Diz uma frase famosa, muito citada: "O melhor governo é o que menos
governa". Esta não me parece uma caracterização adequada das funções de um
bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é
necessário e para as quais foi instituído. Tem o dever de proteger as
pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de
bandidos, bem como de defender o país contra inimigos externos. São estas
as funções do governo num sistema livre, no sistema da economia de mercado.
No socialismo, obviamente, o governo é totalitário, nada escapando à sua
esfera e sua jurisdição. Mas na economia de mercado, a principal
incumbência do governo é proteger o funcionamento harmônico desta economia
contra a fraude ou a violência originadas dentro ou fora do país. Os que
discordam desta definição das funções do governo poderão dizer: "Este homem
abomina o governo". Nada poderia estar mais longe da verdade. Se
digo que a gasolina é um liquido de grande serventia, útil para muitos
propósitos, mas que, não obstante, eu não a beberia, por não me parecer esse o
uso próprio para o produto, não me converto por isso num inimigo da gasolina,
nem se poderia dizer que odeio a gasolina. Digo apenas que ela é muito
útil para determinados fins, mas inadequada para outros. Se digo que é
dever do governo prender assassinos e demais criminosos, mas que não é seu
dever abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que eu
odeie o governo apenas por afirmar que ele está qualificado para fazer
determinadas coisas, mas não o está para outras.
Já se disse que, nas condições atuais, não temos mais uma economia de
mercado livre. O que temos nas condições presentes é algo a que se dá o
nome de "economia mista". E como provas da efetividade dessa
nossa "economia mista", apontam-se as muitas empresas de que o
governo é proprietário e gestor. A economia é mista, diz-se, porque, em
muitos países, determinadas instituições - como as companhias de telefone e
telégrafo, as estradas de ferro - são de posse do governo e administradas por
ele. Não há dúvida de que algumas dessas instituições e empresas são
geridas pelo governo. Mas esse fato não é suficiente para alterar
o caráter do nosso sistema econômico. Nem sequer significa que se tenha
instalado um "pequeno socialismo" no âmago do que seria - não fosse a
intrusão dessas empresas de gestão governamental - a economia de mercado livre
e não socialista. Isto porque o governo, ao dirigir essas empresas, está
subordinado à supremacia do mercado, o que significa que está subordinado à
supremacia dos consumidores.
Ao administrar, digamos, o correio ou as estradas de ferro, ele é obrigado a
contratar pessoal para trabalhar nessas empresas. Precisa também comprar
as matérias-primas e os demais produtos necessários à operação das
mesmas. E, por outro lado, o governo "vende" esses serviços e
mercadorias para o público. Todavia, embora administre essas instituições
utilizando os métodos do sistema econômico livre, o resultado, via de regra, é
um déficit. O governo, contudo, tem condições de financiar esse déficit -
pelo menos é esta a firme convicção não só dos seus integrantes como também dos
que se ligam ao partido no poder.
A situação do indivíduo é bem diversa. Sua capacidade de gerir um
empreendimento deficitário é muito restrita. Se o déficit não for logo
eliminado, e se a empresa não se tomar lucrativa (ou pelo menos dar mostras de
que não está incorrendo em déficits ou prejuízos adicionais), o indivíduo vai à
falência e a empresa acaba. Já o governo goza de condições
diferentes. Pode ir em frente com um déficit, porque tem o poder de impor
tributos à população. E se os contribuintes se dispuserem a pagar
impostos mais elevados para permitir ao governo administrar uma empresa
deficitária - isto é, administrar com menos eficiência do que o faria uma
instituição privada -, ou seja, se o público tolerar esse prejuízo, então
obviamente a empresa se manterá em atividade. Nos últimos anos, na
maioria dos países, procedeu-se à estatização de um número crescente de
instituições e empresas, a tal ponto que os déficits cresceram muito além do
montante possível de ser arrecadado dos cidadãos através de impostos. O
que acontece nesse caso não é o tema da palestra de hoje. A consequência
é a inflação, assunto que devo abordar amanhã. Mencionei isso apenas
porque a economia mista não deve ser confundida com o problema do intervencionismo,
sobre o qual quero falar esta noite.
