quinta-feira, 18 ago 2011
Uma
teoria muito difundida sustenta que a progressiva diminuição do poder
aquisitivo da unidade monetária teria tido um papel decisivo na evolução
histórica. A humanidade não teria podido
atingir o seu atual estado de bem estar se a oferta de moeda não tivesse
crescido mais rapidamente que a demanda. A consequente queda no poder aquisitivo,
afirma essa teoria, teria sido uma condição necessária para o progresso
econômico; a intensificação da divisão do trabalho e o contínuo crescimento da
acumulação de capital, que centuplicou a produtividade do trabalho, só teriam
podido ocorrer num mundo em que houvesse uma progressiva alta de preços.
A
inflação daria origem à prosperidade e à riqueza; a deflação, à desgraça e à
decadência econômica. Um exame da literatura política e das
ideias que por séculos têm orientado as políticas monetária e creditícia das
nações revela que essa opinião é aceita por quase todo mundo. Apesar das advertências de alguns economistas,
ainda hoje é o núcleo da filosofia econômica leiga. É, também, a essência dos ensinamentos de Lord
Keynes e de seus discípulos nos dois hemisférios.
A
popularidade do inflacionismo se deve, em grande parte, ao arraigado ódio
contra os credores. A inflação é
considerada justa porque favorece os devedores em detrimento dos credores. Não obstante, a visão inflacionista da
história tem pouca relação com esse argumento anticredor. Sua afirmativa de que o
"expansionismo" é a força motriz do progresso econômico, e de que o
"restricionismo" é o pior de todos os males, baseia-se sobretudo em
outros argumentos.
É
óbvio que os problemas suscitados pela doutrina inflacionista não podem ser
resolvidos recorrendo-se aos ensinamentos da experiência histórica. É fora de dúvida que a história dos preços
mostra, de uma maneira geral, uma contínua tendência ascendente, embora às
vezes interrompida por períodos curtos. Evidentemente,
não há outra maneira de analisar este fato a não ser pela compreensão
histórica. A precisão da análise econômica não
pode ser aplicada a problemas históricos. Os esforços de alguns historiadores e
estatísticos para rastrear as mudanças no poder aquisitivo dos metais preciosos
através dos séculos, e medi-las, são inúteis. Já foi mostrado que todas as tentativas de
medir grandezas econômicas estão baseadas em suposições inteiramente falsas e
demonstram uma ignorância dos princípios fundamentais tanto da economia como da
história. Mas o que a história, por meio
de seus próprios métodos, podem nos dizer nesse particular é suficiente para
justificar a afirmativa de que o poder aquisitivo da moeda tem mostrado ao
longo dos séculos uma tendência de queda. Em relação a isso, todos estão de
acordo.
Mas
não é esse o problema a ser elucidado. A
questão é saber se a queda no poder aquisitivo foi, ou não, um fator
indispensável na evolução da pobreza de eras passadas para as condições mais
satisfatórias do moderno capitalismo ocidental. Esta questão deve ser respondida sem que se
recorra à experiência histórica, que pode ser, e sempre é, interpretada de
diversas maneiras, e à qual os defensores e adversários de qualquer que seja a
teoria ou explicação da história se referem como uma prova de suas afirmativas
mutuamente contraditórias e incompatíveis. O que se faz necessário é esclarecer os
efeitos que as mudanças no poder aquisitivo provocaram sobre a divisão do
trabalho, a acumulação de capital e o progresso tecnológico.
Ao
lidar com esse problema, não nos podemos satisfazer apenas em refutar os
argumentos apresentados pelos inflacionistas em defesa de sua tese. O absurdo desses argumentos é tão evidente,
que fica fácil refutá-los e desmascará-los. Desde o começo de sua existência, a ciência
econômica já mostrou repetidas vezes que as afirmativas referentes aos supostos
benefícios de uma abundância de moeda e aos supostos desastres de uma escassez
de moeda são o resultado de erros crassos de raciocínio. Os esforços dos apóstolos do inflacionismo e
do expansionismo para refutar o acerto dos ensinamentos dos economistas
pró-livre mercado têm sido absolutamente inúteis.
