediatamente após a Segunda Guerra
Mundial, era um desastre econômico. Além de um abrangente programa de controle
de preços imposto pelos Aliados, o principal problema vivenciado pelo país era
a cartelização das empresas (veja todos os detalhes aqui).
Antes da guerra, o governo nazista havia
monopolizado a economia doméstica, incentivando a criação de mega-cartéis e
oligopólios protegidos pelo estado, e blindando os produtores nacionais contra
a concorrência estrangeira. Os nazistas eram partidários confessos do planejamento econômico
centralizado.
Durante a guerra, a este arranjo foram acrescidos
controles de preços, o que simplesmente piorou a situação, ampliando as já
enormes ineficiências econômicas.
Terminada a guerra, com a economia totalmente
inoperante, a Alemanha ficou sob o controle militar dos Aliados, que mantiveram
os controles de preços ao passo que os cartéis e oligopólios seguiam intactos.
Este arranjo jamais permitiria uma recuperação
econômica. Logo, a prioridade número um era restaurar a concorrência na
economia.
E esta tarefa recaiu sobre o novo ministro das
finanças Ludwig Erhard.
Coube a ele liderar o caminho. E como ele deixou claro em sem livro de 1958, Prosperity
Through Competition (A prosperidade
por meio da competição), os principais inimigos do livre mercado era as
próprias indústrias cartelizadas e protegidas pelo governo.
Em 1945, como escreveu Erhard em seu livro, a
capacidade produtiva alemã era de apenas 60% da de 1936, e a produção vigente
era de apenas 39% da de 1936. E a economia continuou definhando ao longo de
1946 e 1947, incapaz de começar a apresentar qualquer sinal de
recuperação. E nem tinha como ser diferente: os Aliados haviam mantido
praticamente todo o sistema de controle econômico dos nazistas.
Logo, eram necessárias medidas radicais e urgentes.
Erhard atacou em dois flancos. De um lado, aboliu os
controles de preços e trocou a moeda, que estava hiperinflacionada (veja os
detalhes aqui);
de outro, introduziu a concorrência entre as empresas alemãs.
A substituição de uma moeda desvalorizada e que
ninguém queria portar por uma moeda forte e conversível fez com que, literalmente da noite para
o dia, o racionamento e os desabastecimentos fossem abolidos, e as pessoas
abandonassem o mercado negro e voltassem a produzir normalmente.
Esta foi a parte mais fácil. Abolir as demais regulamentações
estatais sobre a economia seria mais trabalhoso. Como bem escreveu Erhard em
seu livro:
O
estado não deve decidir quem deve ser o vitorioso no mercado. Tampouco um
cartel industrial deveria ter este poder. Apenas o consumidor pode ter este
poder.
A
qualidade e o preço determinam a forma e a direção da produção, e é apenas com
base nestes critérios que a escolha dos vencedores tem de ser feita.
Neste
sentido, a liberdade é o direito de cada cidadão, e ela jamais pode ser abolida
por ninguém.
E prosseguiu:
Meus
esforços, portanto, estão direcionados a estabelecer firmemente a competição
como a força-motriz da economia, e os preços livres como os reguladores. Aquele
que quiser ir contra estes princípios estará solapando a economia de mercado e
destruindo os pilares que sustentam nossa ordem econômica e social.
O livro de Erhard é uma defesa passional da
competição, da primeira à última página. Sua audiência não eram os políticos.
Não eram os consumidores. Não eram os burocratas do estado. A audiência era a
própria comunidade empresarial, que era o setor que necessitava de ser
convencido. Os empresários alemães teriam de enfrentar as águas frias da
concorrência global caso a Alemanha quisesse novamente ter prosperidade.
O
que é a competição?
Abordemos agora um pouco desta idéia de concorrência
econômica, pois o termo pode ser enganoso. Quando se fala em competição,
costumamos pensar em esportes coletivos (envolvendo times) ou mesmo individuais
(tipo atletismo). Mas essa não é toda a ideia de competição. A competição não é
um jogo para ser gerenciado; é um processo espontâneo de
inovação empreendedorial.
