Quando assistimos à Olimpíada, temos a tendência a torcer de acordo com as nacionalidades. Torcemos para os atletas de nosso país contra
os do resto do mundo.
Embora não haja
nada de errado com esse tipo de diversão, o conceito do indivíduo nunca deve
ser perdido em meio ao ideal coletivista -- a crença de que os membros do
coletivo (a nação, nesse exemplo) são robôs sem personalidade dedicados a
servir ao todo.
Antes de continuar, deixe-me introduzir um termo matemático que irá ajudar a
expor a falácia do coletivo: o fractal. Resumidamente, um fractal é uma forma
geométrica que pode ser dividida em partes que são, cada uma, tão complexas
quanto o formato original da figura. Ou
seja: após essa divisão, cada parte terá sempre o mesmo formato da figura
original.
Considere uma árvore: os principais galhos são tão complexos quanto a árvore
em si. Em essência, o galho é "uma cópia em escala reduzida do
todo". Um galho plantado no chão
seria indistinguível de uma árvore.
Iterativamente, os galhos dos galhos são eles próprios cópias em escala
reduzida da árvore, e assim por diante.
Adicionalmente, considere imagens geradas por computador que tenham
qualidades fractais. Nesse caso,
desenha-se uma estrutura complexa que aparentemente possui bordas irregulares,
conquanto bem definidas. Uma análise
mais detalhada de uma borda vai revelar uma estrutura que é tão complexa quanto
a imagem original. Mantendo-se esse
procedimento iterativamente, uma análise mais detalhada da borda dessa borda
irá revelar novas e igualmente complexas estruturas, ad infinitum.
A
ideia básica é que cada observação revela uma nova complexidade e singularidade. Essencialmente, quanto mais conhecemos, menos
sabemos.
Agora
voltemos nossa atenção para a estrutura da sociedade.
A
topologia da sociedade possui qualidades fractais. Partindo-se de um ponto de vista global,
tendemos a ver os países como agregados homogêneos. Pressupomos que cada país possui certos
atributos que automaticamente se reproduzem em todos os seus habitantes --
existem chineses, existem americanos, existem indianos, existem russos e
existem brasileiros.
De
acordo com essa visão, o cidadão A do país X nada mais é do que uma personificação
ideal das características agregadas que são atribuídas a X. Imediatamente alegamos saber tudo sobre A
simplesmente porque sabemos que A é um cidadão de X. "Eles agem dessa forma porque ele é francês e
ela é russa". Essa é uma maneira
perigosa e excessivamente simplista de classificar homens e mulheres que agem,
como veremos.
Agora,
vamos aplicar o conceito de fractais e centrar nossa atenção apenas no país
X. Olhando-se exclusivamente para X, percebemos
variações dentre suas várias regiões. Em vez de um grupo homogêneo, descobrimos uma complexidade que é similar à
complexidade observada em relação aos outros países do mundo. Pegando-se os Estados Unidos como exemplo, é
possível perceber diferenças entre os residentes de Ohio e os da Califórnia,
por exemplo. Repentinamente, o americano
que até então víamos como um ser homogêneo passa a ser o agregado de vários
agrupamentos singulares.
Seríamos
arrojados ao ponto de criar o tipo ideal do nativo de Ohio? É óbvio que não, uma vez que uma análise mais
detalhada de Ohio vai revelar variações dentro do estado que são tão complexas
quanto aquelas entre os estados.
À
medida que vamos aprofundando essa análise iterativa, acabamos por chegar ao
pior dos agregados: a comunidade.
Escolhi
a comunidade porque ela é o conceito que permite que todas as análises mais
amplas tenham significado.
Todas
as ideias coletivistas começam pela comunidade.
Desde os primeiros dias no jardim de infância, as escolas martelam o
conceito de comunidade na mente das crianças.
As escolas instruem as crianças a se verem a si próprias como
componentes similares e indistinguíveis de suas comunidades, independente de se
a comunidade é a escola, um distrito escolar, o bairro ou alguma outra agregação.
Com
esse fim, as escolas se definem a si próprias como "comunidades de aprendizes"
-- não como uma comunidade de indivíduos, mas como uma comunidade cujos membros
anônimos esforçam-se pelo bem coletivo.
Questões
que afetam uma comunidade afetam cada membro (ou criança) igualmente. As crianças devem agir de maneira que deixem
orgulhosas suas escolas. Elas são
encorajadas a propor projetos comunitários e são obrigadas a se voluntariar
para serviços comunitários. A mensagem
implícita é a de que morrer -- de modo figurado, nesse caso -- pelo coletivo é o
destino a ser aspirado durante a vida.