A
única questão relevante é a seguinte: é ou não é possível baixar a taxa de
juros por meio da expansão de crédito? Já sabemos da interdependência entre a taxa de
juros e as expansões monetárias. Já
sabemos quais são, inevitavelmente, as consequências de expansões
econômicas artificiais provocadas por uma expansão creditícia.
Mas
devemos perguntar-nos se não é possível existirem outras razões que possam ser
apresentadas em favor da interpretação inflacionista da história. Não teriam os defensores do inflacionismo
deixado de recorrer a algum argumento válido que pudesse sustentar sua posição?
É certamente necessário que o assunto
seja examinado de todos os ângulos possíveis.
Imaginemos
um mundo no qual seja rígida a quantidade de moeda. Num primeiro estágio, os habitantes desse
mundo produziram toda a quantidade possível da mercadoria a ser usada como
moeda. Um novo aumento na quantidade de
moeda é impossível. Os meios fiduciários
não são conhecidos. Todos os substitutos
de moeda — inclusive a moeda fracionária — são certificados de moeda.
Nessas
condições, a intensificação da divisão do trabalho, a evolução da autossuficiência
econômica das famílias, vilas, distritos e países para o sistema de mercado
mundial do século XIX, a progressiva acumulação de capital e o progresso
tecnológico dos métodos de produção teriam resultado numa tendência contínua à
queda dos preços. Poderia esse aumento
do poder aquisitivo da unidade monetária impedir a evolução do capitalismo?
O
homem de negócios comum responderia afirmativamente a essa pergunta; vivendo e
agindo num mundo em que uma lenta, mas contínua, queda no poder aquisitivo da
unidade monetária é considerada como normal, necessária e benéfica,
simplesmente não pode compreender um estado de coisas diferentes. No seu entender, as noções de preços em
ascensão e lucros estão interligadas, assim como as de preços em queda e prejuízos.
O
fato de que também se possa operar lucrativamente em um ambiente de queda de
preços e que grandes fortunas tenham sido feitas dessa maneira não abala o seu
dogmatismo. São casos — diz ele — de
transações meramente especulativas de pessoas desejosas por lucrar com a queda
nos preços de bens já produzidos e disponíveis; as inovações criativas, os
novos investimentos e a utilização de métodos tecnológicos aprimorados requerem
o estímulo que a expectativa de aumento de preços propicia; o progresso econômico
só é possível em um mundo de preços em ascensão.
Esta
forma de pensar é insustentável. Em um
mundo em que fosse crescente o poder aquisitivo da unidade monetária, o modo de
pensar das pessoas se ajustaria a esse estado de coisas, da mesma forma que, no
nosso mundo, se ajustaram a uma unidade monetária de poder aquisitivo
decrescente. Hoje em dia, as pessoas em
geral estão prontas a considerar um aumento na sua renda nominal ou monetária
como uma melhoria de sua situação material. A atenção das pessoas está mais voltada para o
aumento dos salários nominais e do equivalente monetário da riqueza do que para
o aumento da quantidade de bens disponíveis.
Em
um mundo em que o poder aquisitivo da unidade monetária fosse crescente, todos
concentrariam sua atenção na redução do custo de vida. Isto tornaria evidente o fato de que o
progresso econômico consiste primordialmente em fazer com que as amenidades da
vida sejam cada vez mais acessíveis.
Na
condução dos negócios, as reflexões acerca da tendência secular dos preços não
são levadas em
consideração. Empreendedores
e investidores não se preocupam com tendências seculares. O que orienta suas ações é a sua expectativa
de quais serão os preços nas próximas semanas, meses ou, no máximo, nos
próximos anos. Não se interessam pelo
movimento geral de todos os preços. O
que lhes interessa é a existência de diferenças entre os preços dos fatores
complementares de produção e o preço previsto dos seus produtos produzidos. Nenhum empreendedor se lança em um empreendimento
por acreditar que os preços — isto é, os preços de todos os bens e
serviços — irão aumentar. Ele se
engajará no empreendimento em questão se acreditar que pode extrair um lucro da
diferença entre os preços dos bens de várias ordens.