Que é o intervencionismo? O intervencionismo significa a não-restrição, por
parte do governo, de sua atividade, em relação à preservação da ordem, ou -
como se costumava dizer cem anos atrás - em relação à "produção da
segurança". O intervencionismo revela um governo desejoso de fazer
mais. Desejoso de interferir nos fenômenos de mercado. Alguém que
discorde, afirmando que o governo não deveria intervir nos negócios, poderá
ouvir, com muita frequência, a seguinte resposta: "Mas o governo sempre
interfere, necessariamente. Se há policiais nas ruas, o governo está
interferindo. Interfere quando um assaltante rouba uma loja ou quando
evita que alguém furte um automóvel". Mas quando falamos de
intervencionismo, e definimos o significado do termo, referimo-nos à
interferência governamental no mercado. (Que o governo e a polícia se
encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de negócio e,
evidentemente, seus empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do
exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária, algo a se esperar
de qualquer governo. Essa proteção não constitui uma intervenção, pois a
única função legítima do governo é, precisamente, produzir segurança.) Quando
falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que experimenta o governo
de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O intervencionismo
significa que o governo não somente fracassa em proteger o funcionamento harmonioso
da economia de mercado, como também interfere em vários fenômenos de mercado:
interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juro e de lucro.
O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a
conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de
obedecer apenas aos consumidores. Assim, todas as medidas de
intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do
consumidor. O governo quer arrogar a si mesmo o poder - ou pelo menos
parte do poder - que, na economia de mercado livre, pertence aos
consumidores. Consideremos um exemplo de intervencionismo bastante
conhecido em muitos países e experimentado, vezes sem conta, por inúmeros
governos, especialmente em tempos de inflação. Refiro-me ao controle de
preços. Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de
terem inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar
do decorrente aumento dos preços. Há muitos e famosos exemplos históricos
do fracasso de métodos de controle dos preços, mas mencionarei apenas dois,
porque em ambos os governos foram, de fato, extremamente enérgicos ao impor, ou
tentar impor, seus controles de preço.
O primeiro exemplo famoso é o caso do imperador romano Diocleciano, notório
como o último imperador romano a perseguir os cristãos. Na segunda metade
do século III, os imperadores romanos dispunham de um único método financeiro:
desvalorizar a moeda corrente por meio de sua adulteração. Nessa época
primitiva, anterior à invenção da máquina impressora, até a inflação era, por
assim dizer, primitiva. Envolvia o enfraquecimento do teor da liga
metálica com que se cunhavam as moedas, especialmente as de prata. O
governo misturava à prata quantidades cada vez maiores de cobre, até que a cor
das moedas se alterou e o peso se reduziu consideravelmente. A
consequência dessa adulteração das moedas e do aumento associado da quantidade
de dinheiro em circulação foi uma alta dos preços, seguida de um decreto destinado
a controlá-los. E os imperadores romanos não primavam pela moderação no
fazer cumprir suas leis: a morte não lhes parecia uma punição demasiado severa
para quem ousasse cobrar preços mais elevados que os estipulados.
Conseguiram impor o controle de preços, mas foram incapazes de preservar a
sociedade. A consequência foi a desintegração do Império Romano e do
sistema da divisão do trabalho.
Quinze séculos mais tarde, a mesma adulteração do dinheiro teve lugar
durante a Revolução Francesa. Mas desta vez utilizou-se um método
diferente. A tecnologia para a produção de dinheiro fora
consideravelmente aperfeiçoada. Os franceses já não precisavam recorrer à
adulteração da liga metálica empregada na cunhagem das moedas: tinham a máquina
impressora. E esta era extremamente eficiente. Mais uma vez, o
resultado foi uma elevação dos preços sem precedentes. Mas na Revolução
Francesa os preços máximos não foram garantidos através do mesmo método de
aplicação da pena capital de que lançara mão o imperador Diocleciano.
Produzira-se um aperfeiçoamento também na técnica de matar cidadãos.
Todos se lembram do famoso doutor J. I. Guillotin (1738-1814), o inventor da
guilhotina. No entanto, apesar da guilhotina, os franceses também
fracassaram com suas leis de preço máximo. Quando chegou a vez de
Robespierre ser conduzido numa carroça rumo à guilhotina, o povo gritava:
"Lá vai o bandido-mor!". Se menciono este fato é porque é comum
ouvir: "O que é preciso para dar eficácia e eficiência ao controle de
preços é apenas maior implacabilidade e maior energia". Ora,
Diocleciano foi indubitavelmente implacável, como também o foi a Revolução
Francesa. Não obstante, as medidas de controle de preço fracassaram por
completo em ambos os casos.
