N. do T.: o artigo a seguir é uma
transcrição de uma entrevista dada pelo professor Hoppe.
O sistema político que todos fomos ensinados a venerar desde cedo -- seja
pelas escolas cujos currículos são controlados pelo governo, seja pela mídia
serviçal ao estado -- é a democracia.
O que quero argumentar aqui é que a antiga forma de governo, a monarquia,
não só era muito mais limitada, como também era mais pacífica, menos
totalitária e mais propensa ao desenvolvimento de um país do que a democracia.
Democracia
x Monarquia
O primeiro ponto a ser enfatizado é: estados -- sejam eles monárquicos ou
democráticos -- não são empresas. Eles não produzem nada para ser vendido no
mercado, e, como tal, suas receitas não advêm da venda voluntária de bens e
serviços.
Ao contrário: estados vivem da coleta de impostos, que são pagamentos
coercivos coletados sob ameaça de violência.
Portanto, sendo um anarcocapitalista, não sou apologista nem da monarquia e
nem da democracia. Porém, se tiver de
escolher um desses dois regimes maléficos, então é seguro dizer que a monarquia
tem certas vantagens.
A razão é que os reis eram normalmente vistos pela população como aquilo que
realmente eram: indivíduos privilegiados que podiam tributar seus súditos. E como todos sabiam que não podiam se tornar
reis, havia uma certa resistência dos súditos contra as tentativas dos reis de
aumentar impostos e expandir a exploração.
Sob a democracia, surge a ilusão de que nós somos nossos próprios
governantes, de que governamos a nós mesmos. Entretanto, como já deveria estar mais do que
claro, sob a democracia também existem soberanos e os súditos desses
soberanos. Porém, o fato de que qualquer
um pode potencialmente se tornar um funcionário público é algo que, além de
também ajudar a estimular a ilusão de que governamos a nós mesmos, leva a uma
redução daquela resistência que havia contra os reis quando estes tentavam aumentar
suas receitas tributárias - afinal, o aumento da receita do estado ser-lhe-á
favorável caso você seja um dos soberanos.
Há ainda outras desvantagens da democracia.
Na monarquia, o rei pode ser visto como uma pessoa que considera o país sua
propriedade privada, e as pessoas que vivem nele são seus inquilinos, que pagam
um tipo de aluguel ao rei.
Por outro lado, consideremos os políticos eleitos sob um sistema democrático.
Estes políticos não são os proprietários
do país da maneira como um rei o é; eles são meros zeladores temporários do
país, por um período que pode durar quatro anos, oito ou mais.
E a função de um proprietário é bastante diferente da função de um
zelador.
Imagine duas situações distintas: na primeira, você se torna o proprietário
de um imóvel. Você pode fazer o que
quiser com ele. Você pode morar nele
para sempre, você pode vendê-lo no mercado -- o que significa que você tem de
cuidar muito bem dele para que seu preço possa ser alto --, ou você pode
determinar quem será seu herdeiro.
Na
segunda situação, o proprietário desse imóvel escolhe você para ser o zelador
dele por um período de quatro anos.
Nesse caso, você não pode vendê-lo e não pode determinar quem será seu
herdeiro. Porém, você ganha um incentivo
novo: extrair o máximo possível de renda desse imóvel durante o período de
tempo que lhe foi concedido.
Isso
implica que, na democracia, o zelador temporário é incentivado a exaurir o
valor do capital agregado do país o mais rápido possível, pois, afinal, ele não
tem de arcar com os custos desse consumo de capital. O imóvel não é dele. Ele não tem o que perder com seu uso
irrefletido. Por outro lado, o rei, como
proprietário do imóvel, tem uma perspectiva de longo prazo muito maior que a do
zelador. O rei não vai querer exaurir o
valor agregado de seu imóvel o mais rapidamente possível porque isso se
refletiria em um menor preço do imóvel, o que significa que sua propriedade (o
país) seria legada ao seu herdeiro a um valor menor.
Portanto, o rei, por ter uma perspectiva de longo prazo muito maior, tem o
interesse de preservar -- ou, se possível, aumentar -- o valor do país, ao passo
que um político em uma democracia tem uma orientação voltada para o curto prazo
e quer maximizar sua renda o mais rapidamente possível. Ao fazer isso, ele inevitavelmente irá gerar
perdas no valor do capital de todo o país.
