Eis um problema grave: em quase todas as discussões
sobre políticas econômicas, as pessoas simplesmente ignoram de onde vêm os bens que os indivíduos consomem.
Como bem disse Gustavo
Franco sobre a situação
na Argentina, algumas pessoas acreditam que o leite vem da geladeira. Ou que
os alimentos surgem magicamente nas gôndolas dos supermercados.
A mera distribuição e comercialização de bens é frequentemente
confundida com a própria produção destes mesmos bens. Várias pessoas, inclusive
economistas de viés intervencionista e desenvolvimentista, genuinamente
acreditam que o problema não está na produção, mas sim na distribuição e na venda
dos bens (ou seja, na demanda e no consumo).
É como se a questão da produção já estivesse
magicamente resolvida.
E, no entanto, a questão da produção é o grande
desafio de qualquer economia. E não o consumo.
Consequentemente, pouco se busca entender a relação
entre as variáveis 'produção', 'renda', 'consumo' e 'qualidade de vida'.
A seguir, uma humilde tentativa de oferecer um piso
mais sólido em cima do qual essas discussões possam ser construídas.
É
a produção o que cria riqueza
Comecemos com a produção.
Produzir, em termos econômicos, é o ato de criar um
bem ou serviço. Quando um confeiteiro está misturando os ingredientes de seu
bolo, ele está produzindo um bolo.
Antes de começar, ele tem em cima da mesa a farinha,
os ovos, o açúcar, o leite etc. Ele junta todos esses ingredientes, de acordo
com uma receita que ele conhece, e o resultado final -- o produto --
é o bolo.
O que houve de extraordinário aqui? Ele agregou
valor aos ingredientes que tinha.
E o que quer dizer isso?
Se todos os ingredientes iniciais somados são
comercializados por, digamos, R$ 10, e o bolo pronto (ou seja: os mesmos
ingredientes, mas agora na forma de bolo pronto) é comercializado por R$ 13, a
única conclusão a que podemos chegar é que a produção aumentou em R$ 3 o valor
daqueles ingredientes.
(Uma análise mais rigorosa levaria em conta também o
equipamento que ele utiliza, a energia elétrica, o aluguel da cozinha, seu
próprio trabalho, e muito mais coisas. Considerar todos esses insumos não
alteraria em nada o que está sendo explicado, mas complicaria desnecessariamente
a explicação e por isso foi dispensado.)
Economistas dizem, portanto, que o confeiteiro
produziu R$ 3 em bens. Ele acrescentou R$ 3 de valor aos R$ 10 inicias. Ele
produziu e criou valor.
Poderia ter sido outro bem, como um chapéu, um
guarda-chuva, um computador, um carro ou um navio. Poderia ter sido um serviço,
como uma consulta médica, um reparo em automóvel, a instalação de encanamentos
ou luz elétrica em edifícios ou uma aula de pintura.
E é claro que diversas pessoas podem se aliar e
cooperar para produzir algo, cada uma contribuindo com uma pequena parte.
O que todos esses casos têm em comum é que o
trabalho de uma ou mais pessoas foi convertido, por meio da produção, em algo
útil para a humanidade, esse algo sendo material ou não.
Você provavelmente já ouviu falar no PIB, o Produto
Interno Bruto. Embora possua
imperfeições, esse número nada mais é do que:
- a
somatória de tudo o que foi produzido de bens e serviços (produto)
- em
um determinado espaço geográfico (interno)
- desconsiderando-se
as depreciações (bruto)
- e
durante um determinado intervalo de tempo (geralmente um ano).
O PIB é, portanto, a somatória dos valores de todos
os bens e serviços que são produzidos na economia: todos os bolos, livros,
mobília, carros, geladeiras, fogões, aulas de inglês, pizzas, apresentações de
dança etc.
Se você trabalha e produz um bem ou um serviço, você
certamente contribui sua parcela para o PIB de sua economia, o PIB de seu país,
e o PIB mundial.
Esta é a produção pela ótica da criação de produto.
Mas podemos vê-la também como criação de riqueza e,
consequentemente, renda. Quando o confeiteiro termina seu bolo, ele está R$ 3
mais rico do que quando começou. Isso porque se somarmos e compararmos tudo o
que ele tinha antes e depois da produção, houve um aumento de R$ 3 -- ou uma renda de
R$ 3.
Em economia, riqueza não tem o mesmo sentido que
geralmente se atribui à palavra. Não estamos falando de luxo ou fortuna, mas de
qualquer produto como alimentos, vestuário, moradia, remédios, computadores,
eletrodomésticos, caminhões, tratores etc. O aumento da oferta destes bens
configura aumento da riqueza.