Analisemos agora as razões desse fracasso. O governo ouve as queixas
do povo de que o preço do leite subiu. E o leite é, sem dúvida, muito
importante, sobretudo para a geração em crescimento, para as crianças.
Por conseguinte, estabelece um preço máximo para esse produto, preço máximo que
é inferior ao que seria o preço potencial de mercado. Então o governo
diz: "Estamos certos de que fizemos tudo o que era preciso para permitir
aos pobres a compra de todo o leite de que necessitam para alimentar os
filhos".
Mas que acontece? Por um lado, o menor preço do leite provoca o aumento da
demanda do produto; pessoas que não tinham meios de comprá-lo a um preço mais
alto, podem agora fazê-lo ao preço reduzido por decreto oficial. Por
outro lado, parte dos produtores de leite, aqueles que estão produzindo a
custos mais elevados - isto é, os produtores marginais - começam a sofrer
prejuízos, visto que o preço decretado pelo governo é inferior aos custos do
produto. Este é o ponto crucial na economia de mercado. O
empresário privado, o produtor privado, não pode sofrer prejuízo no cômputo
final de suas atividades. E como não pode ter prejuízos com o leite,
restringe a venda deste produto para o mercado. Pode vender algumas de
suas vacas para o matadouro; pode também, em vez de leite, fabricar e vender
derivados do produto, como coalhada, manteiga ou queijo.
A interferência do governo no preço do leite redunda, pois, em menor
quantidade do produto do que a que havia antes, redução que é concomitante a
uma ampliação da demanda. Algumas pessoas dispostas a pagar o preço
decretado pelo governo não conseguirão comprar leite. Outro efeito é a
precipitação de pessoas ansiosas por chegarem em primeiro lugar às lojas.
São obrigadas a esperar do lado de fora. As longas filas diante das lojas
parecem sempre um fenômeno corriqueiro numa cidade em que o governo tenha
decretado preços máximos para as mercadorias que lhe pareciam importantes.
Foi o que se passou em todos os lugares onde o preço do leite foi
controlado. Por outro lado, isso foi sempre prognosticado pelos
economistas - obviamente apenas pelos economistas sensatos, que, aliás, não são
muito numerosos. Mas qual é a consequência do controle governamental de
preços? O governo se frustra. Pretendia aumentar a satisfação dos consumidores
de leite, mas na verdade, descontentou-os. Antes de sua interferência, o
leite era caro, mas era possível comprá-lo. Agora a quantidade disponível
é insuficiente. Com isso, o consumo total se reduz. As crianças
passam a tomar menos leite, e chegam a não mais tomá-lo. A medida a que o
governo recorre em seguida é o racionamento. Mas racionamento significa
tão somente que algumas pessoas são privilegiadas e conseguem obter leite,
enquanto outras ficam sem nenhum. Quem obtém e quem não obtém é obviamente
algo sempre determinado de forma muito arbitrária. Pode ser estipulado,
por exemplo, que crianças com menos de quatro anos de idade devem tomar leite,
e aquelas com mais de quatro, ou entre quatro e seis, devem receber apenas a
metade da ração a que as menores fazem jus.
Faça o governo o que fizer, permanece o fato de que só há disponível uma
menor quantidade de leite. Consequentemente, a população está ainda mais
insatisfeita que antes. O governo pergunta, então, aos produtores de
leite (porque não tem imaginação suficiente para descobrir por si mesmo):
"Por que não produzem a mesma quantidade que antes?". Obtém a
resposta: "É impossível, uma vez que os custos de produção são superiores
ao preço máximo fixado pelo governo". As autoridades se põem em seguida
a estudar os custos dos vários fatores de produção, vindo a descobrir que um
deles é a ração. "Pois bem", diz o governo, "o mesmo
controle que impusemos ao leite, vamos aplicar agora à ração.
Determinaremos um preço máximo para ela e os produtores de leite poderão
alimentar seu gado a preços mais baixos, com menor dispêndio. Com isto,
tudo se resolverá: os produtores de leite terão condições de produzir em maior
quantidade e venderão mais." Que acontece nesse caso? Repete-se, com a
ração, a mesma história acontecida com o leite, e, como é fácil depreender,
pelas mesmíssimas razões. A produção de ração diminui e as autoridades
se veem novamente diante de um dilema.