Guerras
As guerras sob um regime monárquico tendiam a ser, como certa vez descreveu
Mises, guerras exclusivamente entre soldados, ao passo que as guerras feitas
por democracias envolvem o homicídio em massa de civis em uma escala jamais vista
na história humana.
Essa diferença tem a ver novamente com o fato de que os monarcas consideram
o país como sua propriedade. Tipicamente,
os monarcas faziam guerras para resolver disputas de propriedade. "Quem é o dono de determinado castelo? Quem é
o dono de determinada província?" O
objetivo de uma guerra monárquica sempre era limitado e específico.
Já as guerras feitas por democracias tendem a ser guerras ideológicas. Ora
quer-se liberar um país de alguma ditadura, ora quer-se converter um país a uma
determinada ideologia. E é difícil determinar
quando tal objetivo foi de fato atingido.
A única maneira certa de atingi-lo é matando toda a população do país
que se está tentando invadir ou ocupar.
Um monarca, obviamente, jamais teria tal interesse, pois ele quer adicionar
-- em vez de destruir -- uma determinada província, uma determinada cidade ou
mesmo um determinado castelo à sua propriedade privada. E, para atingir esse objetivo
satisfatoriamente, é de seu interesse causar os mínimos danos possíveis -
afinal, de nada adianta adquirir bens destruídos e sem valor.
Portanto, embora para um monarca fosse mais fácil começar uma guerra, também
lhe era mais fácil determinar quando o objetivo havia sido atingido, o que dava
fim à guerra.
Nunca houve alguma motivação ideológica que levasse diferentes reis a
guerrearem entre si, ao passo que as democracias -- assim como as guerras
religiosas -- são um conflito de civilizações, um conflito de sistemas de
valores praticamente impossível de se controlar.
Ademais, as guerras iniciadas por reis eram vistas pelo público meramente
como um conflito entre monarcas, uma vez que os reis geralmente dependiam de
voluntários para lutarem suas guerras.
Já nas democracias, todo o país participa da guerra, todos os seus recursos
são forçosamente desviados para o esforço da guerra e nele são exauridos.
Com a democracia surgiu também o serviço militar obrigatório -- uma situação
típica em várias democracias atuais --, no qual os indivíduos são
obrigatoriamente recrutados e forçados a ir às guerras. O argumento utilizado para tal escravidão
mortal é: "já que agora você tem uma participação no estado (afinal, estamos em
uma democracia), você também tem de lutar as guerras do estado".
Já sob uma monarquia as pessoas não tinham uma participação no estado; o
estado era visto como pertencente ao rei, sendo os cidadãos uma entidade
completamente separada do estado. Por
causa disso, o envolvimento da população nas guerras monárquicas era muito limitado.
Nacionalismo
Erik von Kuehnelt-Leddihn costumava dizer que uma das coisas de que ele mais
gostava nos regimes monárquicos era o fato de que havia muito menos
nacionalismo -- o nacionalismo, obviamente, é uma característica democrática dos
séculos XX e XXI.
Sob a monarquia não havia nada de errado em ser, por exemplo, um nobre
germânico e ir trabalhar para a czarina da Rússia. Pessoas que lutavam em vários lados também
não eram consideradas "traidoras" da pátria.
Foi com a ascensão da democracia que tivemos a ascensão da beligerante e inauspiciosa
filosofia do nacionalismo.
As altas aristocracias foram, por assim dizer, as pessoas mais
"internacionais" da história da civilização.
Praticamente todos os altos nobres eram interrelacionados com
aristocratas de outros países. O Kaiser
alemão, por exemplo, tinha relações com os monarcas britânicos e russos. Todos os soberanos de Europa também tinham,
de alguma forma indireta, ligações com Maomé -- logo, com países islâmicos.
Quando havia contendas entre monarcas, estas eram vistas como brigas entre
famílias. Sendo assim, o sentimento de
nacionalismo era impossível de surgir -- até porque, novamente, os nobres eram a
mais internacionalista das classes de pessoas que existiam. Portanto, sentimentos nacionalistas eram
totalmente estranhos e atípicos para uma classe como aquela.
E isso certamente poupou várias vidas e evitou muito empobrecimento.