Quanto mais bens e serviços disponíveis a um
indivíduo, mais rico ele será. Quanto mais bens e serviços disponíveis aos
habitantes de uma economia, melhor será sua condição de vida -- e,
consequentemente, menor será sua pobreza absoluta.
Dado que nosso personagem é confeiteiro por profissão,
ele provavelmente decidirá vender essa riqueza que ele criou (o bolo) e usar o
dinheiro para comprar outras riquezas que satisfaçam suas próprias necessidades
-- o consumo.
Ele pode usar o dinheiro para pagar parte do seu
aluguel, parte de uma viagem, ou um pacote de figurinhas para seu filho. A
possibilidade de realizar esse consumo é o que dá qualidade de vida às
pessoas. Ninguém tem qualidade de vida quando não tem onde morar, roupa para
vestir, comida para comer, acesso a tratamentos médicos, e por aí vai.
Por isso, o padrão de vida dos habitantes de um país
é determinado pela abundância de bens e serviços que podem ser adquiridos com a
renda de sua produção.
Quanto maior a quantidade de bens e serviços
ofertados, e quanto maior a diversidade dessa oferta, maior será o padrão de
vida da população. Quanto maior a oferta de alimentos, quanto maior a variedade
de restaurantes e de supermercados, de serviços de saúde e de educação, de bens
como vestuário, imóveis, eletrodomésticos, materiais de construção,
eletroeletrônicos e livros, de pontos comerciais, de shoppings, de cinemas
etc., maior tenderá a ser a qualidade de vida da população.
Perceba como cada um desses eventos decorre do
anterior, começando com a produção. Só é possível atingir o último quando temos
o primeiro, e cada etapa faz parte de um processo maior.

A
produção não é um fim em si mesmo, mas uma etapa impossível de ser abolida
É evidente que a razão que leva alguém a decidir
produzir não é o trabalho de produzir em si, mas a melhora na qualidade de vida
que esse trabalho lhe proporciona. A pessoa está atuando em uma ponta do fluxo,
mas olhando para a outra.
O objetivo final de toda e qualquer produção é o
consumo. A pessoa produz (aumenta a oferta de bens e serviços) para obter os
meios (renda, dinheiro) com os quais poderá consumir outros bens e serviços.
Ou seja, as pessoas ofertam para poderem demandar.
Não deveria ser surpresa, portanto, que, ao se introduzirem
desvios nesse fluxo (ou seja, quando nem toda a produção inicial pode ser
convertida em qualidade de vida para a mesma pessoa), as pessoas
escolham por diminuir sua produção de bens e serviços na economia.
Isso ocorre, por exemplo, quando governos passam a
tributar pesadamente a renda do trabalho ou o lucro dos investimentos. Ou então
quando o investimento e a produção são afetados por uma moeda instável.
Ou mesmo quando o próprio ato de produzir é estorvado por regulamentações e
burocracias que servem apenas para onerar o trabalho.
Países que cometeram esses erros em larga escala
invariavelmente viram queda em suas produções até que esse vazamento fosse
desfeito. O exemplo mais evidente desta dicotomia aplicada a um mesmo país são os
EUA da década de 1970 com os EUA da década de 1980: na década de 1970, a moeda
era inflacionada e instável, e todos os tipos de trabalho e produção eram
pesadamente tributados. Como consequência, o país vivenciou uma prolongada estagflação.
Isso foi revertido na década de 1980, com desoneração sobre a produção e redução
de impostos sobre o investimento e sobre a renda (o que incentiva mais trabalho
e produção), e estabilização da moeda, e como consequência o país vivenciou um grande
boom econômico com baixa inflação de preços.
Esse é o motivo de economistas serem tão reticentes
a medidas que desestimulem ou onerem a produção -- e essa resistência é
frequentemente vista como exagerada por aqueles que não estudaram economia.
Mas esse desvio de recursos no meio do fluxo,
felizmente, tem sido exceção. Ao longo da história, quem produz, na maioria das
vezes, consegue manter boa parte da riqueza criada até o final do fluxo. Não
por acaso, vemos um aumento cada vez maior no produto e na qualidade de vida ao
redor do mundo.




A questão que fica é se queremos acelerar ou frear
esse processo.
Se quisermos acelerar, a produção deve ser
desonerada e facilitada ao máximo. Se não quisermos, basta então apenas incentivarmos
a demanda sem atentarmos para o lado da oferta. Isso é o que foi feito recentemente no Brasil.
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