Nessas circunstâncias, providenciam novos interlocutores, no intuito de
descobrir o que há de errado com a produção de ração. E recebem dos
produtores de ração uma explicação idêntica à que lhes fora fornecida pelos
produtores de leite. De sorte que o governo é compelido a dar um outro
passo, já que não quer abrir mão do princípio do controle de preços.
Determina preços máximos para os bens de produção necessários à produção de
ração. E a mesma história, mais uma vez, se desenrola. Assim, o
governo começa a controlar não mais apenas o leite, mas também os ovos, a carne
e outros artigos essenciais. E todas as vezes alcança o mesmo resultado,
por toda parte a consequência é a mesma. A partir do momento em que fixa
preços máximos para bens de consumo, vê-se obrigado a recuar no sentido dos
bens de produção, e a limitar os preços dos bens de produção necessários à
elaboração daqueles bens de consumo com preços tabelados. E assim o
governo, que começara com o controle de alguns poucos fatores, recua cada vez
mais em direção à base do processo produtivo, fixando preços máximos para todas
as modalidades de bens de produção, incluindo-se ai, evidentemente, o preço da
mão-de-obra, pois, sem controle salarial, o "controle de custos"
efetuado pelo governo seria um contra-senso.
Ademais, o governo não tem como limitar sua interferência no mercado apenas
ao que se lhe afigura como bem de primeira necessidade: leite, manteiga, ovos e
carne. Precisa necessariamente incluir os bens de luxo, porquanto, se não
limitasse seus preços, o capital e a mão-de-obra abandonariam a produção dos
artigos de primeira necessidade e acorreriam à produção dessas mercadorias que
o governo reputa supérfluas. Portanto, a interferência isolada no preço
de um ou outro bem de consumo sempre gera efeitos - e é fundamental
compreendê-lo - ainda menos satisfatórios que as condições que prevaleciam
anteriormente: antes da interferência, o leite e os ovos são caros; depois,
começam a sumir do mercado.
O governo considerava esses artigos tão importantes que interferiu; queria
torná-los mais abundantes, ampliar sua oferta. O resultado foi o
contrário: a interferência isolada deu origem a uma situação que - do ponto de
vista do governo - é ainda mais indesejável que a anterior, que se
pretendia alterar. E o governo acabará por chegar a um ponto em que todos
os preços, padrões salariais, taxas de juro, em suma, tudo o que compõe o
conjunto do sistema econômico, é determinado por ele. E isso, obviamente,
é socialismo.
O que lhes apresentei aqui, nesta explanação esquemática e teórica, foi
precisamente o que ocorreu nos países que tentaram impor preços máximos, países
cujos governos foram teimosos o bastante para avançarem passo a passo até a
própria derrocada. Foi o que aconteceu, na Primeira Guerra Mundial, com a
Alemanha e a Inglaterra. Analisemos a situação que existia nos dois
países. Ambos experimentavam a inflação. Como os preços subiam, os
dois governos impuseram controles sobre eles. Tendo começado com apenas
alguns preços, nada mais que leite e ovos, foram forçados a avançar cada vez
mais. Mais a guerra se prolongava, maior se tornava a inflação. E
após três anos de guerra, os alemães - de maneira sistemática, como é de seu
estilo - elaboraram um grande plano. Chamaram-no Plano Hindenburg
(naquela época, tudo na Alemanha que parecia bom ao governo era batizado de
Hindenburg).
O Plano Hindenburg estabelecia o controle governamental sobre todo o sistema
econômico do país: preços, salários, lucros..., tudo. E a burocracia
tratou imediatamente de pôr em prática este plano. Mas, antes de concluí-lo,
veio a derrocada: o Império Alemão desintegrou-se, o aparelho burocrático
esfacelou-se, a revolução produziu seus efeitos terríveis - tudo chegou ao
fim. Os fatos, na Inglaterra, inicialmente ocorreram dessa mesma maneira,
mas, depois de algum tempo, na primavera de 1917, os Estados Unidos entraram na
guerra e abasteceram os ingleses com quantidades suficientes de tudo.
Dessa forma, o caminho do socialismo, o caminho da servidão, foi obstado.
Antes da ascensão de Hitler ao poder, o controle de preços foi mais uma vez
introduzido na Alemanha pelo chanceler Brüning, pelas razões de costume.
