Muita gente é contra o livre mercado porque,
sem a intervenção do governo, a economia não prospera. Máquinas substituem trabalhadores. O capital, ao invés de ser usado na produção,
vai para a especulação. O desemprego
aumenta, uma minoria de ricos enriquece enquanto uma massa crescente de
desempregados vive da mão para a boca ou morre de fome. Com menos consumo, a produção cai. Todos ficam tímidos e com medo de investir
devido ao risco, e então entesouram seu dinheiro em casa, tirando-o de
circulação; o mercado como um todo vai à falência.
Já outro argumento, vindo frequentemente das
mesmas bocas, sustenta que o livre mercado é mau porque cria nas pessoas, por
meio da propaganda, um milhão de falsas necessidades, fazendo da massa (exceção
feita, claro, aos "conscientizados"...) zumbis do consumo, atrás de celulares,
carros e tênis comprados em 20x "sem juros". Escravos do consumo, perdem o gosto pela vida
simples e pelos bens mais elevados do espírito.
Meninas preocupadas com o peso têm que escolher entre o doce e a fruta,
jovens angustiados têm que escolher entre exatas e humanas.
Agora chegou a vez dos intervencionistas
escolherem qual dos dois ataques ao capitalismo deve permanecer; pois os dois
ao mesmo tempo não dá! Ou o livre mercado
destrói empregos e empobrece as massas, impedindo-as de consumir o básico, ou
ele as enriquece de tal maneira que as permite viver atrás do supérfluo. Teses contrárias não podem ser ambas verdadeiras.
Mas podem ser ambas falsas. Vejam só: a falácia do desemprego resultante
do livre mercado é das mais velhas da ciência econômica. Não, a tecnologia não gera desemprego: pelo
contrário, ao tirar trabalhadores de algum ramo que fica mais eficiente com
máquinas, ela libera mão-de-obra para outros ramos, que antes recebiam menos
trabalhadores ou até mesmo nenhum. Se
uma máquina sozinha dá conta de produzir o alimento, podemos parar de trabalhar
o dia inteiro na plantação e escrever livros, trabalhar em hospitais, etc.
E não precisamos ter medo do entesouramento. Mesmo que uma parcela da população
entesourasse seu dinheiro (isto é, escondesse embaixo do colchão ao invés de
ganhar juros aplicando no banco -- que o usaria para novos investimentos) o
efeito dessa retirada do dinheiro da economia seria a queda dos preços; ou
seja, quem não tomou a decisão genial de esconder seu dinheiro e não ganhar
juros (e eu pensando que no capitalismo as pessoas eram gananciosas.....) poderá
comprar mais produtos a preços reduzidos. Ao longo do século XIX, a tendência era
de queda de preços (que é o natural quando a produtividade aumenta) e todas as
economias cresceram muito; os perigos da deflação são um mito.
Quanto ao consumo zumbi, tenha dó, né? Em tempos muito mais liberais, portanto muito
mais capitalistas, o consumismo não era um problema tão grande assim. Muita gente tem inveja e não gosta de ver, por
exemplo, pobre consumindo. Se pobre
compra celular que tira foto, é porque foi manipulado pelo marketing, e não
porque sua vida será efetivamente facilitada. Ver consumismo genérico nos outros é a coisa
mais fácil do mundo. Difícil é apontar
os casos específicos. Pois é óbvio que o
consumidor sabe que não precisa do
tênis para sobreviver, assim como não precisamos
de pratos e talheres; ele quer o
tênis, pois o deixará mais confortável e vai "pirar as minas na balada".
A propaganda apenas apresenta a
marca aos consumidores; tenta deixá-la gravada na cabeça deles para que se
lembrem mais tarde e comprem o produto. A marca, por sua vez, tem o papel
valioso de carregar informações. Se um
tênis é Nike, já sei que será caro, mas também sei que posso esperar uma certa
qualidade. Nenhuma das duas, propaganda
ou marca, são infalíveis ou onipotentes; quantas campanhas publicitárias
fracassadas já não ocorreram (ex: mudança de sabor da Coca-Cola), e quantas
marcas antes poderosíssimas são hoje uma sombra (AOL, alguém?)...
Ouso dizer que, de fato, muitos gastam dinheiro
com superfluidades. E a intenção por
trás desses gastos é, via de regra, impressionar os demais; um desejo que,
embora moralmente questionável, não foi engendrado nem pelo capitalismo nem
pela propaganda. Não é de hoje que a
vaidade (que, mais do que a preocupação com a beleza física, é o querer ser
glorificado aos olhos dos demais) é um pecado capital. Tenho a forte impressão que
muita gente com objeções ao capitalismo objeta, na verdade, ao pecado original;
mas isso é outro assunto...
Quer ser anti-capitalista? É direito seu, ninguém é perfeito. Se os argumentos serão bons ou não, veremos
caso a caso. Mas antes de começar,
preste a si mesmo a cortesia de verificar que os ataques são, ao menos,
internamente consistentes. Melhor tomar
o risco de fazer uma escolha de uma opinião que pode ser falsa do que sustentar
opiniões que, conjuntamente, não têm como ser verdadeiras.