quarta-feira, 24 ago 2011
Quando
aceitei o desafio proposto por meu amigo
Helio
Beltrão, presidente do Instituto Mises do Brasil, para publicar um segundo
livro sobre a Escola Austríaca de Economia, três pensamentos assomaram de
relance à superfície do tonel onde estão arquivadas minhas lembranças.
O primeiro — que procurei
afastar imediatamente — é que estou ficando velho... De fato, já se vão
dezesseis anos desde a publicação da primeira edição de Economia e
Liberdade: a Escola Austríaca e a Economia Brasileira, pelo Instituto
Liberal de São Paulo. Mas, como tudo tem um lado bom, (omnia in bonum,
como escreveu São Paulo) pensei imediatamente que, decorrido esse tempo
e mais uns cinco ou seis anos desde que comecei a ler os austríacos,
minha experiência e domínio sobre o assunto devem ter aumentado
consideravelmente. Felizmente, o tempo também joga a favor, especialmente
para quem é acadêmico...
A segunda lembrança foi de quando — já sendo um economista com alguns anos
de doutorado e com razoável experiência de ensino e de mercado — Og Leme e
Donald Stewart Jr. me apresentaram à Escola Austríaca de Economia, com o
reforço de peso, meses depois, de Roberto Campos. À memória dos três
credito o fato de terem instigado minha curiosidade, o que me transformou, já
nas primeiras páginas de Ação Humana, de Mises, de um monetarista
ex-aluno de Alan Meltzer e novo clássico devorador dos artigos de Robert
Lucas e Thomas Sargent, em um austríaco.
E a terceira foi efeito da segunda: muitos colegas passaram a me olhar
intrigados, como se desejassem me perguntar algo como "o que aconteceu com
você, Iorio"? Confesso que algumas
vezes senti que me consideravam como algo semelhante a um OVNI, um
objeto voador não identificado. E desconfio até hoje que alguns devam ter
pensado com seus botões em aconselhar-me a procurar um psiquiatra. A vida
de um economista austríaco, no mundo inteiro, definitivamente não é
fácil, principalmente nos meios ditos acadêmicos... Lembrei-me de que
essas atitudes me incomodavam na época, mas que, há alguns anos, aprendi a
aceitá-las com bom humor, a melhor atitude para quem sabe que eles, os
críticos, não sabem bem do que estão falando, simplesmente porque não
leram os austríacos...
Perguntam-me frequentemente o que vem a ser a Escola Austríaca de
Economia. E essa questão não vem apenas de meus alunos dos cursos austríacos
que venho ministrando há bastante tempo na Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nem de outros cursos de
pós-graduação em que costumo dedicar algumas aulas para tratar do tema.
São, também, jornalistas, administradores de empresas e muitos colegas
economistas (professores e não professores), bem como profissionais de outras
áreas das ciências sociais e, até, de outros ramos das ciências, como
engenheiros e físicos.
O que pude concluir desde muito cedo — ilação que só tem se robustecido com
o passar dos anos — é que existe uma enorme ignorância a respeito de Menger,
Böhm-Bawerk, Mises, Hayek, Kirzner e outros brilhantes economistas da tradição austríaca.
O "conhecimento" máximo que a maioria costuma revelar é que os
membros dessa escola "defendem o livre mercado", ou que "são
contra o estado[i]",
ou, ainda, "que querem privatizar tudo o que encontrarem pela
frente". Quando se trata de economistas, a única informação que
demonstram ter sobre o assunto, adquirida em uma ou duas aulas da disciplina de
História do Pensamento Econômico, é que o fundador da Escola Austríaca, Carl
Menger, foi um dos descobridores da teoria da utilidade marginal (os
outros foram Walras e Jevons). Tenho percebido também com os anos que
muitos economistas a criticam sem sequer conhecê-la, uma atitude, digamos,
"pouco científica"...
Até os anos 30 do século XX, quando aconteceu o famoso debate entre Hayek e
Keynes sobre as causas da Grande Depressão, os economistas austríacos
eram estudados nos currículos dos cursos de economia em pé de igualdade com
os neoclássicos e os marxistas. Mas, como a versão de Keynes acabou
prevalecendo, a Escola Austríaca foi jogada injustamente no deserto do
ostracismo. Apenas em 1974, quando o mundo experimentou pela primeira vez
a estagflação (que a teoria austríaca dos ciclos previa desde
1912, quando Mises publicou a Teoria da Moeda e do Crédito), é que se
voltou a dedicar alguma atenção a ela, com a concessão a Hayek do Nobel
— que, mesmo assim, teve de dividir com um economista socialista sueco, Gunnar
Myrdal. Na década seguinte, o pensamento da Escola Austríaca influenciou
a política econômica de Margaret Thatcher e também, indiretamente, a de Ronald
Reagan, mas foi só isso... A vida dos economistas austríacos continuava
difícil...
E segue assim até os dias atuais, mesmo depois do estouro da bolha
imobiliária nos Estados Unidos em 2008, cujas causas foram exatamente
as que os austríacos sempre identificaram — e os fatos atestam isto
sobejamente — como os germes deflagradores dos ciclos econômicos. Mas a
crise mundial de 2008 e 2009 nos ensinou que é tempo de virarmos o jogo e
colocarmos a Escola Austríaca no lugar de destaque que merece.