O próprio Hitler aplicou-o antes mesmo do início da guerra: na Alemanha de
Hitler não havia empresa privada ou iniciativa privada. Na Alemanha de
Hitler havia um sistema de socialismo que só diferia do sistema russo na medida
em que ainda eram mantidos a terminologia e os rótulos do sistema de
livre economia. Ainda existiam "empresas privadas", como eram
denominadas. Mas o proprietário já não era um empresário; chamavam-no
"gerente" ou "chefe" de negócios (Betriebsführer).
Todo o país foi organizado numa hierarquia de führers; havia o Führer
supremo, obviamente Hitler, e em seguida uma longa sucessão de führers, em
ordem decrescente, até os führers do último escalão. E, assim, o
dirigente de uma empresa era o Betriebsführer. O conjunto de seus
empregados, os trabalhadores da empresa, era chamado por uma palavra que, na
Idade Média, designara o séquito de um senhor feudal: o Gefolgschaft. E
toda essa gente tinha de obedecer às ordens expedidas por uma instituição que
ostentava o nome assustadoramente longo de Reichsführerwirtschaftsministerium (Ministério da Economia do Império),
a cuja frente estava o conhecido gorducho Goering, enfeitado de jóias e
medalhas. E era desse corpo de ministros de nome tão comprido que
emanavam todas as ordens para todas as empresas: o que produzir, em que
quantidade, onde comprar matérias-primas e quanto pagar por elas, a quem vender
os produtos e a que preço. Os trabalhadores eram designados para
determinadas fábricas e recebiam salários decretados pelo governo. Todo o
sistema econômico era agora regulado, em seus mínimos detalhes, pelo governo.
O Betriebsführer não tinha o direito de se apossar dos lucros;
recebia o equivalente a um salário e, se quisesse receber uma soma maior,
diria, por exemplo: "Estou muito doente, preciso me submeter a uma
operação imediatamente, e isso custará quinhentos marcos". Nesse caso, era
obrigado a consultar o führers do distrito (o Gauführer ou Gauleiter),
que o autorizaria - ou não - a fazer uma retirada superior ao salário que
lhe era destinado. Os preços já não eram preços, os salários já não eram
salários - não passavam de expressões quantitativas num sistema de
socialismo.
Permitam-me agora contar-lhes como esse sistema entrou em colapso. Um
dia, após anos de combate, os exércitos estrangeiros chegaram à Alemanha.
Procuraram conservar esse sistema econômico de direção governamental; mas para
isso teria sido necessária a brutalidade de Hitler. Sem ela, o sistema não
funcionou. Enquanto isso acontecia na Alemanha, durante a Segunda Guerra
Mundial, a Grã-Bretanha fazia exatamente a mesma coisa: a partir do controle do
preço de algumas mercadorias, o governo britânico começou, passo a passo (assim
como Hitler procedera em tempo de paz, antes mesmo de deflagrada a guerra), a
controlar cada vez mais a economia, até que, por ocasião do término da guerra,
tinham chegado a algo muito próximo do puro socialismo.
A Grã-Bretanha não foi conduzida ao socialismo pelo governo do Partido
Trabalhista, estabelecido em 1945. Ela se tornou socialista durante a
guerra, ao longo do governo que tinha à frente, como primeiro-ministro, Sir Winston
Churchill. O governo trabalhista simplesmente manteve o sistema de
socialismo já introduzido pelo governo de Sir Winston Churchill. E
isso a despeito da grande resistência do povo. A estatizações efetuadas
na Grã-Bretanha não tiveram grande significado. A estatização do Banco da
Inglaterra foi inócua visto que essa instituição financeira já estava sob
completo controle governamental. E o mesmo se deu com a estatização das
estradas de ferro e da indústria do aço. O "socialismo de
guerra", como era chamado - denotando o sistema de intervencionismo
implantando passo a passo - já estatizara praticamente todo o sistema.
A diferença entre o sistema alemão e o britânico não foi significativa,
porquanto seus gestores tinham sido designados pelo governo e, em ambos os
casos, eram obrigados a cumprir as ordens do governo em todos os
detalhes. Como eu disse antes, o sistema dos nazistas alemães conservou
os rótulos e termos da economia capitalista de livre mercado. Mas essas
expressões adquiriram um significado muito diverso: já não passavam agora de
decretos governamentais.