É verdade que os produtores são jogados uns contra
os outros na atividade de ofertar bens e serviços para os consumidores. Mas o
que eles estão buscando? Pelo que estão competindo? Seu objetivo é um só:
atender as demandas dos consumidores.
E eles fazem isso não por benevolência e caridade,
mas simplesmente porque os consumidores possuem aquilo que todos os produtores
querem: dinheiro.
O dinheiro é a mercadoria de mais fácil
comercialização em uma economia. Por isso, todos estão atrás do dinheiro. Quem
tem dinheiro consegue trocá-lo pelos bens e serviços que quiser. Quem tem
dinheiro sempre será servido. Quem tem dinheiro está no assento do motorista em
uma economia capitalista. E quem tem o grosso do dinheiro em uma economia de
mercado? A massa dos consumidores.
Produtores, portanto, estão em busca do dinheiro dos
consumidores. Consequentemente, eles têm de tentar vender seus bens e serviços
aos consumidores para conseguir dinheiro. Os produtores não podem simplesmente ir
ao mercado e tentar trocar, como num escambo, seus bens e serviços por outros
bens e serviços. Para conseguir o que querem, eles têm de ter dinheiro. E, para
conseguir dinheiro, eles têm de vender para muitos consumidores.
E como conseguem isso? Com melhores produtos,
melhores preços, e melhor satisfação dos desejos das pessoas.
Em busca do dinheiro, cada produtor é incentivado a
se tornar cada vez mais excelente em seu atendimento a terceiros. O sistema de
lucros e prejuízos está lá para servir como um sinal e um comprovante de um
trabalho bem feito.
Quando um único produtor se torna dominante em uma
indústria, e como consequência se torna desleixado em sua principal função, que
é servir aos consumidores, o arcabouço legal tem de permitir a livre entrada
neste setor de outros produtores munidos de outras idéias para alcançar o
objetivo.
Se houver barreiras legais à entrada de concorrentes,
então há um grave problema. Um produtor está auferindo um privilégio, e esse
privilégio será explorado à custa do público consumidor.
Por outro lado, se houver livre entrada, então
várias instituições irão surgir para servir como sistemas sinalizadores. A principal
é o sistema de preços. Os preços irão refletir os lances (como em um leilão)
feitos pelos consumidores de acordo com sua demanda e com seus recursos
disponíveis. Os sinais de preços emitidos pelo mercado comandam as decisões. Esses
preços serão então colocados
em planilhas e balancetes para calcular a viabilidade do empreendimento,
bem como se há lucros ou prejuízos. O sistema de lucros e prejuízos mostra como
os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os
consumidores recompensam as empresas propiciando-lhes grandes lucros; se
erroneamente, os consumidores punem as empresas impondo-lhes prejuízos.
Não interessa se a empresa é grande ou micro: ela
estará sempre em busca da lucratividade (pois quer dinheiro). E, em um
ambiente de competição entre os produtores, a lucratividade de uma empresa
sempre será, em última instância, determinada pela decisão voluntária dos
consumidores.
Esta idéia de genuína competição de mercado -- sem
privilégios, sem protecionismos, sem imposições, sem limitações -- consumiu
toda uma geração de economistas do pós-guerra por um motivo. A guerra havia
cartelizado não apenas a Alemanha, mas também as economias dos Estados Unidos e
do Reino Unido. A Rússia já havia se tornado totalmente socialista há muito
tempo, mas um novo modelo de arranjos corporativistas (fascistas)
não-competitivos havia se tornado dominante no mundo não-socialista. A prioridade
mais urgente era restaurar a competição.
Como disse Erhard, se você não tem competição, não há
qualquer esperança de prosperidade.
O
livre comércio também é competição
Outro enorme problema que Erhard herdou da economia
nazista era o próprio protecionismo. O governo havia instituído uma política nacionalista
de auto-suficiência.
