Já há vários, mas nem precisaria, refutar tal insanidade (a saber: a de que deflação longa é ruim para a economia) é extremamente fácil. Quem afirma isso tem um único exclusivo argumento (que na verdade não passa de uma falácia). Eles dizem que o problema é que as pessoas começarão a consumir menos e, por consequência, as empresas venderão menos e haverá demissão de mão-de-obra. O problema é que com algumas perguntas vemos que isso não faz sentido:
1) Quer dizer então que eu não almoçarei hoje, apenas ano que vem, já que o preço da comida estará mais barato?
2) Quer dizer então que eu não andarei de carro hoje, apenas ano que vem, já que o preço do combustível estará mais barato?
3) Quer dizer então que eu não usarei micro-ondas, aquecedor, ar-condicionado, fogão elétrico, geladeira nem a luz das lâmpadas hoje, apenas ano que vem, já que o preço da eletricidade estará mais barato?
4) Quer dizer então que eu não pagarei a escola dos meus filhos (ou a faculdade) hoje, apenas ano que vem, já que o preço da matrícula (e do lápis, do papel, do caderno, do apontador e afins) estará mais barato?
5) Quer dizer então que eu não assistirei à Netflix hoje, apenas ano que vem, já que o preço do serviço estará mais barato?
6) Quer dizer então que eu não tomarei banho hoje, apenas ano que vem, já que o preço da água estará mais barato?
7) Quer dizer então que eu não comprarei remédios hoje (caso fique doente), apenas ano que vem, já que o preço do medicamento estará mais barato?
8) Quer dizer então que eu não contratarei plano de saúde, seguro para o carro nem seguro para a casa, apenas ano que vem, já que o preço desses serviços estará mais barato?
9) Quer dizer então que eu não contratarei alguém para consertar um móvel quebrado, um computador pifado, um problema no encanamento ou uma diarista para fazer faxina hoje, apenas ano que vem, já que o preço da mão-de-obra estará mais barato?
10) Quer dizer então que eu não viajarei de ônibus, avião, trem nem navio hoje, apenas ano que vem, já que o preço das passagens estará mais barato?
11) Quer dizer então que eu não comprarei roupas hoje, apenas ano que vem, já que o preço delas estará mais barato?
12) Quer dizer então que não farei absolutamente nenhum curso hoje (nem de outro idioma, nem preparatório para Enem, nem de especialização técnica, nem de nada), apenas ano que vem, já que o preço da mensalidade estará mais barato?
Repare que esses são só alguns poucos exemplos, mas que comprovam o óbvio: a esmagadora maioria dos produtos e serviços que consumimos não são passíveis de postergação, pois ou são essenciais (como alimento e eletricidade), ou o adiamento dos mesmos acabaria não compensando. Humanos gostam mais do presente do que do futuro (preferência temporal) e, em um cenário de deflação de preços, muito provavelmente não compensaria esperar tanto tempo para comprar o produto mais barato. Imagine uma deflação de preços de 3% (relativamente alta para os padrões modernos). Se um produto custa R$100, ano que vem ele custaria R$97. Ou seja, eu esperei um ano para ter um desconto de míseros R$3. Dificilmente alguém faria isso, não vale a pena. Talvez com produtos de altíssimo valor (como carros), compensasse. Mesmo assim, tais bens têm uma participação baixíssima na economia, e a postergação dos mesmos dificilmente faria com que houvesse ''redução do consumo, contração da economia e demissão de funcionários'', como certos economistas pregam. Ademais, tanto os Estados Unidos quanto a Inglaterra tiveram, entre 1800 e 1900, uma deflação anual média de 0,4%. Pode conferir
aqui e
aqui (terá de colocar os anos supracitados). No caso dos EUA, ela só não foi maior, por que houve a Guerra Civil (o governo imprimiu volumosas quantidades de dinheiro, e a inflação saiu do controle. Os Confederados chegaram inclusive a terem hiperinflação). E todos sabem que o século IXX foi de grande prosperidade, principalmente para o setor industrial. Outro ponto importante é que o Japão, diferentemente do que certos economistas dizem, não está estagnado por conta da poupança. Se fosse assim, era para a China também estar (os chineses são extremamente poupadores). O Japão não cresce simplesmente porque o governo,
seguindo políticas keynesianas, destruiu a economia do país. Os burocratas fizeram exatamente aquilo que os keynesianos defendem: entupiram os bancos de reservas e ainda saíram gastando dinheiro a rodo em todo tipo de obra pública. O resultado nós vemos hoje. Para finalizar (pois já está ficando grande), pense assim: em um cenário de deflação de preços, o lucro das empresas (em termos nominais) está caindo, certo? Acontece que os custos de produção também estão. Simultaneamente, em um cenário de deflação de preços, não há nenhuma necessidade de conceder aumentos salariais, já que o poder de compra dos trabalhadores está aumentando com o passar do tempo. Falta agora alguém me explicar como custos menores e não necessidade de aumento do salário da mão-de-obra configuram algo ruim para os empreendedores.