Como disse Mises,
Para os adeptos do universalismo e do coletivismo, o indivíduo, ao sujeitar-se ao código
ético vigente, não o faz em benefício direto de seus interesses particulares; ao
contrário, ele está abstendo-se de realizar seus próprios objetivos em
benefício dos desígnios da Divindade ou da comunidade.
Entretanto, a comunidade sempre é mal definida. Seria a sua comunidade a sua vizinhança ou uma
das várias e sobrepostas subdivisões políticas?
Ou a sua comunidade é formada por aqueles cuja companhia você aprecia?
Quem pretende iniciar o estudo da ação humana a partir de entidades
coletivas esbarra num obstáculo insuperável, qual seja, o fato de que um
indivíduo pode pertencer ao mesmo tempo, e na realidade pertence -- com exceção
das tribos mais primitivas --, a várias entidades coletivas. Os problemas suscitados pela coexistência de
um grande número de entidades sociais e seus antagonismos recíprocos só podem
ser resolvidos pelo individualismo metodológico.
Uma vez que a ideia de comunidade cria raízes, as crianças passam a ter
dificuldades em se ver como qualquer outra coisa que não seja parte do
coletivo. Lamentavelmente, isso vai
seguir na criança por toda a sua vida adulta.
Assuntos tributários, por exemplo, são propostos para o bem da comunidade. E
os bons membros da comunidade devem sempre apoiar as finalidades coletivas.
Portanto, partindo-se da ideia de comunidade coletiva, é fácil ampliar o
escopo de atuação (ou tirar o zoom, se preferir) e incorporar maiores
horizontes, até que, finalmente, a nação coletiva e o seu governo são abordados. Se você deve se sacrificar para ser um membro
de sua comunidade local, você também deve se sacrificar para ser um membro da
sua nação, independentemente de suas políticas e ações.
Se a sociedade, ou o Estado, é uma entidade dotada de vontade e
intenção e de todas as outras qualidades que lhe são atribuídas pela doutrina
coletivista, então é simplesmente absurdo confrontar as aspirações triviais do
pobre indivíduo com os majestosos desígnios da sociedade e do Estado.
Entretanto, homens e mulheres dotados da capacidade de agir não são abelhas
que trabalham para o bem da colméia.
Quando humanos são controlados pela autoridade central, eles não mais
estão agindo; eles estão reagindo. E,
como Mises demonstrou há muito tempo, humanos que reagem aos comandos do
ditador não estão construindo uma colméia; eles estão simplesmente consumindo o
mel remanescente -- o capital -- e esperando passivamente períodos inevitavelmente
mais difíceis à frente.
Porém mesmo a comunidade é em si um agregado de vários agrupamentos
singulares. Uma análise mais detalhada
vai revelar a existência de famílias. E
mesmo as famílias são o produto de várias entidades singulares: homens,
mulheres e crianças que agem individualmente.
É essa complexidade -- a complexidade essencial do indivíduo -- que
explica por que discutir política e assuntos familiares entre membros de família
é algo tão delicado. Ela também explica
por que assistir a um jogo de futebol é mais seguro do que conversar informalmente
à mesa durante uma tarde de reunião familiar.
Mas é essa complexidade que permite o crescimento da divisão do
trabalho, que faz aprimorar e prosperar as economias.
Há duas visões da estrutura da sociedade.
Há a visão coletivista, que falsamente cria agregações características e
pressupõe que todos os membros são personificações ideais dessas características
agregadas. E há a visão austríaca, que enxerga
apenas o indivíduo e não tenta criar qualquer tipo de agregação.
Todas as variantes de credos coletivistas estão unidas na sua
implacável hostilidade às instituições políticas fundamentais do sistema
liberal: respeito à propriedade privada, tolerância para com as opiniões divergentes,
liberdade de pensamento, de expressão e de imprensa, igualdade de todos perante
a lei.
O coletivista mancha a face do indivíduo, fazendo com que o caminho para os
maléficos "ismos" do nosso mundo seja relativamente fácil e desejável.
Os austríacos, por outro lado, veem o indivíduo independentemente da
geopolítica em voga, e é o foco no indivíduo que leva cada vez mais à
liberdade.
Torça para seu atleta ou equipe favoritos. E alegre-se com
os fractais que são seus vizinhos, amigos e colegas. Não os perca em uma neblina coletiva.