A propaganda política nazista da década de 1930 rotulava
as nações estrangeiras como inimigas e afirmava que os bancos estrangeiros eram
tidos como "controlados por judeus". Os estrangeiros eram retratados como
espoliadores e o livre comércio era tido como contrário aos "interesses
nacionais". A ambição de Hitler era criar uma economia autárquica que
permitisse que seus planos superiores suplantassem a competição internacional.
É por isso que Erhard fez da restauração do livre
comércio sua máxima prioridade. Acima de tudo, isso significava derrubar as
muralhas erguidas pelas tarifas de importação. Não havia sentido em elaborar "acordos
comerciais", ou buscar negociações para conseguir "arranjos vantajosos para o
país" ou exigir que outros países atendessem aos desejos da Alemanha de também
reduzirem suas tarifas sobre produtos alemães. O objetivo era apenas se
certificar de que o setor empresarial da Alemanha era competitivo no front
global.
A
necessidade de remover todos os obstáculos ao comércio deve naturalmente ser
expressa por meio de uma política tarifária. Sobre este quesito, eu sempre
defendi o princípio -- como nas discussões sobre liberalização -- de que aquilo
que é certo não tem de esperar por uma equivalente contribuição de um parceiro
comercial para ser implantado.
Sendo
assim, desde 1955, quando a posição doméstica da República Federal mostrou ser
sensato reforçar a competição, busquei trazer a concorrência externa para
dentro das fronteiras da Alemanha reduzindo as tarifas de importação. Uma redução
unilateral e autônoma de tarifas foi implantada em várias etapas, embora, em
minha opinião, poderia e deveria ter sido feito muito mais do que o que foi
permitido pelo governo e pelo parlamento.
O ponto principal é que as tarifas são um imposto sobre os
consumidores domésticos. Mas eis o crucial: se a tarifa recai sobre
matérias-primas ou bens de capital comprados por empresas nacionais, então ela
também é um imposto
sobre os produtores. Uma tarifa funciona como uma transferência coerciva de
riqueza: dos agentes privados para os burocratas do governo. Trata-se de uma
forma de assistencialismo que distorce dramaticamente os mecanismos
sinalizadores emitidos pelo livre mercado.
Não há absolutamente nada que
os cidadãos de um país possam ganhar com o protecionismo. Se tarifa incide
sobre bens de consumo estrangeiros, uma determinada indústria doméstica pode
temporariamente ser protegida da concorrência estrangeira, mas a que custo? Trata-se
de um subsídio à ineficiência
e às más práticas
empresariais. Funciona por um tempo, mas não é sustentável. Em um algum
momento, o longo prazo chegará e, a menos que você esteja disposto a retroagir
a economia para um maior empobrecimento, as empresas terão de se adaptar ao
livre comércio, queiram
elas ou não.
Por isso, foi presciente a decisão de Erhard de
desconsiderar as contas nacionais envolvendo o comércio entre duas nações, isto
é, a noção de superávit
ou déficit comercial. Ele não negava que os dados sobre déficits comerciais
eram interessantes. Mas, segundo ele próprio, tais dados "muito facilmente se
tornavam não somente uma peça de informação, mas a própria base de cálculo para
novos tipos de planejamento econômico".
Conclusão
Erhard conclui seu livro com uma firme condenação do
dirigismo, que significa uma economia
dirigida pelo estado, mas que permite que a maior parte do capital fique em
mãos privadas. Políticos decidem quem ganha e quem perde, o que é produzido,
onde e em que quantidade. Isso não tem como ser o caminho para a prosperidade. O
estado não pode controlar a produção, muito menos gerenciar diretamente o setor
empresarial.
A completa desnazificação da economia, argumentou
ele, exigia um novo e fiel compromisso: o fim da proteção dada pelo governo aos
cartéis e monopólios, a permissão da competição real em todos os setores da
economia, e o fim das barreiras comerciais.
Isto, de fato, foi o que produziu o milagre econômico
alemão.
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Leia também:
Como se deu o milagre econômico alemão do pós-guerra