Três grandes motivos — que fui descobrindo, entre encantado e perplexo —
forjaram a convicção de que a Escola Austríaca precisa ser novamente estudada
sistematicamente pelos economistas, desde a sua formação nas
universidades.
O primeiro é que os fatos atestam sobejamente que ela tem muito a dizer e a
ensinar, o que me impõe a obrigação, como economista e professor, de estimular
o maior número possível de futuros profissionais do ramo — e também de outras
áreas — a conhecê-la.
O segundo é que ela funciona mesmo -"it works!" -,
como me afirmou o economista austríaco Mark Thornton por ocasião do I Seminário de Economia Austríaca
promovido pelo Instituto Mises do Brasil, em Porto Alegre, em
abril de 2010, porque explica corretamente a ação humana no mundo real,
ao preocupar-se, mesmo em suas formulações teóricas, com a economia do dia a
dia, (economy), e não apenas com os aspectos teóricos (economics).
E o terceiro é o seu caráter humanista, porque analisa a economia não como
um compartimento estanque e sem comunicação com outros setores, mas de uma
forma integrada com as demais atividades sociais de natureza política, jurídica,
psicológica, histórica, antropológica, ética e cultural, ao amparo da filosofia
e no bojo de uma teoria geral da ação humana. A Escola Austríaca
rejeita o homo oeconomicus a que se restringe a quase totalidade dos
livros-textos da teoria econômica convencional, porque considera o homem, a pessoa
humana, em sua plenitude — e não apenas suas ações econômicas.
Somando tudo isso e um algo mais, aceitei o desafio de publicar este
segundo livro sobre o tema. O algo mais é o estímulo triplo
representado (a) pelo convite do Helio; (b) pelo incentivo de muitos alunos,
especialmente os da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, que mostraram,
para minha surpresa e alegria, uma vontade grande de conhecê-lo e estudá-lo,
seja nas disciplinas eletivas em que o abordo, seja nas dezenas de monografias
de conclusão de curso com temas austríacos, apresentadas ao longo
dos anos; (c) e, por fim, por mensagens que recebo frequentemente de estudantes
de economia de todo o Brasil, queixando-se da orientação keynesiana e marxista
que eiva os currículos de nossa ciência e pedindo que os oriente de alguma
forma.
Sobre o livro, cabe mencionar que o título — Ação, Tempo e Conhecimento
— representa o coração da Escola Austríaca de Economia. Enfeixa uma
introdução e dez capítulos. A introdução e seis desses capítulos foram
escritos recentemente (de outubro de 2009 até agosto de 2010), desde que
encarei o desafio do Helio; os quatro restantes foram escritos entre 2003 e
2009, na forma de artigos para meu site
pessoal e de papers apresentados em conferências e palestras, a que dei
nova forma e roupagem, para efeitos de padronização. Mesmo assim, é
inevitável que alguns conceitos sejam eventualmente abordados em mais de um
capítulo, embora a revisão final tenha buscado evitar o excesso de
repetições. Mas, por outro lado, um dos benefícios da repetição é ajudar
a fixar melhor os temas relevantes. No intuito de tornar mais leve a
leitura de um assunto normalmente pesado, achei por bem não dar tratamento
acadêmico formal ao livro e, por essa razão, não coloquei notas de rodapés e
registrei apenas as referências bibliográficas estritamente necessárias, mas
sempre no corpo do próprio texto.
Expresso minha sincera gratidão ao Helio Beltrão, que tem feito um trabalho
extraordinário de divulgação da Escola Austríaca em nosso país à frente do
Instituto Mises do Brasil. Agradeço também aos meus alunos da UERJ, pela
motivação que me passam ano após ano. Eles me fazem acreditar que, mesmo
em um país que maltrata a educação e os que a ela se dedicam, sempre é
gratificante ensinar.
Todos os leitores do IMB estão
convidados para o lançamento do livro, que será realizado hoje, às 19hs, em São Paulo, na Livraria da Vila - Al. Lorena, 1731
http://www.mises.org.br/Event.aspx?id=32
[i]
N.E.: O editor, Instituto Ludwig von Mises Brasil, em todas as suas obras, opta
pela a grafia "estado" com letra "e" minúscula, embora a norma
culta sugira a grafia "Estado".
Assim como o Instituto Mises Brasil, a revista Veja adota a grafia
"estado" desde 2007. À época,
Veja argumentou que "se povo, sociedade, indivíduo, pessoa, liberdade,
instituições, democracia, justiça são escritas com minúscula, não há razão para
escrever estado com maiúscula.". Este editor concorda. A
justificativa de que a maiúscula tem o objetivo de diferenciar a acepção em
questão da acepção de "condição" ou "situação" não
convence. São raros os vocábulos que somente
possuem um único significado, e ainda assim o contexto permite a compreensão e
diferenciação dos significados. Assim como Veja, o editor considera que
grafar estado é uma pequena contribuição para a demolição da noção disfuncional
de que o estado é uma entidade que está acima dos indivíduos.