Isto também se aplica ao sistema britânico. Quando o Partido
Conservador foi reconduzido ao poder, alguns desses controles foram
suprimidos. Temos hoje na Grã-Bretanha tentativas, por um lado, de
conservar os controles e, por outro, de aboli-los (mas não se deve esquecer que
as condições existentes na Inglaterra são muito diferentes das que prevalecem
na Rússia). O mesmo se passou em outros países que, por dependerem da
importação de alimentos e de matérias-primas, foram obrigados a exportar bens
manufaturados. Em países profundamente dependentes do comércio de
exportações, um sistema de controle governamental simplesmente não funciona.
Assim, a subsistência de alguma liberdade econômica (e ainda existe uma
substancial liberdade em países como a Noruega, a Inglaterra, a Suécia) é fruto
da necessidade de preservar o comércio de exportação. Aliás, se
escolhi anteriormente o exemplo do leite, não foi por ter alguma predileção
especial pelo produto, mas porque praticamente todos os governos - ou sua
grande maioria - regulamentaram, nas últimas décadas, os preços do leite, dos
ovos ou da manteiga.
Quero lembrar, em poucas palavras, um outro exemplo, o do controle do
aluguel. Uma das consequências do controle dos aluguéis por parte
do governo é que pessoas que teriam - por causa de alterações na situação
familiar - de mudar de apartamentos maiores para outros menores, já não o
fazem. Considere-se, por exemplo, um casal cujos filhos saíram de casa em
outras cidades. Casais como este tendiam a se mudar, passando a habitar
apartamentos menores e mais baratos. Com a imposição do controle sobre os
aluguéis, essa necessidade desaparece.
Em Viena, no começo da década de 20, o controle do aluguel estava firmemente
estabelecido. Assim, a quantia que um locador recebia por um apartamento
de dimensões médias, submetido a controle de aluguel, não excedia o dobro do
preço de uma passagem de bonde - sistema de transporte pertencente à
municipalidade. Pode-se imaginar que não se tinha incentivo algum para
mudar de apartamento. E, por outro lado, não se construíam novas
casas. Condições semelhantes prevaleceram nos Estados Unidos após a
Segunda Guerra Mundial e perduram até hoje em muitas cidades americanas.
Uma das principais razões por que muitas cidades nos Estados Unidos se
encontram em enorme dificuldade financeira reside na adoção do controle sobre
os aluguéis, com a decorrente escassez de moradias. Ela se produziu pelas
mesmas razões que acarretaram a escassez do leite quando seu preço foi
controlado. Isto significa: sempre que se interfere no mercado, o governo
é progressivamente impelido ao socialismo.
E esta é a resposta aos que dizem: "Não somos socialistas, não queremos
que o governo controle tudo. Mas por que não poderia ele interferir um
pouco no mercado? Por que não poderia abolir determinadas coisas que nos
desagradam?" Essas pessoas falam de uma política de
"meio-termo". O que não se percebe é que a interferência isolada,
isto é, a interferência num único pequeno detalhe do sistema econômico,
produz uma situação que ao próprio governo - e àqueles que estão reivindicando
a sua interferência - parecerá pior que aquelas condições que se
pretendia abolir: os que propunham o controle dos aluguéis ficam irritados ao
se darem conta da escassez de apartamentos e moradias em geral.
Mas essa escassez de moradias foi gerada precisamente pela interferência do
governo, pela fixação dos aluguéis num padrão inferior ao que se iria pagar num
sistema de livre mercado. A ideia de que existe, entre o socialismo e o
capitalismo, um terceiro sistema - como o chamam seus defensores -, o
qual, sendo equidistante do socialismo e do capitalismo, conservaria as
vantagens e evitaria as desvantagens de um e de outro, é puro
contra-senso. Os que acreditam na existência possível desse sistema
mítico podem chegar a ser realmente líricos quando tecem loas ao
intervencionismo. Só o que se pode dizer é que estão equivocados. A
interferência governamental que exaltam dá lugar a situações que desagradariam
a eles mesmos.
Uma das questões que abordarei mais tarde é a do protecionismo: o governo
procura isolar o mercado interno do mercado mundial. Introduz tarifas que
elevam o preço interno da mercadoria acima do preço em que é cotada no mercado
mundial, o que possibilita aos produtores nacionais a formação de cartéis.
Logo em seguida, o mesmo governo investe contra os cartéis, declarando:
"Nestas condições, impõe-se uma legislação anticartel."
Foi precisamente esse o procedimento da maioria dos governos europeus.