Em
um mundo com uma tendência secular de preços decrescentes, as oportunidades de
lucro surgirão da mesma maneira como surgiram num mundo com uma tendência
secular de preços crescentes. A
expectativa de um aumento geral e progressivo de todos os
preços não intensifica a produção nem provoca uma melhoria do nível de vida. Ao contrário: acaba resultando numa "fuga
para ativos reais", numa alta desastrosa e no colapso do sistema
monetário.
Se
houver uma expectativa geral de que os preços de todas as mercadorias irão diminuir,
a taxa de juros no mercado de curto prazo também irá se reduzir no montante
correspondente a essa redução nos preços. Assim sendo, o empreendedor que
utiliza recursos emprestados está protegido das consequências de tal queda nos
preços, da mesma forma que, em uma situação de preços crescentes, o emprestador
se protege das consequências da diminuição do poder aquisitivo aumentando os
juros cobrados no mesmo montante do aumento esperado dos preços.
Uma
tendência secular de aumento do poder aquisitivo da unidade monetária faria com
que os empreendedores e investidores adotassem regras práticas, empíricas,
diferentes daquelas que se desenvolveram em decorrência da tendência secular de
queda do poder aquisitivo. Mas com
certeza não influenciaria substancialmente o curso dos negócios. Não eliminaria o desejo das pessoas de
melhorar sua situação material, tanto quanto possível, por meio de um ajuste
adequado da produção. Não privaria o
sistema econômico dos fatores que são a origem do progresso material — a
saber, o empenho de audazes empreendedores em obter lucro e a disposição do
público para comprar aquelas mercadorias que lhes proporcionam maior satisfação
pelo menor custo.
Tais
observações, certamente, não são um apelo para que se adote uma política de
deflação. Implicam meramente uma
refutação das inextirpáveis fábulas inflacionistas. Desmascaram o caráter ilusório da doutrina de
Lord Keynes, segundo a qual a fonte da pobreza e da miséria, da depressão
econômica e do desemprego deve ser procurada na "pressão
contracionista". Não é verdade que
"uma pressão deflacionária [...] teria [...] impedido o desenvolvimento da
indústria moderna". Não é verdade
que a expansão do crédito produza o "milagre [...] de transformar pedras em pães".
A
ciência econômica não recomenda políticas inflacionárias nem deflacionárias. Não instiga os governos a determinarem e
imporem o meio de troca a ser utilizado pela economia. Tal escolha sempre foi feita — e deveria
continuar sendo — pelo mercado. A
economia apenas proclama as seguintes verdades:
1.
Um governo, ao adotar uma política inflacionista ou deflacionista, não está
promovendo o bem estar do público, o bem comum ou os interesses da nação em geral.
Está meramente favorecendo um ou alguns
grupos da população à custa de outros grupos.
2.
É impossível saber previamente que grupos serão favorecidos por uma específica
medida inflacionária ou deflacionária, e em que extensão. Esses efeitos dependem do conjunto de
circunstâncias do mercado considerado; dependem também, em grande medida, da
velocidade do movimento inflacionário ou deflacionário e podem sofrer uma total
reversão no curso desses movimentos.
3.
Em qualquer grau, uma expansão monetária resulta em investimentos errôneos e
insustentáveis, além de gerar um consumo excessivo de bens. A nação, como um todo, fica mais pobre e não
mais rica.
4.
Uma inflação contínua acaba provocando uma alta incontrolável nos preços, além
de levar à completa ruína do sistema monetário.
5.
A política deflacionária é onerosa para o Tesouro e impopular junto às massas. Por outro lado, a política inflacionária é
vantajosa para o Tesouro e bastante popular entre os ignorantes. Na prática, o perigo da deflação é apenas
ligeiro, enquanto o perigo da inflação é enorme.