Nos Estados Unidos, somam-se a isso razões adicionais para a legislação
antitruste e para a campanha governamental contra o fantasma do
monopólio. É absurdo ver o governo - que gera, por meio do próprio
intervencionismo, as condições que possibilitam a emergência de cartéis
nacionais - voltar-se contra o meio empresarial, dizendo: "Há cartéis,
portanto é necessária a interferência do governo nos negócios".
Seria muito mais simples evitar a formação de cartéis sustando a
interferência governamental no mercado - interferência esta que vem a gerar as
possibilidades de formação desses cartéis. A ideia da interferência
governamental como "solução" para problemas econômicos dá margem, em
todos os países, a circunstâncias no mínimo extremamente insatisfatórias e, com
frequência, caóticas. Se não for detida a tempo, o governo acabará por
implantar o socialismo.
Não obstante, a interferência do governo nos negócios continua a gozar de
grande aceitação. Mal acontece no mundo algo que desagrada às pessoas é
comum ouvir-se o comentário: "O governo precisa fazer alguma coisa a respeito.
Para que temos governo? O governo deveria fazer isso". Temos aqui um
vestígio característico do modo de pensar de épocas passadas, de eras anteriores
à liberdade moderna, ao governo constitucional moderno, anteriores ao
governo representativo ou ao republicanismo moderno.
Ao longo de séculos, manteve-se a doutrina - afirmada e acatada por todos -
de que um rei, um rei ungido, era o mensageiro de Deus; era mais sábio que os
seus súditos e possuía poderes sobrenaturais. Até princípios do século XIX,
pessoas que sofriam certas doenças esperavam ser curadas pelo simples toque da
mão do rei. Os médicos costumavam ser mais eficazes: mesmo assim,
permitiam aos seus pacientes experimentar o rei. Essa doutrina da
superioridade de um governo paternal e dos poderes sobre-humanos dos reis
hereditários extinguiu-se gradativamente - ou, pelo menos, assim
imaginávamos. Mas ela ressurgiu. O professor alemão Werner Sombart
(a quem conheci muito bem), homem de renome mundial, foi doutor honoris
causa de várias universidades e membro honorário da American Economic Association. Esse professor escreveu um
livro que tem tradução para o inglês - publicada pela Princeton University
Press -, para o francês e provavelmente também para o espanhol. Ou
melhor, espero que tenha, para que todos possam conferir o que vou dizer.
Nesse livro, publicado não nas "trevas" da Idade Média, mas no nosso
século, esse professor de economia diz simplesmente o seguinte: "O Führer,
nosso Führer" - refere-se, é claro, a Hitler - "recebe
instruções diretamente de Deus, o Führer do universo".
Já me referi antes a essa hierarquia de führers e nela situei Hitler
como o "Führer Supremo". Mas, ao que nos informa Werner
Sombart, há um Führer em posição ainda mais elevada. Deus, o Führer
do universo. E Deus, escreve ele, transmite suas instruções
diretamente a Hitler. Naturalmente, o professor Sombart não deixou de
acrescentar, com muita modéstia: "não sabemos como Deus se comunica com o Führer.
Mas o fato não pode ser negado."
Ora, se ficamos sabendo que semelhante livro pôde ser publicado em alemão -
a língua de um país outrora exaltado como "a nação dos filósofos e dos
poetas" -, e o vemos traduzido em inglês e francês, já não nos espantará
que mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a se considerar mais sábio e
melhor que os demais cidadãos, e deseje interferir em tudo, ainda que ele não
passe de um reles burocratazinho, em nada comparável ao famoso professor Werner
Sombart, membro honorário de tudo quanto é entidade. Haveria um remédio
contra tudo isso? Eu diria que sim. Há um remédio. E esse
remédio é a força dos cidadãos: cabe-lhes impedir a implantação de um regime
tão autoritário que se arrogue uma sabedoria superior à do cidadão comum.
Esta é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidão. As nações
socialistas atribuíram a si mesmas a designação de democracia.
Os russos chamam seu sistema de democracia popular; provavelmente sustentam
que o povo está representado na pessoa do ditador. Penso que aqui, na
Argentina, um ditador recebeu a resposta que merecia. Esperamos
que outros ditadores, em outras nações, recebam resposta semelhante.
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Esse texto é o terceiro capítulo do livro As Seis Lições, e foi traduzido por Maria Luiza Borges.